11 Outubro 2017
A opacidade não combina com o Vaticano de Francisco. O ritmo frenético da mídia, que 24 horas depois já esqueceu os acontecimentos do dia anterior, pode dar a ilusão de que o caso Milone - o auditor geral das contas do Vaticano deposto em junho – já tenha sido arquivado. Mas o buraco negro do affaire continua ali e pede respostas claras. O Papa Bergoglio construiu sua reforma do governo pontifício sobre a transparência. Ele apoiou plenamente a revisão total de 18 mil contas correntes do IOR confiadas a uma empresa estrangeira (qual governo no mundo permite a uma agência estrangeira enfiar o nariz nos negócios dos clientes do próprio banco?). Ele chamou de volta, processou canonicamente e privou da batina um embaixador do Vaticano - o núncio Jozef Wesolowski - considerado culpado de abuso de menores.
A reportagem é de Marco Politi, publicada por il Fatto Quotidiano, 10-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Igual transparência não está acompanhando o caso Milone e aqueles que acreditam que a melhor coisa a fazer seja abafar o caso, não estão aconselhando adequadamente o Papa. Porque a limpeza e a transparência do sistema financeiro do Vaticano foram um dos pontos centrais dos cardeais no conclave de 2013, que elegeu o papa argentino.
Libero Milone, o primeiro auditor-geral das contas na história do Vaticano, foi demitido em 19 de junho último. Tecnicamente, foi considerada uma demissão voluntária, acompanhada do compromisso de não tornar públicas as razões. Na verdade, como revelado pelo próprio Milone, tratou-se de uma intimidação sob ameaça de ser preso. Mais ainda, foi apresentada a Milone em um primeiro momento uma "carta de demissão", datada de 12 de maio. (Portanto, tudo já tinha sido premeditado).
Milone estava trabalhando em três dossiês muito importantes: a análise preliminar dos dados patrimoniais, econômicos e financeiros da Santa Sé, relativos aos anos de 2015 e 2016, e a revisão do balanço patrimonial de 31 de dezembro de 2017.
Aqui surge a primeira pergunta. Por que nesses quase quatro meses não foi nomeado um novo auditor geral - mesmo interino - diante da tarefa primordial que lhe tinha sido confiada: verificar com "plena autonomia e independência" a situação patrimonial e financeira de todos os dicastérios da Santa Sé, das entidades ligadas a eles e do Estado da Cidade do Vaticano, com especial atenção para eventuais anomalias quanto à "utilização dos recursos financeiros (...) irregularidades na demonstração dos balancetes (...) irregularidades na adjudicação de contratos de compra e serviços externos ou no desenvolvimento de transações ou alienações".
Efetivamente, com a saída apressada do responsável da secretaria da Economia, o cardeal Pell,- forçado a voltar para a Austrália em decorrência das graves acusações de abuso em menores – ficou acéfala e paralisada toda a cúpula dos controles sobre a administração financeira do Vaticano. Não é uma situação sustentável. Por outro lado, também não é sustentável que permaneça sem provas e evidencias a profusão de acusações que o Vaticano derramou sobre o ex-auditor geral.
Milone não é um personagem qualquer. Ocupou posições de alto escalão em empresas e entidades de renome mundial como a Deloitte, Wind, Falck e Fiat. Foi levado ao Vaticano por uma empresa internacional de headhunters, a Studio Egon Zehnder.
A Santa Sé acusou publicamente Milone de ter "ilegalmente encarregado uma empresa externa para realizar atividades investigativas sobre a vida privada de expoentes da Santa Sé".
Alegações gravíssimas, mas que não podem permanecer genéricas. A opinião pública, que acompanha com alto grau de consenso as reformas de Francisco, tem o direito de saber quais são os cardeais espionados, porque seriam alvo de investigações e como se chama a empresa que teria realizado tais investigações ilegais.
Confrontada por acusações tão devastadoras, a opacidade acaba prejudicando a obra do pontífice, dando a impressão de que - como nos tempos do Vatileaks - existam no Vaticano forças isentas de controle que cometem ações ilegais. Ou, melhor, que se esforçam para encobri-las. Porque não faltam aqueles dentro do Palácio Apostólico que acreditem que Milone foi atingido porque queria "verificar demais” (como seu patrocinador, o Cardeal Pell). Em outras palavras, por ser excessivamente "zeloso".
Um membro da Cúria afirmou: "Se Francisco não fosse tão bem visto (...) se algumas coisas tivessem sido feitas pelo papa Bento já teria sido destroçado uma dezena de vezes". Palavras que corroem uma liderança. É por esta razão que o caso Milone não está encerrado. Pelo contrário, deveria ser esclarecido totalmente para saber a verdade.
Não vamos esquecer que a mera chegada de um auditor geral foi percebida por algumas forças no Vaticano como um evento tão alarmante que poucos meses depois de sua investidura desconhecidos invadiram o computador de Milone. Esses desconhecidos invasores eletrônicos, não foram certamente os anjos da transparência e da luz.
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Vaticano, os espinhos de Francisco / 1 - As sombras do caso Milone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU