21 Outubro 2014
Um dos livros mais perspicazes já escrito sobre o Concílio Vaticano II é o “O Reno se lança no Tibre”, de Ralph Wiltgen, publicado originalmente em 1967, sobre a maneira como muitas das energias reformadoras no Concílio tomaram forma, primeiro, no catolicismo de língua alemã.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada pelo portal Crux, 17-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Se alguém fosse escrever um livro a respeito do Sínodo dos Bispos 2014 sobre a família, um bom título neste mesmo sentido poderia ser: “O Reno se lança no Tibre novamente... e atinge o Zambezi”.
Assim como no Vaticano II, algumas das principais vozes no Sínodo deste ano que estão fazendo coro por uma agenda moderada/progressista são alemãs. A diferença é que, desta vez, elas encontraram uma resistência forte por partes de vários bispos africanos, os quais não mais se consideram parceiros subalternos no Catolicismo Ltda. Desta vez, eles estão prontos para participar da diretoria.
Claro, nem todos os alemães ou africanos, dentro ou fora do Sínodo, pensam da mesma forma. Ainda assim, o contraste entre os dois campos tem sido bastante evidente.
O cardeal alemão emérito Walter Kasper é o principal proponente de uma posição tolerante sobre dar a Comunhão a católicos que se divorciam e se casam novamente fora da Igreja, e algumas das figuras mais articuladas que defendem um tom mais compassivo, sobretudo em relação à moralidade sexual, incluem Reinhard Marx, de Munique, e o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, Áustria.
Do mesmo modo, vários dos líderes mais fortes do outro lado do debate vêm da África.
Depois que a divulgação, na segunda-feira, de um relatório interino do Sínodo deixou a impressão de que a Igreja Católica estivesse suavizando a sua oposição tradicional relativa às uniões homoafetivas e a outros relacionamentos “irregulares”, foi o cardeal Wilfrid Fox Napier, da África do Sul, quem partiu para a ofensiva durante uma coletiva no Vaticano.
“A mensagem divulgada de que é isto o que o Sínodo está dizendo, que é isto o que a Igreja Católica está dizendo, mas não nada disso o que estamos falando”, insistiu Napier.
“Não é verdadeiro (...) que este Sínodo teria assumido estas posturas”, disse, sustentando que o relatório intermédio não foi aprovado pelo sínodo inteiro.
Napier tem usado a sua conta no Twitter ao longo do Sínodo, dizendo, por exemplo, no dia 10 de outubro que “desenvolver” o ensinamento católico, que alguns usam para justificar posturas mais positivas sobre as uniões homoafetivas e outros assuntos, não é a mesma coisa que mudá-lo.
“Desenvolver significa que as coisas se expandem para ser si mesmas”, publicou no Twitter, “enquanto que alterar significa que a coisa é transformada numa outra coisa”.
O cardeal Robert Sarah, da Guiné, que chefia o departamento vaticano de caridade chamado “Cor Unum”, vem sendo uma outra voz ousada neste Sínodo.
“Com base nas Sagradas Escritura, a tradição da Igreja sempre afirmou que ‘os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados [disfuncionais], dado que são contra a lei natural e impossibilitam o dom da vida’”, disse em entrevista no dia 16 de outubro ao Catholic News Agency.
“Seja como for, eles não podem ser aprovados”, disse Robert Sarah, basicamente citando a doutrina oficial da Igreja.
Robert Sarah lembrou uma frase do Papa João Paulo II, quem certa vez se perguntou se este movimento em direção às uniões homoafetivas não fazia “parte de uma nova ideologia do mal”.
Talvez a declaração africana mais forte até o momento veio do arcebispo nigeriano Ignatius Kaigama, quem disse, numa coletiva no dia 8 deste mês, que algumas organizações internacionais tentam coagir os países africanos a adotarem uma ética sexual liberal fazendo disso uma condição para a cooperação internacional.
“Recebemos organizações internacionais (...) que gostam de nos seduzir no sentido de desviar-nos das nossas práticas e tradições culturais e mesmo crenças religiosas”, disse. “Isso é assim porque eles acreditam que as opiniões deles deveriam ser também as nossas, que o conceito de vida deles deveria ser o nosso”.
“Nós dizemos não”, falou Kaigama. “Nós chegamos à idade adulta”.
“A maioria dos países na África se tornaram independentes a 50, 60, até mesmo 100 anos atrás, e deveríamos de ter a permissão para pensar por nós mesmos”, acrescentou. “Já passou o tempo em que seguíamos [o Ocidente] sem questionar”.
Os ânimos africanos ficaram claros ao longo das últimas duas semanas.
Por exemplo, quando o Papa Francisco escolheu a dedos seis prelados para dar forma ao documento final do Sínodo, os africanos objetaram dizendo que ninguém de seu continente fora escolhido. Assim, na quinta-feira o pontífice acrescentou Napier ao grupo.
Também na quinta-feira Kasper deu uma breve entrevista do lado de fora do local onde o Sínodo acontece. Na ocasião, falou que os africanos “não deveriam nos dizer muito sobre o que devemos fazer”.
(Houve uma breve balbúrdia quando Kasper negou ter dado a entrevista em que dizia isto, ficando chocado com a situação; sem seguida, o jornalista que realizou citada entrevista, Edward Pentin, postou o áudio na internet.)
Na verdade, não importa o que alguém pense sobre a posição do cardeal Kasper sobre o divórcio e o casamento pela segunda vez: ele é um verdadeiro cavalheiro que estava falando numa segunda língua e no final de uma maratona de suas semanas cansativas. É quase certo que ele não quis ofender. No contexto, o cardeal pareceu estar dizendo que diferentes partes do mundo têm diferentes problemas e que cada uma deveria ter a permissão para desenvolver as suas próprias soluções.
No entanto, o fato de que o comentário tornou-se num corpo a corpo entre “Kasper e os africanos” apenas mostra o quão presentes os africanos se fazem neste momento.
A franqueza, ou ousadia, dos participantes africanos reflete uma tendência mais ampla na vida católica, em particular a mudança demográfica no centro gravitacional da Igreja – do norte para o sul ao longo do século XX e início do século XXI.
Durante o século passado, a população católica da África subsaariana foi de 1.9 milhão para mais de 130 milhões – um crescimento impressionante. As vocações estão também crescendo em todo o continente. O Bigard Memorial Seminary na Nigéria, com mais de 1100 seminaristas, é considerado atualmente o maior seminário católico do mundo.
Estes números ajudaram os católicos africanos a perceberem que o momento histórico deles de fazer a frente chegou.
De diferentes formas, o aumento nestes números apresenta um período para reflexão tanto para a esquerda quanto para a direita católica no Ocidente, supõe-se que os liberais sejam a favor do empoderamento do “Terceiro Mundo” e da escuta das vozes destas pessoas, mas isso tende a terminar quanto tais vozes dizem coisas que os liberais não querem ouvir, especialmente sobre o sexo e a família.
Os conservadores se alegram com os católicos africanos que se alinham junto deles nas guerras culturais, mas frequentemente se incomodam quando o diálogo muda para outros assuntos. Sobre a política externa americana, por exemplo, ou sobre os fracassos éticos do capitalismo de livre mercado, ou os direitos dos imigrantes, muitas vezes os africanos assumem posturas que seriam consideradas quase que radicalmente esquerdistas em termos americanos.
Não importa o que se faça com aquilo que os africanos tenham a dizer, há aqui um fato empírico da vida católica trazido às claras pelo Sínodo 2014: acostumem-se, pois eles não irão embora e não ficarão quietos.
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Os africanos não são mais os parceiros subalternos do Catolicismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU