10 Junho 2017
“O caminho do desprendimento, a via mística da interioridade de agostiniana memória, seja a via mestra, via universal, "católica" no sentido original e etimológico da palavra, e, portanto, capaz de falar hoje como ontem à inteligência e ao coração; enquanto a remissão à exterioridade, à verdadeira ou suposta historicidade da "fé bíblica", pode parecer ao homem contemporâneo como uma fuga no particular, no irracional, no imaginário”, escreve Marco Vannini, em artigo publicado por Avvenire, 04-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O título do artigo de Giuseppe Lorizio Se o Lutero de Vannini torna-se um pretexto para criticar o Cristianismo ("Avvenire", 27 de maio), séria análise do meu recente texto Contra Lutero e o falso evangelho, apreende apenas parte da verdade. De fato, a crítica a Lutero é um pretexto, mas não para criticar o cristianismo, mas, no máximo, um cristianismo. Tentarei me explicar, em breve.
A crítica a Lutero é desenvolvida nos dois capítulos centrais do livro e articula-se em torno de uma tese, amadurecida no decurso de meio século de investigação sobre a mística alemã, antes e depois do Reformador: Lutero tinha recebido a doutrina fundamental da mística, ou seja, o desprendimento, a renúncia de si mesmo, do "eu" e do "meu", para que a luz eterna pudesse penetrar na alma e transformá-la.
Como demonstraram recentemente também os estudos de Pierre Hadot, na mística medieval conservava-se não só o âmago do ensinamento evangélico (cfr. Lc 9:23), mas também a inspiração da filosofia antiga, "exercício de morte", como Platão a chamava.
Essa mística, universal, experiência de "morte da alma" e renascimento espiritual, no entanto, transforma-se em Lutero em uma pretensão de verdade, uma pretensão de valor, de forma que aquela egoidade à qual havia se renunciado, volta mais forte e arrogante do que nunca - e então o desprendimento inverte-se em extremo apego ao ego.
Um exemplo que pode comprovar isso é que, enquanto Eckhart pensa que os filósofos antigos tenham recebido a mesma luz e verdade dos cristãos, para Lutero os pagãos estão todos condenados, como todos aqueles que não aceitam o "seu evangelho".
Veja bem: o "seu" evangelho, que não é evangelho justamente por ser "seu". Outra prova: Eckhart acredita que poderíamos prescindir da Escritura, porque temos a criatura, e "toda criatura está cheia de Deus e é um livro". Para Lutero, ao contrário, a Bíblia é necessária como apoio para a egoidade, e de fato a interpreta ad arbítrio, investindo contra Erasmo, o humanismo, a filologia, que leem os textos honestamente, segundo a razão e a verdade histórica.
Lutero é, portanto, o "pretexto" para combater a insistência sobre o ego, talvez sob a forma da "pessoa", que é ameaça constante do cristão, assim como aquele biblicismo, segundo o qual, por exemplo, um editor católico italiano coloca em venda a Bíblia como o "caminho, a verdade, a vida", aplicando às Escrituras o que Jesus disse sobre si mesmo.
O sentido do meu livro, portanto, pode ser entendido desde o início, nos dois primeiros capítulos, que tratam sobre o que seriam evangelho e fé. Evangelho é a "boa nova" da bênção ilimitada que recai sobre o homem pobre de espírito graças às bem-aventuranças (justamente!) evangélicas. Pobre de espírito é, segundo Eckhart, o homem que renunciou a si mesmo e, portanto, nada quer, nada tem, mas principalmente "nada sabe", e assim remove aquele pretenso conhecimento teológico sobre o qual se prende o seu ego. Em paralelo, a fé não é crença, que possa conferir um conhecimento acima daquele da humana ciência; não, a fé é desprendimento, que "tira toda ciência e todo pretenso saber", e conduz a alma ao "nada", à "noite", de modo que "saindo de si mesmo, o intelecto humano torna-se divino”. Quem fala assim, eu enfatizo, é o Doutor místico da Igreja, São João da Cruz.
Não é isso cristianismo? Eu creio o contrário. Penso que o caminho do desprendimento, a via mística da interioridade de agostiniana memória, seja a via mestra, via universal, "católica" no sentido original e etimológico da palavra, e, portanto, capaz de falar hoje como ontem à inteligência e ao coração; enquanto a remissão à exterioridade, à verdadeira ou suposta historicidade da "fé bíblica", pode parecer ao homem contemporâneo como uma fuga no particular, no irracional, no imaginário.
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A fecundidade de Lutero, inspirador de questionamentos. "A via mestra, hoje? A interioridade agostiniana". Artigo de Marco Vannini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU