Por: Márcia Junges | 26 Outubro 2017
Os direitos humanos e a bioética global foram o eixo articulador da conferência via web gravada pela Profa. Dra. Lori P. Knowles, da Universidade de Alberta, no Canadá. Impossibilitada de comparecer ao evento, a pesquisadora contribuiu para o debate proposto pelo IX Colóquio Internacional IHU – A Biopolítica como teorema da Bioética em 19-10-2017 e expôs suas reflexões a convite do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, organizador do evento.
Segundo Knowles, as mudanças na bioética nas últimas duas décadas e as que provavelmente ocorrerão são um tema candente de nosso tempo e que merecem uma análise mais detalhada. “As preocupações bioéticas eram globais e o serão cada vez mais em função da globalização da ciência, da medicina e da tecnologia. Há 18 anos o HIV era a grande preocupação em termos de saúde humana. Nessa época, a ovelha Dolly havia sido clonada na Escócia, outro fato que causou um impacto tremendo em termos de pesquisa. Hoje os temas centrais que norteiam o debate bioético vão desde a epidemia do ebola, a questão das células tronco e as migrações como fatos globais. Mas isso não era óbvio no contexto americano”, ponderou.
Um marco importante a ser salientado é que a bioética americana é distinta de outras tradições. Como disciplina acadêmica, seus estudos surgiram entre populações vulneráveis em 1984, a fim de proteger sujeitos humanos em pesquisa biomédica. O lugar da autonomia dos sujeitos de pesquisa para tomar decisões a fim de dar sua concordância foi fundamental para o prosseguimento a esse campo, pontuou Knowles. “A ênfase na autonomia tomou-se o centro da bioética americana, tornando o indivíduo, e não a comunidade, o locus da preocupação moral”.
Um dos desafios na discussão bioética nos EUA é que os direitos e o discurso dos direitos têm a ver mais com os direitos negativos com base na defesa libertária, e não de direitos positivos. Esses direitos negativos estão no indivíduo. Grande parte da população americana se opõe filosoficamente aos gastos das pessoas com direitos ao acesso da saúde. “Expressiva parcela da população não aceita o oferecimento desse recurso, sobretudo a direita cristã organizada, que rechaça a assistência médica universal. Por esse e outras razões, houve um retrocesso na política de assistência médica universal em nosso país.”
Knowles disse que, para compreender o debate norte-americano sobre a temática da bioética e seu foco na autonomia do sujeito, é preciso ter em mente o panorama político nacional. Assim, é necessário relembrar que, majoritariamente, os EUA tem seu perfil político formado por eleitores cristãos de direita e liberais seculares de esquerda, com alguns desvios nesse espectro. “Isso tem ramificações tremendas para questões da bioética, que é coordenada por leis feitas por políticos de um ou outro campo ideológico, politizando a questão de modo muitas vezes simplificador.”
O poderio das empresas farmacêuticas e suas pesquisas empreendidas com o consentimento de grupos de pacientes que se dispõe a serem cobaias humanas é outra temática relevante nas discussões do contexto americano. Surgem impasses como aqueles nos quais empresas privadas que financiam pesquisas médicas e farmacológicas querem um retorno financeiro desse investimento, ao qual apenas pequena parcela da população terá acesso. Por outro lado, surge a questão de que muitas descobertas importantes para a saúde global não teriam sido feitas sem essas verbas privadas, como no caso de biobancos de espécies humanas e animais e determinadas vacinas e medicamentos específicos. Lembremos, ainda, que produtos privatizados estão sujeitos a patentes, o que assegura garantias de propriedade intelectual, mas limita a produção em larga escala quando não há uma quebra desse requisito para atender ao máximo possível de pessoas interessadas.
“Penso que um dos questionamentos fundamentais a serem feitos por nós, pesquisadores e sociedade em geral é como equilibrar os avanços científicos com a privacidade cultural das comunidades. Nesse caso, cabe a questão se o DNA é uma herança comum da humanidade, ou uma propriedade cultural de uma tribo, especificamente”, perguntou Knowles.
Lori P. Knowles: temática da bioética americana é focada
na autonomia do sujeito / Foto: Arquivo Pessoal/Facebook
Outro tópico de grande impacto sobre os direitos humanos na nossa geração é a questão da mudança climática e suas implicações à saúde e segurança alimentar. “Estratégias de adaptação sem um senso crítico norteador criam violações de direitos humanos que são tremendas. Reassentamentos forçados de aldeias inteiras por parte dos governos nacionais em função da escassez de água provocadas pelo aquecimento global são apenas um dos exemplos nefastos que já começam a ser sentidos em inúmeros países, como nos EUA.” A pesquisadora frisou que agora presenciamos o maior número de migrações desde a Segunda Guerra Mundial. “São 65 milhões de pessoas fugindo da violência, guerras, pobreza extrema, desastres sociais e ambientais. O que isso nos diz em termos de impasses bioéticos? A comunidade científica precisa estar atenta a esse tipo de questão e promover debates urgentes para refletir e modificar o curso desses fenômenos.”
Docente na Universidade de Alberta, Canadá, Lori P. Knowles é graduada pela University of Western Ontario, mestre pelo Kings College, da Universidade de Londres, e doutora pela Universidade de Wisconsin, EUA. Seus interesses estão centrados nas políticas de regulação e ética relacionadas às ramificações da saúde pública e novas biotecnologias. Outra temática de estudos é a manipulação genética para aplicações médicas e ambientais, bem como a comunicação dessas tecnologias. É especialista em direito comparativo internacional e biotecnologia, direito e bioética, sobretudo no marco norte-americano.
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Direitos humanos, bioética global e a ênfase da autonomia no contexto americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU