10 Janeiro 2018
Ernesto Reyes é o representante do provincial dos maristas no Chile e o responsável pela gestão dos casos de abusos sexuais de menores que, a uma semana da visita do papa ao país, foram descobertos pelo jornal El Periódico. Nesta entrevista, Reyes pede perdão publicamente a todas as vítimas e admite que, em alguns casos, “foi cometido um erro muito grave ao não denunciá-los imediatamente à justiça civil”.
Entre as medidas tomadas, este marista leigo, que estudou no Instituto Alonso de Ercilla (onde supostamente alguns desses abusos foram cometidos), anuncia a criação da Mesa do Nunca Mais, uma investigação interna – que está sendo realizada por um sacerdote franciscano – e a decisão de “denunciar todos os casos e antecedentes que vão aparecendo, sem restrições”.
Da mesma forma, a congregação anuncia uma Comissão para a Verdade, que reunirá informações sobre todos os possíveis casos de abusos nas escolas maristas do país, “novos casos, informações, situações e até rumores, para tentar reunir a maior quantidade de informações confiáveis possível, num período que abrange os últimos 50 anos”.
A entrevista é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 09-01-2018. A tradução é de André Langer.
O que a comunidade marista chilena tem a dizer sobre as denúncias de abusos de menores em seus centros?
Estas são situações que nos atingiram de maneira muito dura, muito dolorosa, porque é da essência da nossa congregação educar, formar e proteger os menores que estudam em nossas obras e ser os protetores dos seus direitos. Esses casos começaram a aparecer em agosto de 2017 e reagimos institucionalmente com a maior digilência possível em todas as áreas:
"Na atenção, acompanhamento e contenção em relação às vítimas e suas famílias.
Colaborando de forma irrestrita com a justiça civil, denunciando todos os casos e antecedentes que vão aparecendo, sem restrições.
Criando uma instância orgânica interna, para conhecer, analisar, refletir e definir critérios e políticas de prevenção para que situações como essas nunca mais voltem a acontecer. Chamamo-la de Mesa do Nunca Mais e conta com representantes de todos os estamentos da Comunidade Marista; diretores, religiosos, professores leigos, estudantes, pais e advogados, ex-alunos e administrativos.
Iniciando o Processo de Investigação Interna, a cargo de um sacerdote franciscano, externo à Congregação Marista, conforme previsto pelo Direito Canônico.
Organizar uma comissão de investigação, chamada de Comissão para a Verdade, constituída por pessoas de fora da Comunidade Marista, de reconhecido prestígio e trajetória profissional, cujo propósito será investigar e reunir informações sobre os atos de abusos sexuais ocorridos nas Escolas Maristas do Chile, tanto daqueles casos conhecidos, bem como para investigar novos casos, informações, situações e até rumores, para tentar reunir a maior quantidade de informações confiáveis possível, num período que abrange os últimos 50 anos."
Qual foi a atitude da congregação? Como foi possível não saber de nada? A informação foi ocultada ou realmente não se sabia de nada?
A Congregação Marista, como muitas outras congregações e ordens religiosas cujas obras têm um alcance global, são instituições complexas cujas obras ou missões estão em vários países e, embora sejam hierarquizadas, para facilitar sua administração, são organizadas por proximidade territorial (províncias), e as situações são conhecidas e enfrentadas – em primeira instância – a nível local e depois provincial. Em relação às situações de abusos que ocorreram em alguns dos nossos colégios no Chile – vários dos quais ocorreram há mais de 40 anos – quando se tornaram conhecidos, foram enfrentados abertamente com as ações descritas acima.
No obstante, houve um caso conhecido em 2010, em relação ao qual se cometeu um erro muito grave ao não denunciá-lo imediatamente à justiça civil, deixando-o apenas nas mãos da congregação que, imediatamente, afastou o agressor de todo os seus trabalhos relacionados às obras educacionais e de qualquer possível contato com crianças ou jovens.
Em 2017, houve uma cooperação incondicional com a justiça civil em todos os casos (incluindo o caso de 2010), fornecendo todas as informações e antecedentes conhecidos, denunciando inclusive casos que as próprias vítimas não queriam levar a tribunais e que tomamos conhecimento pela imprensa.
Somos, portanto, uma Congregação Religiosa e uma Comunidade Educativa que, embora alguns desses fatos possam estar prescritos para a justiça civil, não o estão na perspectiva ética que corresponde honrar, que não apenas eram educadores, mas também se consagraram como religiosos. Os responsáveis devem ser punidos.
Que contato se mantém com as vítimas no presente momento? Foi lhes pedido perdão ou foram indenizados de algum modo?
Desde o início, foram dispostos instâncias de assistência psicológica e jurídica para as vítimas e suas famílias, bem como orientação espiritual, pois estamos na presença de abusos que ferem a alma. Foi pedido perdão publicamente através de dois comunicados de imprensa publicados nos principais jornais do Chile: El Mercurio e La Tercera. E em privado, também se pediu perdão a cada vítima e também aos seus familiares e pessoas do seu entorno, naqueles casos em que foi possível entrar em contato com eles.
Não medimos esforços e vontade para atender e apoiar as pessoas prejudicadas; elas fazem parte da nossa comunidade educativa, sabemos que o que aconteceu é muito sério e que nada que façamos irá apagar a dor e a violação que sofreram, mas com fé, e a inspiração da Santíssima Virgem e São Marcelino, esperamos encontrar no perdão a esperança de oferecer-lhes um pouco de tranquilidade e reparação emocional, na medida do humanamente possível.
Que medidas foram tomadas, ou serão tomadas, contra Abel Pérez (um dos pedófilos) e os demais acusados?
Em todos os casos, eles foram imediatamente afastados de suas funções, foram afastados de todos os contatos com a comunidade externa e estão dispostos a responder às investigações civis, interna e canônica.
Mais casos serão investigados?
A Comissão para a Verdade tem a missão de investigar e conhecer esses fatos e outros que podem ter acontecido, e a partir dessas informações – e conforme for o caso – o Ministério Público e as autoridades maristas da Província de Santa María de los Andes serão informados.
Como esse escândalo afetará a visita do Papa ao Chile?
Temos estado em contato com os nossos pastores e guias da Igreja católica no Chile e, nestes dias, foi enviado à Sua Santidade, através da Nunciatura local, uma carta na qual pedimos o seu perdão e o da Igreja por esses terríveis acontecimentos. Aproveitamos a oportunidade também para informá-lo detalhadamente sobre as ações que foram tomadas para a correspondente reparação das vítimas. Nosso compromisso irrestrito como católicos, como assinalou o Santo Padre, é a proteção inalienável para ser os guardiões dos direitos das crianças e dos adolescentes, que milhares de famílias nos confiam diariamente, um compromisso inteiramente ratificado pelo nosso Superior Geral, na Declaração do 22º Capítulo Geral Marista, de outubro de 2017.
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Chile. Irmãos maristas respondem: “Esses abusos ferem a alma; os responsáveis devem ser punidos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU