02 Março 2018
Em seu blog Come Se Non, 23-02-2018, o teólogo italiano Andrea Grillo apresenta a segunda parte da contribuição de Loris Della Pietra, na qual este “tira as consequências atuais da retomada do debate sobre a ‘forma fundamental’ da eucaristia, revelando suas raízes antigas e implementações pastorais de grande destaque, em profunda continuidade com o projeto conciliar de ‘reforma’ da liturgia. Daí derivam considerações afiadas e de grande fôlego.”
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O olhar sobre esse debate interno ao Movimento Litúrgico permite algumas observações importantes também hoje para a reflexão teológica acerca dos sacramentos e da Eucaristia em particular.
1. Acima de tudo, a superação do minimalismo na prática litúrgica e na teoria, que leva a repensar o “essencial” do sacramento. Apenas uma leitura distraída ou distorcida pode captar em Guardini e Jungmann um posicionamento unilateral que tende a minimizar ou a negar o valor do ponto de vista alheio.
Embora indicando como forma fundamental a refeição, um, e a oração eucarística, o outro, ambos não deixam de recordar a presença significativa de outros elementos. Ambos superam a concepção limitada das palavras essenciais ou necessárias para o sacramento e abraçam uma visão ampla, extensa, rica em forma (seja ela entendida como refeição ou como texto anafórico).
A busca da forma, portanto, permitiu superar a tendência de exaltar do sacramento somente aquilo que permite a validade, mantendo, ao contrário, tudo o que é posto em jogo nele. O dado ritual se impõe sobre a preocupação meramente jurídica.
2. Tal aquisição ou conscientização faz com que se possa rever uma certa teologia que considera apenas o conteúdo dos sacramentos. Participar da ação ritual significa, acima de tudo, acolher a qualidade formal da celebração, ou seja, aceitar e entrar globalmente na imediaticidade da linguagem ritual para poder ter acesso ao mais teológico.
Tal participação em todo o quadro ritual em sua doação formal é a garantia da eficácia do sacramento [1]. Gestos e textos, para aqueles que os atravessam corporalmente, são, acima de tudo, experiências e, como tais, criam a fenda vital sobre o mistério. Nesse sentido, tanto a refeição quanto o discurso anafórico são formas nos seus conteúdos e na sua doação formal, em que o agir é realizado no dizer. Palavras e gestos, entrando no circuito vivo da ação simbólica, transformam a realidade com novas e inéditas atribuições de sentido.
3. Esse é o objetivo audacioso da ideia de participação que emerge a partir da SC 48, quando se afirma que o mistério eucarístico precisa ser entendido (“id bene intellegentes”) “per ritus et preces”: não apenas e não tanto nos seus ritos e nas suas orações, mas através da complexa e delicada mediação dos ritos.
A participação através do rito é a via régia para compreender o mistério eucarístico, enquanto a adesão puramente interior e intelectual é totalmente inadequada para esse propósito. Uma participação total no ato (“conscie, pie et actuose”), que não visa à compreensão racional dos conceitos, mas que, em vez disso, se identifica com um “ingresso” global no mistério, agindo de acordo com o ordo estabelecido.
Para além de todas as tentações intelectualistas e de todo ativismo participativo que se entrega a razões políticas achatando a participação litúrgica sobre a noção de democracia, a actuosa participatio pede que a comunidade celebrante faça sua adesão à ação que está sendo cumprida na pluralidade dos códigos, dos ministérios, das linguagens.
Só nesse contato de corpo e de coração com a realidade do sacramento é que pode haver eficácia pastoral, uma eficácia garantida pela própria “rituum forma”, como afirma com autoridade a SC 49. O ditado conciliar e a implementação concreta em termos de Reforma não fazem nada mais do que receber o longo caminho do Movimento Litúrgico e a discussão sobre a Grundgestalt eucarística.
Seria um erro de miopia imperdoável considerar que a revisão ritual desejada firmemente pelo Vaticano II seja um fim em si mesma ou reduzi-la a uma rendição da Igreja à mudança dos tempos e dos costumes. Na realidade, precisamente a SC 49 afirma que, devido à eficácia pastoral do mistério eucarístico que resplandece e se dá na forma ritual, é necessário empreender uma obra atenta de reelaboração ritual: para que a forma possa responder ainda melhor a essa exigência imprescindível.
Nas entrelinhas, o texto conciliar parece lembrar que, se são necessários novos textos e novos gestos, é igualmente urgente cultivar uma melhor predisposição à ação ritual, à linguagem litúrgica, à participação no mistério salvífico “per ritus et preces”. O objetivo da Reforma não foi a liquefação dos rituais na distribuição dos conteúdos, mas sim a aquisição da capacidade de estar na forma ritual e não simplesmente diante dela, assumindo-a até o fim como fons da vida cristã e não como expressão secundária de uma verdade já dada.
A partir desse percurso de reflexão, é possível chegar a um ponto irrenunciável que sustenta toda a questão da forma: aquilo que geralmente é marginalizado por ser considerado como puramente exterior e, portanto, acessório, meramente expressivo e desnecessário é finalmente reconsiderado em toda a sua densidade antropológica e teológica.
A experiência da refeição como tal ou a linguagem não aparecem mais simplesmente como meios para dizer alguma coisa, mas sim como experiências fundamentais, limiares vitais e não negligenciáveis através dos quais o fiel pode fazer experiência de fé. Isso parece ser ainda mais surpreendente se pensarmos na contribuição singular derivada da virada linguística e das ciências humanas, em particular da fenomenologia da percepção.
Escavar nas reflexões de homens diferentes por formação e inclinação como Guardini e Jungmann pode ser um estímulo fecundo, até mesmo para quem se interessa por na liturgia no século XXI. A advertência de ambos, embora em terrenos e pontos de observação distintos, é o de não pensar a liturgia fora da ação litúrgica e de não conceber o valor teológico do sacramento passando por cima do próprio sacramento. O interesse pela forma é, acima de tudo, oposição a uma redução conceitual ou teórica daquilo que, por sua natureza, se dá ao ser humano na variedade e na complexidade das mediações.
Tal conquista parece ser ainda mais preciosa se considerarmos o fato de que a disputa sobre a forma se centrou precisamente na Eucaristia, ápice da experiência sacramental da Igreja.
Quais são os ganhos de uma teologia eucarística que saiba olhar para o sacramento a partir de seu modo específico, ou seja, ritual? Quais “conteúdos” a “forma” consegue deixar passar? Os seguintes pontos sublinham alguns elementos teológicos de destaque que a forma ritual eucarística permite identificar.
- “Tomai e comei.” A refeição como forma fundamental
A consideração da refeição como forma fundamental da Eucaristia em Guardini contribuiu para a valorização da convivialidade para a compreensão do sacramento. Suas observações visam a salvaguardar o fenômeno para trazer à tona o valor sacramental inerente à ação de tomar o alimento comunitariamente. A insistência com que Guardini convida a reconhecer a forma naquilo “que aparece aos sentidos” indica precisamente a apreciação pelo fenômeno ritual – e pelo comer e beber, neste caso – como ponto inicial e imprescindível de todo edifício teológico.
Sentar-se à mesa, partir o pão, compartilhar o cálice não são segmentos supérfluos de uma ritualidade inútil e irrelevante, mas momentos “essenciais” da forma da refeição que pedem, por sua natureza, a participação neles para entrar em comunhão de vida com o mistério de Cristo. A referência ao dato bíblico não pode ser desvinculado do recurso às competências que releem a experiência da refeição pelo lado simbólico: no comer em comunhão, de fato, tem-se uma forma singular de relação com o real, de sintonia com o mundo, de doação e de partilha.
O fruto mais maduro (e audacioso) dessa compreensão é a notável recuperação, principalmente com a editio typica tertia do Missale Romanum. A experiência completa do comer e do beber, em obediência à ordem de Cristo, além de derrubar a barreira entre a comunhão do sacerdote e a dos fiéis, sublinha a dimensão convivial claramente sancionada pela SC 47. O que aparece como uma benigna concessão, na verdade, deriva da consciência de que o ato de comer e beber qualifica significativamente a abordagem à Eucaristia.
- “Deu graças.” A anáfora como forma fundamental
A atenta exploração de Jungmann sobre a anáfora como forma de Eucaristia chega a entender a oração eucarística como componente necessário para estabelecer o nexo entre a ação ritual e o evento pascal que o rito celebra. Superado todo contraste entre ceia e sacrifício, em Jungmann continua sendo fundamental a tentativa de captar o valor teológico da anáfora em seus múltiplos aspectos de memória e ação de graças, de epiclese e de intercessão. Uma contribuição não indiferente à teologia, para que se ponha na escola da lex orandi, para captar os “conteúdos” a partir das estruturas literárias que permitem que a Igreja “faça Eucaristia”.
Uma teologia sacramental verdadeiramente à altura de sua tarefa não pode se eximir de interrogar os textos das orações eucarísticas e, neles, as dinâmicas da anamnese e epiclese que unem o agir eclesial ao agir de Cristo. No entrelaçamento literário formado pelas expressões de louvor, de narração, de oferta, de invocação, de memória e de oferta, a assembleia celebrante, pela boca daquele que a preside, confessa sua fé e se reconhece em sua identidade como comunidade “agraciada” por Deus.
A oração eucarística, portanto, é um dizer-fazer complexo, uma actio articulada, dinâmica e, ao mesmo tempo, rigorosa em sua ordem, em que a Igreja proclama a Páscoa do Senhor e invoca sua perene implementação no tempo.
- O sacramento entre forma e rito essencial
A redescoberta da forma ritual despotencializou consideravelmente aquilo que, no regime teológico clássico, parecia ser central e necessário, ou seja, a tríade composta pelo único ministro designado a dizer sobre a matéria as palavras que constituem a forma. O restante da ação não pertencia ao de necessitate do sacramento.
Tal concepção, ainda presente na tematização dos sacramentos no Catecismo da Igreja Católica, segue uma lógica dogmático-jurídica que, ao afirmar a existência de uma essência do sacramento, de fato, nega a essencialidade dos outros elementos. O interesse teológico pela forma, em vez disso, reconhece que, onde há ritos, não há lugar para as essências, e que a substância conteudística do sacramento é liberada pela riqueza linguística (verbal e não verbal) do rito, nunca redutível a uma essência a priori.
Nesse sentido, o Ordo Missae apresenta, de acordo com as razões expostas na SC 47-58, uma articulada varredura de sequências rituais em que nenhum elemento pode ser considerado irrelevante em relação à efficacitas do sacramento. É singular que, na constituição litúrgica, a abundante escuta da Palavra de Deus, a homilia como “par ipsius liturgiae”, a oração universal, a língua viva, a comunhão “ex eodem Sacrificio” do pão e do vinho, a unidade das duas mesas e a concelebração são atos que qualificam teologicamente a Eucaristia, e não simples acessórios que revestem um núcleo.
- “Sollicitudo de omnibus expressionis formis” [2]
O fato de o dado teológico poder ser encontrado nas formas rituais e não independentemente delas (ou, pior, suportando-as) é o ganho fundamental desse percurso. Esse olhar desenvolto sobre o rito demanda necessariamente que se compreenda a experiência litúrgica como realidade composta e articulada na pluralidade dos códigos expressivos.
O “jogo linguístico” do rito não se assenta no nível mínimo do verbal, mas entrelaça toda a gama do não verbal nas dimensões do espaço e do tempo, e o próprio verbal se faz palavra dita, cantada, silenciada, além de hino, aclamação, invocação.
Contra todo minimalismo, a forma ritual pede que o homem celebrante a atravesse percorrendo as longas vias das linguagens, certamente para expressar a fé, mas, antes ainda, para se deixar imprimir a salvação. Em outras palavras, no rito, a sensibilidade e a percepção do mundo não são abandonadas para buscar o transcendente, mas reorganizadas interrompendo o uso comum na lógica da diferença. Somente um neoimperialismo da palavra entendida como única guardiã e hábil veículo do conteúdo pode sufocar a força do rito, que, por sua natureza, implica a presença do corpo com todas as suas faculdades.
Dar crédito à forma ritual do sacramento e da Eucaristia em particular é um compromisso audacioso que põe em causa a Igreja se não quiser desmentir a dimensão celebrativa como fonte e ápice da vida cristã (SC 10). Não basta agir, mas também é preciso crer no valor teológico da ação sacramental.
Seria redutivo cercar a prática dos sacramentos com atenções meramente rubricistas e, depois, na reflexão teológica, na catequese e nos caminhos espirituais, ignorar totalmente a incidência do lado “aparente” do sacramento. Isso porque a aparência do sacramento é realmente o seu aparecer, a epifania da graça.
Para permitir isso, é mais do que nunca urgente a integração entre teologia, antropologia, história, filologia e o entrelaçamento entre as respectivas competências para investigar o fenômeno litúrgico sem preconceitos antirrituais ou preclusões de caráter conceitual. Está em jogo o encontro com a Eucaristia no seu terreno original e constitutivo, naquela trama de simbólico e de narrativo, de gestual e de verbal, que oferece com autoridade o conteúdo do sacramento. Ela o oferece a uma comunidade convocada, que, de tempos em tempos, se deixa construir pelo Corpo do Senhor, pela Palavra que escuta, pelo louvor que eleva, de acordo com a exortação de Agostinho ad competentes a propósito da petição sobre o pão contida na oratio dominicana:
“A Eucaristia é, portanto, o pão nosso de cada dia, mas devemos recebê-lo não como refresco do corpo, mas sim como sustento do espírito. A virtude própria desse alimento é a de produzir a unidade, para que, reduzidos a ser o corpo de Cristo, tendo-nos tornado seus membros, sejamos aquilo que recebemos. Então, ele será verdadeiramente o pão nosso de cada dia. Mas também aquilo que eu lhes explico é pão nosso de cada dia, assim também as leituras que vocês escutam todos os dias na igreja são pão nosso de cada dia, e o fato de escutar e recitar hinos é pão nosso de cada dia. Estes são os sustentos necessários para a nossa peregrinação terrestre. Quando chegarmos à pátria, escutaremos talvez a Escritura? Veremos e escutaremos o próprio Verbo, comê-lo-emos, bebê-lo-emos, como fazem os anjos agora. Os anjos precisam, talvez, de livros sagrados, de comentaristas, de leitores? Absolutamente não. A leitura deles é a visão, pois veem a Verdade em pessoa e se saciam na fonte da qual nós recebemos apenas gotas. Portanto, falamos do pão nosso de cada dia, porque, nesta vida, nos é necessária essa petição” [3].
A conformação a Cristo, portanto, passa pela participação no Corpo e no Sangue recebidos na celebração eucarística, em que, ao lado dos santos dons, também as leituras bíblicas, a homilia, as orações e os cantos são pão nosso de cada dia que alimenta o fiel e o fortalece no caminho. É na fidelidade ao “id quod sumimus”, repetido na forma eucarística, que a Igreja reconhece seu Senhor e se torna um com ele.
A lição que nos provém deste debate interno ao Movimento Litúrgico do século XX, mas com surpreendentes raízes na antiguidade e promissores aspectos na atualidade, leva a uma profunda consideração do âmbito fenomenológico. Somente a “pausa” sobre o dado fenomênico da forma ritual, a capacidade de “pensamento total” (Casel), a participação plena na ação podem garantir uma digna apropriação do conteúdo teológico. Assim, a Igreja, graças às aparências da forma ritual, pode reconhecer com renovado estupor, condescendente confiança e imutável paixão pelas coisas de Deus e do ser humano, o mistério de seu Senhor que a ela se doa incessantemente.
1. Cf. A. Dal Maso. L’efficacia dei sacramenti e la «performance» rituale. Ripensare l’«ex opere operato» a partire dall’antropologia culturale. Pádua: Edizioni Messaggero – Abbazia di Santa Giustina, 1999, pp. 352-358.
2. Bento XVI. Sacramentum caritatis. Exortação apostólica pós-sinodal sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja, n. 40.
3. Agostinho de Hipona, Discurso 57, 7,7.
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Nova teologia eucarística: Eucaristia, uma questão de ''forma''. Artigo de Loris Della Pietra (parte 2) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU