21 Junho 2017
O recente pedido do Papa Francisco para que todos os sacerdotes de uma diocese da Nigéria escrevam cartas para ele prometendo lealdade e aceitando o bispo que ele nomeou pode parecer algo novo, mas na verdade advém de um pedido semelhante feito pelo Vaticano em 2014 e rejeitado na época por sacerdotes dissidentes.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 20-06-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Para o observador casual, uma ameaça papal recente de suspender todos os sacerdotes de toda uma diocese nigeriana pode parecer algo novo. Contudo, o Crux obteve evidências de que a situação se arquitetou há pelo menos três anos, seguindo uma demanda semelhante do Vaticano.
Um ultimato emitido pelo Papa Francisco no início deste mês, insistindo que todos os sacerdotes da diocese escrevessem uma carta pedindo desculpas por se recusar a aceitar a autoridade papal, originou-se em uma carta de 24 de junho de 2014, assinada pelo cardeal italiano Fernando Filoni.
Filoni, Prefeito da Congregação do Vaticano para a Evangelização dos Povos, o departamento do Vaticano que supervisiona os territórios missionários, não ameaçou suspender os sacerdotes como Francisco ameaçou no dia 8 de junho. No entanto, ele insiste que eles aceitem o bispo Peter Ebere Okpaleke, nomeado por Bento XVI em 2012 para a "amada" diocese de Ahiara, "demonstrando profundo carinho e profunda generosidade".
Quando o bispo foi nomeado, sacerdotes e leigos protestaram porque Okpaleke não é do grupo linguístico Mbaise, grupo dominante da região. Eles exigiram que "um dos seus" fosse selecionado para o cargo.
Filoni disse aos dissidentes na carta de 2014 que sua "oposição quase ideológica e prejudicial" NÃO se baseia em "motivos credíveis ou justificáveis". [Ênfase no original.]
De acordo com a carta do prefeito, ser "um filho de sua diocese" não é um fator primário para avaliar a nomeação de um bispo. A Igreja, segundo ele, "tem outros critérios", como as "virtudes humanas de uma pessoa, suas qualidades morais e espirituais, sua experiência pastoral, sua capacidade de orientar uma comunidade de fiéis".
Segundo Filoni, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos foram consultados quanto à nomeação de Okpaleke, tanto na Nigéria quanto em Roma.
"E, no entanto, alguns reivindicaram a si mesmos o direito de impedi-lo de exercer seu ministério pastoral na Diocese".
Em um trecho da carta, endereçada especialmente aos sacerdotes, que no dia da sua ordenação declararam obediência "ao seu próprio bispo, ao seu sucessor e ao Santo Padre", Filoni acusa-os de desobediência, "ferindo a comunhão eclesial".
Ao ver essa desobediência, ele diz: "Espero, portanto, um ato de arrependimento sincero e profundo, apresentado sob a forma de uma carta de cada um de vocês, assinada individualmente, pedindo perdão ao Santo Padre. O Papa Francisco está esperando por esse sinal de carinho! "
Ele termina a carta expressando seu apoio ao cardeal John Onaiyekan, de Abuja, a capital nacional, que também foi nomeado por Francisco como administrador temporário da diocese. Os sacerdotes e leigos que rejeitam Okpaleke também protestam contra a liderança de Onaiyekan.
Dois meses depois, em 22 de agosto de 2014, a Associação dos Sacerdotes Diocesanos enviou uma resposta ao Vaticano, em nome dos sacerdotes e dos leigos. A resposta foi supostamente assinada por todos, exceto por sete sacerdotes, porém a cópia obtida pelo Crux tem apenas cinco nomes no final da missiva de 16 páginas, que apenas três assinaram.
Eles exigem que um "visitante independente do Vaticano" tenha um "tete-a-tete" com eles. "Não somos rebeldes nem desobedientes ao Papa. Pelo contrário, estamos chorando por justiça na Igreja do Deus Sagrado". [Novamente, a ênfase está no original.]
A carta tem 43 itens e muitas citações da Bíblia, do Catecismo da Igreja Católica e do Código de Direito Canônico. O Código é usado para argumentar que eles estão no seu direito de apelar para que o Papa se envolva pessoalmente na resolução do problema, juntamente com o Secretário de Estado do Vaticano: "Temos plena confiança neles".
Eles afirmam ter tanto "permissão quanto obrigação" de protestar contra o bispo e, ao longo da carta, protestam principalmente argumentando que não foram nomeados bispos das dioceses nigerianas rurais recentemente e que é hora de ter um bispo que seja "próximo" deles.
Os sacerdotes escreveram que sua recusa em aceitar a nomeação papal de um bispo não é desobediência, e que Ahiara continuará sendo a "Irlanda" da Nigéria, como a região é muitas vezes chamada pela quantidade de vocações ao sacerdócio, muitos dos quais acabem sendo enviados para territórios missionários.
"Dizendo de forma simples, ele é um pastor que não está próximo de nós. E nosso pedido é que venha um pastor próximo de nós", eles escrevem, argumentando que a diocese de Ahiara é rural e composta, em grande parte, por uma população Mbaise pobre, agrária e homogênea.
Em seu comunicado de 8 de junho de 2017, Francisco deu até o dia 9 de julho para que os sacerdotes da diocese enviem uma carta de obediência, ou eles serão suspensos do cargo.
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O ultimato do Papa na Nigéria tem raízes em cartas de 2014 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU