19 Março 2018
Em meio à escalada da tensão entre o Governo e a Igreja pelo desbloqueio do debate sobre a descriminalização do aborto e a divulgação das atribuições dos bispos por parte da Casa Rosada, a carta do Papa Francisco em resposta a outra carta de líderes de diversas pertenças políticas que o saudaram pelo quinto aniversário do seu Pontificado constituiu uma jogada para vários lados. Com ela tenta reconciliar-se com seus críticos, contribuir para fechar o abismo político e aplacar os questionamentos por sua demorada visita ao país, além de apoiar a oposição à descriminalização do aborto.
A reportagem é de Sergio Rubin, publicada por Clarín, 17-03-2018. A tradução é de André Langer.
Por enquanto, parece muito esquivo o objetivo de reconciliar-se com seus críticos através do pedido de perdão para “aqueles que podem ter se ofendido com alguns dos meus gestos” – em uma alusão implícita àqueles que estão furiosos porque recebeu personagens muito questionados, sobretudo ligados ao governo anterior ou que simpatizaram abertamente com ele – porque os ânimos estão muito exaltados. Mas – como já aconteceu no Chile – ele não tem nenhum problema em voltar atrás: “(Deus) não me libertou da fragilidade humana” e “posso cometer erros como qualquer pessoa”, diz ele.
O segundo objetivo – ligado ao seu pedido de perdão –, de ajudar a fechar o abismo, aparece no início, no primeiro parágrafo, quando ele elogia a carta de saudação de líderes muito diferentes (e a do próprio presidente). “Me comove ver que, além da respeitosa saudação das autoridades, esta carta uniu pessoas de diferentes procedências religiosas, políticas e ideológicas”. E termina com a seguinte afirmação: “Isso confirma que não é impossível encontrar razões para se encontrar e que a ‘unidade é superior ao conflito’”.
O terceiro objetivo – aplacar os questionamentos decorrentes da sua demorada visita ao país – aparece nas declarações em que – embora não se refira explicitamente à sua viagem – dá a entender que isso não deve ser considerado como um desprezo pelos argentinos. “Vocês são o meu povo, as pessoas que me formaram, me prepararam e me ofereceram para servir as pessoas”, afirma. E acrescenta: “Ainda não tivemos a alegria de estarmos juntos na nossa Argentina, mas lembrem-se de que o Senhor chamou um de vocês para levar uma mensagem de fé, misericórdia e fraternidade a muitos cantos da terra”.
Finalmente, o quarto objetivo – o apoio à oposição à descriminalização do aborto – aparece no último parágrafo quando pede aos líderes uma contribuição “em defesa da vida”, um termo inequívoco na Igreja que rejeita a interrupção voluntária da gravidez. Um apoio que, certamente, é muito oportuno para a oposição. Mas, ao mesmo tempo, fiel ao seu marcado perfil social, Francisco pede-lhes que trabalhem pela justiça, pela paz e pela fraternidade e para que “cuidem dos mais fracos”.
O certo é que com sua carta Francisco vai ao encontro de uma situação neste momento complicado para a Igreja e para ele mesmo em seu próprio país. Mas seu gesto não deveria ser interpretado apenas como uma atitude defensiva, mas também como uma tentativa de propor uma trégua na escalada que os bispos (e Francisco?) observam com o Governo e que motivou esta semana a apresentação de uma queixa. Será aceita?
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Os quatro objetivos que estão por trás da carta do Papa aos argentinos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU