05 Novembro 2017
"Não somente entre os Weinandys e os Shaws, mas também entre os inúmeros católicos conservadores que confiam que Amoris Laetitia deveria ser lida de um modo que não altera a prática da Igreja sobre a ética sexual e a postura a respeito da Comunhão para os divorciados e recasados."
O comentário é de Charles Collins, publicado por Crux, 02-11-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quase seis semanas atrás, uma carta de 25 páginas, assinada por 62 teólogos e membros do clero, acusava o Papa Francisco de promover heresia em Amoris Laetitia, documento papal de 2016 sobre a família. Em nota, os organizadores chamaram esta correção filial de um ato que marcava uma época e fizeram um enorme estardalhaço na imprensa. Por que, então, outros críticos do papa não acrescentaram o seu nome a ela?
Quando o padre capuchinho Thomas Weinandy anunciou, no dia 1º deste mês, que havia escrito uma carta ao Papa Francisco acusando-o de fomentar uma “confusão crônica” e de “minimizar” a importância da doutrina, estávamos diante do maior movimento por parte dos que criticam Francisco, desde setembro, quando um grupo de teólogos conservadores tornou público que tinham enviado ao papa uma “correção filial”.
O ex-coordenador doutrinal para os bispos americanos, que renunciou ao cargo de consultor da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos depois de publicar sua missiva na internet, escreveu a Francisco que, no documento sobre a família, Amoris Laetitia, “a sua orientação parece, por vezes, intencionalmente ambígua, desse modo convidando à interpretação tradicional do ensino católico sobre o matrimônio e o divórcio bem como a uma interpretação que poderia implicar uma mudança neste ensino”.
Weinandy, que também é membro da Comissão Teológica Internacional, pelo menos até a conclusão do presente artigo, disse que Francisco estava fazendo os fiéis “perderem a confiança no pastor supremo” deles.
No entanto, quando perguntado pelo Crux sobre a correção filial, falou que ela não era “útil teologicamente” e que, a seu ver, não tinha sido apresentada de uma “maneira eficaz”.
A correção filial acusou Francisco de promover heresias ao propagar sete posturas heréticas concernentes ao matrimônio, à vida moral e aos sacramentos com o documento Amoris Laetitia e com “atos, palavras e omissões” subsequentes.
A maioria das queixas giram em torno da possibilidade de os fiéis divorciados e recasados receberem a Comunhão.
A missiva de 25 páginas, assinada por 62 teólogos e membros do clero, chegou com um enorme estardalhaço no dia 23 de setembro, e foi destaque nos jornais e tevês ao redor do mundo. Ela continua sendo um ponto de referência em muitos sítios católicos conservadores.
Todavia, Weinandy não é o único crítico de Francisco a se distanciar da carta. Os professores Josef Seifert e Luke Gormally, acadêmicos removidos por Francisco da Pontifícia Academia para a Vida, também não a assinaram. (Seifert chegou a dizer que Amoris continha “declarações objetivamente heréticas”.)
De fato, nas seis semanas desde a publicação da correção filial, o número de signatários agora está em 250, o que significa que só mais 188 pessoas escolheram assiná-la depois que se tornou pública.
E não é difícil acrescentar o nome ao documento: basta clicar no link e deixar o nome, qualificação acadêmica e email.
Além disso, muitos dos novos signatários não são teólogos profissionais. Vários membros do clero estão apenas listados como párocos, e um grande número de leigos são formados em áreas não exatamente eclesiásticas, como direito e artes.
Quando divulgada, a correção filial foi apresentada como o começo de um novo nível de resistência contra as tentativas de alterar a disciplina sobre a Comunhão a divorciados e recasados e outras “inovações” introduzidas durante o reinado de Francisco. Em nota, os organizadores chamaram-na de um “ato que marca uma época” e alegaram que a última vez que algo assim aconteceu foi em 1333.
Então, por que, depois de uma introdução tão espetacular, a correção filial se tornou um simples gemido? A seguir apresento algumas possíveis explicações.
Antes de tudo, a linguagem presente na correção é extremamente forte, fora do comum. Embora saia bem nas manchetes de jornais, acusar diretamente o papa de promover heresias irá fazer hesitar até mesmo os mais fortes críticos papais. Até mesmo a “correção fraterna” em separado, proposta pelo cardeal americano Raymond Burke, apenas busca um “esclarecimento” e somente se pôs a pedir que Francisco reafirme o ensino católico. Ele não deu a entender alguma acusação direta ao papa por heresia.
Em segundo lugar, o documento é escrito pelo grupo mais tradicionalista da Igreja. Os organizadores da correção são filiados ao movimento da missa em latim tradicional, incluindo o seu porta-voz, o acadêmico britânico Joseph Shaw, que preside a “Latin Mass Society”, associação que busca promover a missa tridentina na Inglaterra.
Dois dos signatários são lideranças da tradicionalista Fraternidade Sacerdotal São Pio X, que sequer está em plena comunhão com a Igreja: Dom Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade, e o Pe. Robert Brucciani, superior distrital dela na Grã-Bretanha.
Embora muitos na imprensa tendem a confundir grupos conservadores diferentes dentro da Igreja, pondo-os em um monólito indistinto, o fato é que a maioria dos críticos conservadores de Amoris Laetitia não quer se associar com o que frequentemente é visto como a ala tradicionalista. Ver os nomes de Fellay e Brucciani no documento teria criado uma linha vermelha que muitos católicos com tendência à direita não quiseram cruzar.
Reforçando este argumento está a longa digressão do documento sobre o porquê o modernismo – que fora condenado pelo Papa Pio X em 1907 – e a influência de Martinho Lutero estavam no coração do problema.
Sem dúvida, os autores acharam isto importante, porém o mesmo teriam achado muitos teólogos que veem este assunto como um reavivamento dos debates em torno do Concílio Vaticano II, e também como um ataque sutil aos antecessores imediatos de Francisco: João Paulo II e Bento XVI, que também foram acusados pelos tradicionalistas da mesma coisa.
Os organizadores teriam sido mais eficazes se estivessem suavizado a linguagem empregada no texto, estreitado suas críticas e feito um esforço maior para angariar apoiadores de um espectro mais variado.
Ao invés de apresentar um fronte unificado contra o papa, a correção filial destacou as diferenças entre os conservadores na Igreja sob o comando de Francisco.
Não somente entre os Weinandys e os Shaws, mas também entre os inúmeros católicos conservadores que confiam que Amoris Laetitia deveria ser lida de um modo que não altera a prática da Igreja sobre a ética sexual e a postura a respeito da Comunhão para os divorciados e recasados.
Por exemplo, no dia 25 de setembro, o cardeal canadense Marc Ouellet – prefeito da Congregação para os Bispos, o qual poucos considerariam progressista – advertiu contra “qualquer interpretação alarmista” que diga que o documento é “uma ruptura com a tradição”, ou que uma “interpretação permissiva que celebra o acesso aos sacramentos” aos divorciados e recasados é “infiel ao texto e às intenções do supremo pontífice”.
O que poderia ser o indício de um outro motivo para a correção filial não conseguir ganhar tração: talvez muitos da direita católica estão perfeitamente felizes com a ideia de abraçar a “ambiguidade intencional” do papa, ao invés de iniciarem uma luta que, acham, não irão vencer.
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Após uma explosão inicial, por que a “correção filial” agora parece mais um gemido”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU