17 Janeiro 2018
A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios.
O Papa Francisco encontrou-se, nesta terça-feira (16/01), com os sacerdotes e consagrados chilenos, na Catedral de Santiago, no âmbito de sua 22ª viagem apostólica internacional ao Chile e Peru.
A informação é publicada por Vatican News, 16-01-2018.
“Neste encontro, queremos dizer ao Senhor: «Aqui estamos» para renovar o nosso «sim». Queremos renovar, juntos, a resposta à vocação que um dia alvoroçou o nosso coração”, disse o Santo Padre aos consagrados e consagradas, presbíteros, diáconos permanentes e seminaristas ali presentes.
Francisco deteve-se no último capítulo do Evangelho de São João, lido no encontro, sublinhando três momentos de Pedro e da primeira comunidade: Pedro/comunidade abatidos, Pedro/comunidade tratados com misericórdia e Pedro/comunidade transfigurados.
“Jogo com o binômio Pedro-comunidade, porque a experiência dos apóstolos tem sempre estes dois aspectos: pessoal e comunitário. Andam de mãos dadas, e não os podemos separar. É verdade que somos chamados individualmente, mas sempre para ser parte dum grupo maior. Não existe «selfie vocacional». A vocação exige que a sua foto seja tirada por outra pessoa”, disse o Papa.
“Sempre gostei do estilo dos Evangelhos que não adornam, não mitigam os acontecimentos, nem os pintam fazendo-os mais belos. Apresentam-nos a vida como é e não como deveria ser. O Evangelho não tem medo de nos mostrar os momentos difíceis, e até conflituosos, por que passaram os discípulos.”
Jesus estava morto e algumas mulheres diziam que estava vivo. “Os discípulos voltam para a sua terra. Vão fazer o que sabiam: pescar. Porém, têm as redes vazias.”
“Os discípulos, mesmo tendo visto Jesus ressuscitado, tão grande é o acontecimento que precisarão de tempo para compreender o sucedido.” A morte de Jesus evidenciou uma espiral de conflitos no coração de seus amigos. Pedro o renegou, Judas o traiu, o restante fugiu e se escondeu.
"Ficou apenas um punhado de mulheres e o discípulo amado. O resto, foi-se. Questão de dias, e tudo ruiu. São as horas da perplexidade e do turvamento na vida do discípulo. Nos momentos «em que se levanta a poeira das perseguições, tribulações, dúvidas, etc. por causa de fatos culturais e históricos, não é fácil enxergar o caminho a seguir.
Há várias tentações que caracterizam estes momentos: discutir ideias, não prestar a devida atenção ao caso, fixar-se demasiado nos perseguidores... e – creio que a pior de todas as tentações é ficar a ruminar a desolação». Sim, ficar a ruminar a desolação”, enfatizou o Papa.
“A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios. Juntamente com a fidelidade da imensa maioria, cresceu também a cizânia do mal com as suas consequências de escândalo e deserção”, disse Francisco, recordando as palavras do Arcebispo de Santiago, Cardeal Ricardo Ezzati Andrello, proferidas no início do encontro.
“Momento de turbulência. Sei da dor causada pelos casos de abuso contra menores e sigo com atenção o que vocês estão fazendo para superar este grave e doloroso malefício. Dor pelo dano e sofrimento das vítimas e suas famílias, que viram traída a confiança que depunham nos ministros da Igreja.”
"Dor pelo sofrimento das comunidades eclesiais, e dor também por vocês, irmãos, que, além do desgaste pela entrega, experimentam o dano que provoca suspeita e contestação, que pode ter insinuado – em alguns ou muitos – a dúvida, o medo e a desconfiança.
Sei que, às vezes, vocês sofreram insultos no metrô ou caminhando pela rua; que, em muitos lugares, «paga-se caro» andar vestido de padre. Por isso, convido-os a pedir a Deus que nos dê a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a ouvir o que Ele está nos dizendo."
O Papa acrescentou outro aspecto importante: “as nossas sociedades estão mudando. O Chile de hoje é muito diferente do que conheci no tempo da minha juventude, quando estava me formando. Estão nascendo novas e variadas formas culturais, que não se enquadram nos contornos habituais. Temos de reconhecer que, muitas vezes, não sabemos como nos inserir nestas novas situações.
Frequentemente sonhamos com as «cebolas do Egito» e esquecemo-nos de que a terra prometida está à frente. Que a promessa é de ontem, mas diz respeito ao amanhã. Podemos cair na tentação de nos fecharmos e isolarmos para defender as nossas posições que acabam por ser apenas bons monólogos.
Podemos ser tentados a pensar que tudo está mal e, em vez de professar uma «boa nova», tudo o que professamos é apatia e decepção. Assim, fechamos os olhos perante os desafios pastorais, pensando que o Espírito não tenha nada a dizer. Deste modo esquecemo-nos de que o Evangelho é um caminho de conversão, mas não só «dos outros», também nossa”.
“Gostemos ou não, somos convidados a enfrentar a realidade como nos é apresentada: a realidade pessoal, comunitária e social. As redes – dizem os discípulos – estão vazias, e podemos compreender os sentimentos que isso gera. Regressam a casa sem grandes aventuras para contar; regressam a casa de mãos vazias; regressam a casa, abatidos.”
“O que resta daqueles discípulos fortes, corajosos, vivazes, que se sentiam escolhidos tendo deixado tudo para seguir Jesus? O que resta daqueles discípulos seguros de si, prontos a ir para a prisão e até dariam a vida pelo seu Mestre, que, para O defender, queriam mandar vir fogo sobre a terra; que, por Ele, desembainhariam a espada e combateriam? O que resta do Pedro que repreendia o seu Mestre dizendo-Lhe como é que deveria orientar a sua vida?”
“É a hora da verdade, na vida da primeira comunidade. É a hora em que Pedro se confrontou com parte de si mesmo: a parte da sua verdade que muitas vezes não queria ver. Experimentou a sua limitação, a sua fragilidade, o seu ser pecador.
Pedro, o instintivo, o chefe impulsivo e salvador, com uma boa dose de autossuficiência e um excesso de confiança em si mesmo e nas suas possibilidades, teve que se curvar à sua fraqueza e pecado. Era pecador como os outros, era carente como os outros, era frágil como os outros. Pedro decepcionou Aquele a quem jurara proteção. Hora crucial na vida de Pedro.”
“Como discípulos, como Igreja, pode acontecer-nos o mesmo: há momentos em que somos confrontados, não com as nossas glórias, mas com a nossa fraqueza. Horas cruciais na vida dos discípulos, mas é também nessas horas que nasce o apóstolo. Deixemos o texto levar-nos pela mão.”
«Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”»
Depois de comer, Jesus convida Pedro a passear um pouco e a única palavra é uma pergunta, uma pergunta de amor: Tu me amas? Jesus não censura nem condena. Tudo o que Ele quer fazer é salvar Pedro. Quer salvá-lo do perigo de ficar fechado no seu pecado, de ficar «a mastigar» a desolação, fruto da sua limitação; do perigo de desistir, por causa das suas limitações, de todas as coisas boas que vivera com Jesus. Quer salvá-lo do fechamento e do isolamento.
Quer salvá-lo daquela atitude destrutiva que é o vitimar-se ou, ao contrário, cair num «vale tudo o mesmo», acabando por fazer malograr qualquer compromisso no mais danoso relativismo. Quer libertá-lo de considerar quem se opõe a Ele como se fosse um inimigo, ou de não aceitar com serenidade as contradições e as críticas. Quer libertá-lo da tristeza e sobretudo do mau humor.
Com esta pergunta, Jesus convida Pedro a escutar o seu coração e aprender a discernir. Uma vez que «não era de Deus defender a verdade à custa da caridade, nem a caridade à custa da verdade, nem o equilíbrio à custa de ambas, Jesus quer evitar que Pedro se torne um veraz destruidor ou um caritativo mentiroso ou um perplexo paralisado», como pode acontecer conosco em tais situações.”
Jesus interpelou Pedro sobre o seu amor e insistiu nisso até ele Lhe poder dar uma resposta realista: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu sou deveras teu amigo». E, deste modo, Jesus confirma-o na missão. Assim o faz tornar-se definitivamente seu apóstolo.
“O que é que fortalece Pedro como apóstolo? O que é que nos mantém a nós como apóstolos? Uma coisa só: fomos tratados com misericórdia. «Não obstante os nossos pecados, os nossos limites, as nossas faltas; não obstante as nossas numerosas quedas, Jesus Cristo viu-nos, aproximou-Se, deu-nos a mão e teve misericórdia de nós. (…).
Cada um de nós poderá recordar, pensando em todas as vezes que o Senhor o viu, que olhou para ele, que se aproximou dele e o tratou com misericórdia». Não estamos aqui por ser melhores do que os outros. Não somos super-heróis que, do alto, descem para se encontrar com os «mortais».
“ Antes, somos enviados com a consciência de ser homens e mulheres perdoados. E esta é a fonte da nossa alegria. Somos consagrados, pastores segundo o estilo de Jesus ferido, morto e ressuscitado. ”
A pessoa consagrada é alguém que encontra, nas suas feridas, os sinais da Ressurreição. É alguém que consegue ver, nas feridas do mundo, a força da Ressurreição. É alguém que, segundo o estilo de Jesus, não vai ao encontro dos seus irmãos com a censura e a condenação.”
“Jesus Cristo não Se apresenta, aos seus, sem chagas; foi precisamente a partir das suas chagas que Tomé pôde confessar a fé. Somos convidados a não dissimular nem esconder as nossas chagas. Uma Igreja com as chagas é capaz de compreender as chagas do mundo atual e de assumi-las, sofrê-las, acompanhá-las e procurar saná-las. Uma Igreja com as chagas não se coloca no centro, não se considera perfeita, mas coloca no centro o único que pode sanar as feridas e que se chama Jesus Cristo.
A consciência de ter chagas, nos liberta. É verdade; liberta-nos de nos tornarmos autorreferenciais, de nos considerarmos superiores. Liberta-nos da tendência «prometeica de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado».”
O Papa frisou que “em Jesus, as nossas chagas ficam ressuscitadas. Tornam-nos solidários; ajudam-nos a derrubar os muros que nos encerram numa atitude elitista, incitando-nos a construir pontes e ir ao encontro de tantos sedentos do mesmo amor misericordioso que só Cristo nos pode dar.
«Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados! Assim negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é “suor do nosso rosto”».
Vejo, com certa preocupação, que há comunidades que vivem acometidas pela ânsia de constar no cartaz, ocupar espaços, aparecer e se mostrar, mais do que pela vontade de arregaçar as mangas e sair para tocar a dolorosa realidade do nosso povo fiel.”
“Como nos interpela a reflexão deste Santo chileno, que advertia: «Por isso, serão métodos falsos todos os que são impostos pela uniformidade; todos os que pretendem encaminhar-nos para Deus, fazendo-nos esquecer os nossos irmãos; todos os que nos levam a fechar os olhos ao universo, em vez de nos ensinar a abri-los para elevar tudo ao Criador de todas as coisas; todos os que nos fazem egoístas e nos dobram sobre nós mesmos».
O povo de Deus não espera nem precisa de super-heróis, espera pastores, pessoas consagradas, que conheçam a compaixão, que saibam estender uma mão, que saibam parar junto de quem está caído e, como Jesus, ajudem a sair desse círculo vicioso de «mastigar» a desolação que envenena a alma.”
“Jesus convida Pedro a discernir e, assim, começam a ganhar força muitos acontecimentos da vida de Pedro, como o gesto profético do lava-pés. Pedro, que resistira a deixar-se lavar os pés, começava a compreender que a verdadeira grandeza passa por se fazer pequenino e servidor.”
“Como é grande a pedagogia de nosso Senhor! Do gesto profético de Jesus à Igreja profética que, lavada do seu pecado, não tem medo de sair para servir uma humanidade ferida”, frisou ainda o Santo Padre.
“Pedro experimentou, na sua carne, a ferida não só do pecado, mas também das suas próprias limitações e fraquezas. Mas descobriu em Jesus que as suas feridas podem ser caminho de Ressurreição. Conhecer Pedro abatido para conhecer Pedro transfigurado é o convite a deixar de ser uma Igreja de abatidos desolados para passar a uma Igreja servidora de tantos abatidos que convivem ao nosso lado.
Uma Igreja capaz de se colocar a serviço do seu Senhor no faminto, no preso, no sedento, no desalojado, no nu e no doente.
“Um serviço que não se identifica com o assistencialismo nem o paternalismo, mas com a conversão do coração.”
"O problema não está em dar de comer ao pobre, vestir o nu, assistir o doente, mas em considerar que o pobre, o nu, o doente, o preso e o desalojado tenham a dignidade de se sentar às nossas mesas, sentirem-se «em casa» entre nós, sentirem-se família. Este é o sinal de que o Reino de Deus está no meio de nós. É o sinal duma Igreja que foi ferida pelo seu pecado, foi cumulada de misericórdia pelo seu Senhor, e tornou-se profética por vocação.”
Segundo o Pontífice, “renovar a profecia é renovar o nosso compromisso de não esperar por um mundo ideal, uma comunidade ideal, um discípulo ideal para viver ou para evangelizar, mas criar as condições para que cada pessoa abatida possa encontrar-se com Jesus. Não se amam as situações nem as comunidades ideais, amam-se as pessoas.”
“O reconhecimento sincero, contrito e orante das nossas limitações, longe de nos separar de nosso Senhor, permite-nos retornar a Jesus, sabendo que, «com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. (…)
Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual». Como nos faz bem a todos deixar que Jesus nos renove o coração!
“Ao início deste encontro, disse-lhes que vínhamos renovar o nosso «sim», com garra, com paixão. Queremos renovar o nosso «sim», mas um sim realista, porque apoiado no olhar de Jesus. Convido-lhes, quando voltar para casa, preparar em seu coração um testamento espiritual, no estilo do cardeal Raúl Silva Henríquez expresso nesta linda oração que começa dizendo:
"A Igreja que eu amo é a Santa Igreja de todos os dias... a sua, a minha, a Santa Igreja de todos os dias...
… Jesus, o Evangelho, o pão, a Eucaristia, o Corpo de Cristo humilde em cada dia. Com os rostos dos pobres e os rostos de homens e mulheres que cantavam, que lutavam, que sofriam. A Santa Igreja de todos os dias».
Como é a Igreja que você ama? Ama esta Igreja ferida, que encontra vida nas chagas de Jesus?
Obrigado por este encontro. Obrigado pela oportunidade de renovar o «sim» com vocês. A Virgem do Carmo os cubra com o seu manto.”
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Chile. “Coragem de pedir perdão e aprender a ouvir”. O apelo de Francisco para presbíteros e a vida consagrada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU