21 Fevereiro 2018
Na segunda-feira, um bispo nigeriano para quem o Papa Francisco demonstrou maior autoridade papal na memória recente demitiu-se, basicamente terminando um impasse que durou mais de cinco anos, e sem que o homem do Papa estivesse no comando.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e Inés San Martín, publicada por Crux, 20 -02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A situação levanta uma questão fundamental: nesta situação a teimosia lendária de Francisco realmente pestanejou, ou seja, aceitou que até mesmo ameaçar suspender os padres de uma diocese inteira não foi suficiente para fazer valer a sua vontade?
Ou então é um gesto gracioso de um bispo que já não estava interessado nos detalhes da situação, apenas em curar uma Igreja irremediavelmente dividida? Ou talvez um papa comprometido com a misericórdia que tenha colocado essa virtude em prática?
Uma declaração divulgada na segunda-feira pela Congregação para a Evangelização dos Povos, o departamento missionário do Vaticano que supervisiona a Igreja na Nigéria, sugeriu que depois que Francisco exigiu que todos os padres da diocese de Ahiara, na Nigéria, escrevessem pessoalmente a ele pedindo desculpas pela recusa em aceitar o bispo Peter Okpaleke, em junho de 2017, cerca de 200 obedeceram, mas outros apontaram que tinham "dificuldades psicológicas para colaborar com o bispo após anos de conflito".
Muitos sacerdotes e leigos em Ahiara alegaram que Okpaleke, nomeado pelo Papa Bento XVI em 2012, não fazia parte do grupo cultural e linguístico da maioria na diocese e consideraram a ação como outro exemplo de discriminação eclesiástica contra esse grupo.
A declaração da congregação indicava que, apesar de ter ameaçado suspender os padres que se recusassem a aceitar o bispo, Francisco acabou decidindo não dar continuidade às sanções.
De certa forma, é difícil não ver isso como basicamente capitulação. De que adianta ameaçar em caso de não cumprimento se, quando isso ocorre em larga escala, simplesmente se volta atrás?
Indiscutivelmente, Francisco dificultou a vida não apenas para si mesmo, caso opte por emitir ameaças semelhantes novamente, mas para qualquer futuro papa, pois parece que foi aberto o precedente de que basta reclamar alto o suficiente pelo tempo necessário para o papa acabar jogando a toalha.
É inegável que as forças que gozam de maior entusiasmo hoje em Ahiara são justamente as que encararam o Papa cara a cara em relação a Okpaleke. Porém, por mais que possam parecer tão elegantes na vitória, é claro que sentem que venceram e Francisco perdeu. Como disse o lado vencedor na segunda-feira, não se trata apenas de Okpaleke ter renunciado, mas que foi "subjugado e esmagado pela inevitabilidade da verdade".
Se isso não é um grito de vitória, é difícil saber o que é.
Porém, como uma nota mais seria para quem está exultante hoje em Ahiara, uma carta da congregação do Vaticano ao nigeriano John Onaiyekan, cardeal de Abuja, a capital do país, que, por um tempo, foi o administrador apostólico de Ahiara, sugere que Francisco "não pretende fornecer uma governança normal para Ahiara e reserva-se ao direito de avaliar o seu progresso espiritual e eclesiástico antes de tomar outra decisão".
Em outras palavras, não há garantia de que no final disso tudo os rebeldes gostem mais do resultado final do que do que acabou sendo o provisório.
No entanto, existem outras maneiras de encarar a situação, menos em termos de quem ganhou ou perdeu, e mais em termos de que conselhos o Evangelho pode dar numa situação de conflito.
No final das contas, Francisco, o "Papa da misericórdia", o Papa que convocou um ano jubilar especial inteiramente dedicado ao tema da misericórdia, cuja paixão pelo sacramento da reconciliação é palpável, e cujo lema episcopal é miserando atque eligendo... "com misericórdia o elegeu”
Olhando dessa maneira, o Papa simplesmente escolheu exercer a misericórdia, decidindo que a cura e a reconciliação, em última análise, era mais importante do que fazer as coisas do seu jeito.
Como qualquer bom confessor, no entanto, Francisco não permitiu que a oposição em Ahiara desaparecesse sem qualquer penitência. Antes de conceder-lhes o perdão, fez com que o clero de oposição se ajoelhasse com a carta, exigindo um pedido de desculpas e apontando de forma inequívoca o erro no seu caminho.
Da mesma forma, pode-se argumentar que o próprio Okpaleke assumiu uma posição superior, observando que a norma na lei da Igreja para excluir um pastor não é culpa ou inocência pessoal por algum delito - na verdade, ninguém nunca acusou formalmente Okpaleke de fazer nada de errado, exceto o fato de ter nascido no grupo errado -, mas quando o ministério dessa pessoa torna-se "prejudicial ou pelo menos ineficaz”.
Nesse sentido, pode-se interpretar a situação da seguinte maneira: Okpaleke, com o consentimento de Francisco, percebeu que a única maneira de a diocese seguir em frente era seu afastamento, o que significaria, na prática, optar por agir em prol do grupo como um todo.
É bem possível, é claro, que a situação, na verdade, seja um pouco de cada coisa: um papa exercendo a misericórdia, um bispo exercitando a humildade e o autossacrifício, e, ainda, um lado claramente obtendo o que queria, e o outro não.
Em outras palavras, poderia ser apenas uma confusão complicada, com elementos de graça e de nobreza misturados com humilhação, perda de prestígio e política de poder. Fica a tentação de dizer: "Bem-vindo à Igreja Católica!"
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Será que o Papa pestanejou na Nigéria ou é uma bagunça tipicamente católica? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU