26 Janeiro 2018
Suposto equilíbrio no meio não surgiu do nada: Lula já estava condenado pela mídia antes do relator proferir seu voto, escreve Bia Barbosa, jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes em artigo publicado por CartaCapital, 25-01-2018.
Eis o artigo.
Nos últimos anos o Intervozes monitorou a cobertura da chamada grande imprensa brasileira em episódios políticos considerados importantes para o país, como o dia em que o ex-presidente Lula foi levado coercitivamente para depor à Operação Lava-Jato, ao longo do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, nos dias de greve geral convocadas pelos trabalhadores/as contra as reformas trabalhista e da Previdência, entre outros.
O mesmo ocorreu neste 24 de janeiro, quando Lula foi julgado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal 4, em Porto Alegre. E, desta vez, algo chamou a atenção de quem estava acompanhando a mídia: no geral, a imprensa televisiva reportou o julgamento com certo distanciamento e uma suposta áurea de equilíbrio, não vista nos episódios anteriores.
O comportamento teve razão de ser. Em primeiro lugar, o trabalho de condenação de Lula perante à opinião pública foi feito anteriormente, ao longo de mais de dois anos de ataques, desde o primeiro indiciamento do ex-presidente.
Em segundo lugar, já havia uma previsão da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal, mesmo que o placar seguisse incerto. Não foi necessário, portanto, às vésperas do julgamento, inflar a população para ir às ruas; tampouco carregar nas tintas da análise política.
Por fim, diante do resultado sem divergências na segunda instância, bastou às TVs reportar o ocorrido e dar luz aos argumentos e declarações trazidos pelos próprios desembargadores. Afinal, ali estão todos de acordo com o resultado proferido na tarde desta quarta-feira.
Vale, contudo, registrar alguns momentos que se diferenciaram nesta cobertura. Neste primeiro artigo de uma série que sai nos próximos dias, destacamos a análise da imprensa televisiva.
Assim que o resultado foi proferido pelo presidente do TRF, desembargador Leandro Paulsen, a GloboNews iniciou sua análise sobre o julgamento com foco em três aspectos: o aumento da pena de Lula e a redução dos recursos disponíveis para a defesa, a desconstrução da linha da defesa de que aquele tinha sido um julgamento político e sem provas, e os próximos passos da disputa política em curso.
De Porto Alegre, a repórter Isabela Camargo destacou que “os desembargadores fizeram questão de refutar o argumento da defesa de Lula de que a ação estaria toda baseada nas declarações apenas de Leo Pinheiro”.
No estúdio, Gerson Camarotti e Cristiana Lobo comentaram:
“O PT fez uma politização, desde a 1a instância, atacando todo o colegiado. Vimos isso nas ruas, nas palavras das principais lideranças do partido. E todos os desembargadores destacaram em seus votos a imparcialidade do Tribunal. Mandaram um recado direto a essas críticas recebidas. (…) Vemos a consistência da decisão de 1a instância e a contundência das provas na avaliação desses juízes, inclusive na questão do triplex”, acredita o jornalista, que mais tarde acrescentou: “Houve uma tentativa de constranger a Justiça. Houve isso na 1a instância com o Sergio Moro e depois se tentou criar esse embaraço ao TRF. (…) Esse mesmo Tribunal absolveu Vaccari duas vezes, e aí o PT elogiou a decisão e utilizou o TRF para questionar as decisões de Moro. Agora vem decisão contrária. Então só vale quando lhe favorece?”
“Todos os três amarraram com muita propriedade os votos que fizeram e isso dá dificuldade para o recurso da defesa. (…) Lula fez até aqui o discurso de perseguição e arguiu formalmente a suspensão do juiz Moro. Agora o Tribunal, por unanimidade, confirma a condenação de Moro e ainda amplia sua pena. O discurso de perseguição ele não poderá mais fazer”, opinou Cristiana. “Agora o STF pode tomar decisões em relação a outros investigados da Lava-Jato que tem prerrogativa de foro e mostrar que a Justiça está funcionando. Se algum deles tiver uma condenação confirmada pelo Supremo, esse discurso da celeridade e de que Lula é perseguido não vai prevalecer. Então a pressão sobre o Supremo vai aumentar”, avalia Cristiana.
Pelo visto, a Globo já começou a fazer sua parte.
O canal a cabo produziu então várias matérias com trechos dos votos proferidos pelos desembargadores e também da acusação – Ministério Público Federal (“a tropa de choque de Lula se aproximou da coação do Judiciário”) e advogado da Petrobras (“a empresa foi vítima de uma quadrilha”). Porém, depois de mais de duas horas de cobertura, nenhum trecho da sustentação da defesa de Lula ou de Paulo Okamotto havia ido ao ar.
Os telejornais noturnos do canal de notícias centraram sua análise no pós-julgamento. Eliane Catanhede abriu os comentários dizendo que o rei está nu. “O advogado não tinha defesa para Lula (…) Como falar em candidatura se o Lula pode já ser preso? (…) Você tem o líder de um partido que é condenado em 1a e em 2a instâncias e que tem um monte de processos. As pessoas vão se perguntar: se a Cristiane Brasil não pode tomar posse no Ministério do Trabalho, como o Lula pode ser Presidente da República? (…) A candidatura Lula a partir de hoje é uma candidatura de ficção”, sentenciou. Para Merval Pereira, “Lula hoje está mais perto da prisão do que do Palácio do Planalto”.
A primeira declaração do advogado de Lula foi ao ar às 21h08, com 1'30 minuto de duração. Lula só apareceu na GloboNews às 22h06, numa matéria de três minutos sobre onde o ex-presidente tinha acompanhado o julgamento e sobre as manifestações que tinham ocorrido pelo país. A defesa de Paulo Okamotto só foi ao ar às 22h53. Ou seja, mesmo sem ataques explícitos em massa, como se costuma constatar, o desequilíbrio foi claro.
No canal aberto do grupo, o Jornal Nacional teve uma edição primorosa. Para o telespectador comum, tudo pode ter sido assistido como um mero relato dos fatos, mas a análise detalhada do discurso revela as sutilezas da emissora que tanto trabalhou para que este dia chegasse. Se no JN o tempo de fala dado à defesa foi o mesmo da acusação, é preciso lembrar que os votos dos três desembargadores, que foram o destaque da edição, só reforçaram os argumentos do Ministério Público Federal.
Destaques para os trechos “Lula perdeu o rumo”, de Victor Luiz dos Santos Laus, e “Não importa o quanto alto você esteja, a lei está acima de você”, de Leandro Paulsen, que também apareceu dizendo que “as provas são inequívocas”. Em seguida, a apresentadora Renata Vasconcellos explicou que foram 19 as provas, numa lista que vai de A a T. O esforço para responder a mobilização em apoio ao direito de Lula ser candidato, que usaram a #Cadêasprovas, foi nítido.
Lula aparece numa declaração escolhida a dedo: dizendo que tinha certeza que o júri, por não ter provas, iria dar um resultado de 3x0 revertendo a decisão de Moro. O JN veiculou então uma longa reportagem sobre a Lei da Ficha Limpa, que deve impedir o ex-presidente de se candidatar.
Exibida também depois na GloboNews, a reportagem traz declarações, à época da aprovação da lei, de representantes de todos os partidos que, hoje, declararam apoio a Lula: o então deputado José Eduardo Cardoso (PT/SP), que defendeu a Presidenta Dilma enquanto AGU no processo de impeachment), à época relator do PL; o então deputado Flávio Dino (PCdoB/MA), hoje governador do estado; o deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ); e o então senador Aloísio Mercadante (PT/SP). A reportagem lembrou que a lei foi aprovada por unanimidade no Congresso. “Hoje o Brasil começa a mudar, começamos a passar o país a limpo”, afirmou o então senador Pedro Simon, do PMDB/RS.
Em todos os telejornais noturnos, tanto no canal fechado quando na TV aberta, a Globo citou a nota do Partido dos Trabalhadores que menciona a orquestração do grupo de comunicação no golpe em curso. A resposta foi: “A menção à Rede Globo em nota do Partido dos Trabalhadores é desrespeitosa, despropositada e fora da realidade”.
Outros canais
O Jornal da Record deu muito menos atenção ao julgamento de Lula, e mostrou uma cobertura mais equilibrada. Advogado de defesa teve voz: “o que se tem aqui é um processo nulo, que gerou uma sentença nula e também um processo que não foi feita a prova da culpa e sim a prova da inocência”, disse Cristiano Zanin Martins.
A Record também mostrou uma declaração de Lula já após o julgamento. Mas mostrou que a Força Tarefa da Operação Lava-Jato comemorou o resultado e encerrou a cobertura de 17 minutos com imagens de queima de pneus nas rodovias pelos movimentos sociais.
Na Bandeirantes, depois de a BandNews cometer a gafe do dia e divulgar, ainda pela manhã, que Lula já havia sido condenado por unanimidade - revelando talvez a torcida do grupo - o Jornal da Band priorizou a fala dos desembargadores, reforçando os argumentos da acusação – que, aqui, teve quase o triplo de tempo de fala que a defesa.
A cobertura, que durou cerca de 27 minutos, também deu mais espaço à repercussão política do julgamento com atores contrários a Lula. Enquanto do lado petista falaram o deputado federal Carlos Zarattini e o senador Lindbergh Farias, do lado oposto foram ouvidos o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB/PB), Ana Amélia Lemos (PP/RS) e Cristovam Buarque (PPS/DF). As imagens de “violência dos manifestantes” na Paraíba encerraram o jornal.
O Repórter Brasil, da TV Brasil, foi o único em que as manifestações de apoio a Lula tiveram alguma relevância, mostrando os protestos em Salvador, São Paulo, Porto Alegre e São Luis. O telejornal trouxe imagens da Praça da República, na capital paulista, repleta, mas não entrevistou nenhum manifestante.
Vale destacar que o silenciamento dos milhares de cidadãos e cidadãs que foram às ruas em crítica ao julgamento do ex-presidente foi a tônica em todas as emissoras de TV, tanto às vésperas quanto no dia da condenação de Lula.
Coube, uma vez mais, à imprensa alternativa – com destaque para os veículos do Brasil de Fato – mostrar em detalhes as manifestações pelo Brasil e fora dele, onde, em mais de 20 países, brasileiros também foram às ruas.
Para a GloboNews, entretanto, os protestos “não foram espontâneos”. “Muito pouca gente foi pra rua perto da mobilização feita. Mais gente dos movimentos do que do partido. Teve gente em São Paulo e Porto Alegre, mas não provocaram a comoção social esperada”, concluiu a comentarista Cristiana Lobo.
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Como a televisão brasileira cobriu o julgamento de Lula? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU