02 Fevereiro 2018
Professor da Universidade de Brasília (UnB), o cientista político Lucio Rennó avalia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será capaz de influenciar os votos de todos os eleitores que hoje declaram apoiá-lo caso venha a ser impedido de disputar a eleição à Presidência.
Para Rennó, grande parte dos apoiadores de Lula o endossam não por ideologia, mas por "afeição" e pela memória positiva de avanços que atribuem a seu governo.
Segundo ele, caso o ex-presidente seja impedido de concorrer, os votos de parte desse grupo podem migrar para candidaturas governistas - se a economia deslanchar nos próximos meses - ou até para o deputado federal Jair Bolsonaro.
"Ele (Bolsonaro) pode abocanhar o eleitorado de Lula que deseja mais ordem na sociedade, mais estabilidade, que defende um enrijecimento do combate ao crime, questões muito presentes hoje nas periferias", afirma Rennó, doutor em Ciência Política pela Universidade de Pittsburgh.
Na terça-feira, uma pesquisa do Datafolha revelou que Lula segue à frente das pesquisas de intenção de voto mesmo após ter sido condenado em segunda instância no caso do tríplex no Guarujá. Em tese, a condenação faz com que o petista fique impedido de concorrer a cargos públicos pela Lei da Ficha Limpa.
A entrevista é de João Fellet e publicada por BBC Brasil, 01-02-2018.
Mesmo após sua condenação em segunda instância, Lula ainda aparece em primeiro nas pesquisas. Caso sua candidatura venha a ser barrada, qual sua capacidade de transferir votos para outro político indicado por ele?
Há uma ideia de que, em 2010, Lula foi um importante cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Mas isso ocorreu em grande medida por conta do sucesso econômico daquele momento. Eram tempos de muito acesso ao crédito, de aumento da renda, que favoreciam especialmente a população de baixa renda.
Esses elementos foram decisivos para a força eleitoral do PT em 2006, 2010 e em 2014, embora no último caso a população estivesse mais pessimista em relação à economia - tanto que Dilma ganhou apertado. Uma parte do eleitorado de Lula é cativa e vai acompanhar a sua indicação. São eleitores ideológicos, que votam no Lula por serem petistas ou de esquerda.
O restante do eleitorado de Lula - principalmente o eleitor de baixa renda, do Nordeste - não tem esse perfil. Eles votam em Lula por afeição, por carinho e por pragmatismo, pela memória de como sua vida melhorou no governo dele. Não há garantias de que esse eleitorado, que é muito grande no Brasil, seguirá a indicação de Lula ou será influenciado por ele.
É possível que esses eleitores que apoiam Lula "por afeição" transfiram os votos para Bolsonaro?
Não tenho dados para uma afirmação contundente, mas é uma hipótese extremamente plausível. Esse eleitorado, que é de renda mais baixa, sofre enormemente com problemas muito concretos no dia a dia, como questões de segurança pública e atendimento à saúde. Se aparecer um candidato novo, que não possa ser criticado por deficiências na condução do seu trabalho nessas áreas, ele pode se transformar numa alternativa convincente.
Bolsonaro tem chance de arregimentar o voto de Lula, embora a última pesquisa tenha mostrado certa estabilização em sua intenção de voto. Ele pode abocanhar o eleitorado de Lula que deseja mais ordem na sociedade, mais estabilidade, que defende um enrijecimento do combate ao crime, questões muito presentes hoje nas periferias.
O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad e o ex-governador baiano Jaques Wagner, principais cotados para concorrer pelo PT se Lula for barrado, têm tido resultados fracos nas pesquisas que consideram a ausência do ex-presidente. Os eleitores mais ideológicos de Lula poderiam migrar para candidatos como Marina Silva e Ciro Gomes?
Os dois apostam muito nisso. A ausência de Lula consolidará uma fragmentação da esquerda. Com Lula presente, muitos candidatos - como o do PCdoB e o Guilherme Boulos (cotado para se lançar pelo PSOL) - pensariam duas vezes em sair candidatos. A saída dele irá pulverizar o voto e tornará ainda mais incerta a disputa. Uma diferença pequena de votos pode ser um diferencial para a ida ao segundo turno, que certamente ocorreria na ausência de Lula.
Marina e Ciro vão trabalhar para atrair o apoio de eleitores mais ideológicos de esquerda que porventura não encontrem uma alternativa viável dentro do PT. Podem adotar uma retórica em defesa de um voto estratégico, que ajude a derrotar o pior adversário do eleitor.
Consigo imaginar Ciro falando que o risco de Bolsonaro ganhar é muito grande: "Você que está pensando em votar no Jacques Wagner, que não tem chance de ser eleito, deveria votar em mim para evitarmos um segundo turno entre Bolsonaro e Alckmin."
Lula tem dito que continuará candidato enquanto puder. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que, mesmo que ele seja preso, o PT tocaria sua campanha adiante. Qual a eficácia da estratégia?
Lula, a despeito dos processos judiciais que enfrenta, mantém-se como uma referência importante no processo eleitoral. A estratégia de sobrevivência eleitoral do PT exige que eles se atenham a essa postura de defesa inquestionável da inocência de Lula, de que ele é perseguido e de que há falhas no julgamento.
Esses argumentos vão enfraquecendo na medida em que os recursos da defesa do ex-presidente venham a ser rejeitados pelos tribunais. Porque isso faz com que seus apoiadores tenham de questionar não só as predisposições de alguns juízes, mas de todo o sistema. O PT sofrerá críticas por essa postura.
Resta ver até onde é viável insistir com essa argumentação e com Lula como candidato. Há uma sinalização também de que, sem Lula na eleição, o partido pode questionar a legitimidade do processo. Se fizer isso, não caberá ao PT lançar uma candidatura. Seria uma postura extremada e de muito risco, porque o PT perderia muito de sua capacidade de representação, inclusive na Câmara.
Quais os principais desafios para os candidatos de centro-direita, entre os quais o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB)?
Esse campo está muito condicionado pelo desempenho da economia e se o governo Temer terá um candidato ou não. A recuperação da economia pode ter um papel importante na eleição. Se o governo conseguir convencer o eleitorado de que a situação econômica está melhorando e de que só um candidato de dentro pode assegurar um futuro ainda melhor, crescem as chances de um candidato apoiado pelo governo. Isso é mais provável para candidatos como (o presidente da Câmara) Rodrigo Maia (DEM-RJ), (o ministro da Fazenda) Henrique Meirelles (PSD-GO) ou o próprio Temer.
Alckmin ficaria um pouco alijado do processo, porque não tem tido uma atuação direta de apoio ao governo, e o PSDB tem se mostrado ambíguo em relação a Temer. Se o governo não conseguir convencer a população de que situação está melhorando, Alckmin ganha força por essa ambiguidade. É um candidato que tem experiência administrativa e tem relação com este governo, mas não é o candidato do governo.
A forte rejeição ao governo Temer não enfraquece candidaturas que venham a ser apoiadas pelo presidente?
A rejeição é um elemento importante, mas é recuperável. O governador ou o presidente, num ano eleitoral, consegue mobilizar os recursos para deixar marcas e legados mais significativos na memória do eleitor. Diante da grande indecisão nesta disputa, a margem para crescimento daqueles que consigam mostrar resultados práticos é significativa.
Num cenário de recuperação da economia, que é o que vem se projetando, esse elemento teria papel muito importante nas eleições, como em todas as anteriores.
Não podemos descartar que uma parcela significativa do eleitorado de Lula, vendo sua condição de vida melhorar, venha a apoiar um candidato centrista com algum papel nesse processo de recuperação - ainda que esse eleitor diga hoje que, sem Lula na disputa, não votaria em ninguém.
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Voto 'afetivo' em Lula pode migrar para Bolsonaro, diz cientista político - Instituto Humanitas Unisinos - IHU