21 Julho 2017
"É inaceitável o silêncio sobre o que está acontecendo no coração da África" escreve Alex Zanotelli, padre e missionário comboniano no Sudão e no Quênia, em artigo publicado por Trentino, 19-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desculpe-me se eu dirijo-me a vocês neste verão sufocante, mas é o crescente sofrimento dos pobres e marginalizados que me impele a fazê-lo. Para isso uso, como missionário, uma caneta (também pertenço a sua categoria) para expressar o clamor, um grito que encontra sempre menos espaço na mídia italiana. Na verdade, acho que a maioria dos nossos meios de comunicação, tanto em papel como televisivos, é tão provincial, tão superficial e tão bem integrada ao mercado global. Eu sei que os meios de comunicação, infelizmente, estão nas mãos de grupos econômicos e financeiros poderosos, pelo que, cada um de vocês, tem pouca chance de escrever o que gostaria.
Eu não estou pedindo atos heroicos, mas apenas o de tentar veicular algumas notícias todos os dias para ajudar o povo italiano a entender as tragédias que tantas pessoas estão sofrendo. Meu apelo é para vocês, jornalistas, para que tenham a coragem de romper o compromisso de silêncio da mídia que pesa sobre a África (infelizmente são poucas as exceções nesse campo!).
É inaceitável para mim o silêncio sobre a situação dramática no Sudão do Sul (o mais jovem estado africano), emaranhado em uma assombrosa guerra civil que já fez pelo menos três centenas de milhares de mortes e milhões de pessoas em fuga. É inaceitável o silêncio sobre o Sudão, governado por um regime ditatorial em guerra contra o povo nas montanhas de Kordofan, os Nubas, o povo mártir da África e contra os grupos étnicos de Darfur. É inaceitável o silêncio sobre a Somália, em guerra civil há mais de trinta anos, com milhões de refugiados internos e externos. É inaceitável o silêncio sobre a Eritreia, governada por um dos regimes mais opressivos do mundo, com centenas de milhares de jovens em fuga para a Europa. É inaceitável o silêncio sobre a África Central, que continua a ser dilacerada por uma guerra civil que parece nunca ter fim. É inaceitável o silêncio sobre a situação da zona do Sahel do Chade a Mali, onde poderosos grupos jihadistas poderiam constituir para si um novo Califado da África Negra. É inaceitável o silêncio sobre a situação caótica na Líbia, onde está em ato um confronto de todos contra todos, causado por aquela nossa maldita guerra contra Gaddafi. É inaceitável o silêncio sobre o que está acontecendo no coração da África. É inaceitável o silêncio especialmente sobre o Congo, de onde provêm nossos minerais mais valiosos. É inaceitável o silêncio sobre trinta milhões de pessoas em risco de fome na Etiópia, Somália, Sudão do Sul, norte do Quênia e ao redor do lago Chade, a pior crise alimentar dos últimos 50 anos, de acordo com a ONU. É inaceitável o silêncio sobre as alterações climáticas na África, que corre o risco de ter, até o final do século, três quartos de seu território inabitável. É inaceitável o silêncio sobre as vendas italianas de armas pesadas e leves para esses países que nada mais fazem que incrementar guerras cada vez mais acirradas das quais são obrigados a fugir milhões de prófugos (no ano passado a Itália exportou armas no valor de 14 bilhões de euros!!).
Não sabendo tudo isto, é claro que o povo italiano não pode entender por que tantas pessoas estão fugindo de suas terras, arriscando suas vidas, para chegar até seu País. Isso cria a paranoia da "invasão", astutamente alimentada também por partidos xenófobos. Isso força os governos europeus a tentar bloquear os migrantes provenientes do continente Africano com o Africa Compact, contratos feitos com governos africanos para bloquear os migrantes. Mas os desesperados da história ninguém vai parar. Essa não é uma questão emergencial, mas estrutural do sistema econômico-financeiro. A ONU já espera, em 2050, cerca de cinquenta milhões de refugiados climáticos só da África. E agora nossos políticos gritam: "Vamos ajudá-los em sua própria casa", depois de tê-los, durante séculos, saqueado e continuar a fazê-lo com uma política econômica que beneficia os nossos bancos e as nossas empresas, da Eni à Finmeccanica.
E, assim, nos encontramos com um Mare Nostrum que se tornou um Cimiterium Nostrum onde naufragaram dezenas de milhares de prófugos, e com eles também está naufragando a Europa, como pátria de direitos. Diante de tudo isso, não podemos permanecer em silêncio. Os nossos netos não irão dizer de nós o mesmo que agora falamos dos nazistas? Por isso eu lhes peço para quebrar esse silêncio da imprensa sobre a África, forçando os seus meios de comunicação a falar a respeito. Para conseguir isso, não seria possível uma carta assinada por milhares de vocês a ser enviada ao Comitê de Fiscalização da RAI e dos grandes periódicos nacionais? E se fosse justamente a Federação Nacional Italiana de Imprensa (FNSI) a fazer esse gesto? Não poderia ser isso um África Compact jornalístico, muito mais útil para o continente do que os vários Tratados assinados pelos governos para bloquear os migrantes? Não podemos permanecer em silêncio diante de outro Holocausto, que está se desenvolvendo diante de nossos olhos. Vamos todos nos empenhar para que se rompa esse maldito silêncio sobre a África.
Caro Alex, publico de bom grado o seu apelo. Porque é direcionado a todos, embora a sua mensagem faça um chamamento específico para a nossa categoria, e porque é verdadeiro: falamos muito pouco da África. Mas não é uma questão de liberdade. Por favor, não alimente estranhas suspeitas, ou pior, a ideia de que há conspirações. Eu e meus colegas continuamos a poder escrever o que queremos e o nosso editor de ontem, como o de hoje, considera sagrada a nossa liberdade. Também por isso a importância da publicação desse seu apelo. Tentamos sempre não sermos jamais superficiais ou provinciais, embora orgulhosamente locais, com um olho no que está acontecendo do lado de fora da porta de casa e com uma atenção semelhante ao que acontece longe daqui. Você pede que todos nos empenhemos e eu concordo plenamente.
Para você, um grande conhecedor da África da dor, da opressão, da violência e da pobreza, para não falar dos milhares de outros tráficos, ofereço uma página em branco aberta à sua intervenção quando quiser falar sobre os problemas que lhe importam. Também lhe peço para não generalizar: nem quando fala sobre nós, que todos os dias tentamos realizar da melhor maneira o nosso trabalho, nem quando fala de quem saqueia a África colocando na roda as nossas empresas ou os nossos bancos. Nessa época, como você justamente escreve, caro padre Alex, nesse seu enfático apelo, precisamos de tudo menos de superficialidade. Ajude-nos a entender, a aprofundar, e também a melhorar, não a misturar joio com trigo. Só assim, juntos, poderemos romper um dia o maldito silêncio sobre a África.
Alberto Faustini
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vamos romper o silêncio sobre a África. Artigo de Alex Zanotelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU