23 Mai 2017
“Foi um discurso muito importante de Donald Trump em Riad. Para ele, que tenta convencer os estadunidenses e o seu eleitorado de que ele é um estadista credível, apesar de todos os escândalos que o enfraquecem. Mas especialmente para a casa reinante saudita, que hoje, mais do que nunca, precisa do apoio do velho aliado estadunidense para reconquistar legitimidade diante dos próprios cidadãos.” É assim que Gilles Kepel comenta as imagens que chegam de Riad. O famoso cientista político francês conhece bem a Arábia Saudita, onde, há muito tempo, ele colabora com vários institutos de pesquisa.
A reportagem é de Lorenzo Cremonesi, publicada no jornal Corriere della Sera, 22-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nesse domingo, falamos com ele por telefone, enquanto ele tinha acabado de chegar em Paris depois de 12 dias passados em Washington para uma série de encontros de alto nível na Casa Branca e no Departamento de Estado.
Os tons mais fortes do discurso dizem respeito à luta contra o terrorismo. São eficazes?
É claro, e dizem respeito a todos nós no mundo ocidental. Nós, europeus, estamos na vanguarda, precisamos da plena colaboração dos governos árabes para derrubar o extremismo jihadista também na nossa casa. Mas, neste momento, é justamente o jovem príncipe Mohammed bin Salman, ministro da Defesa e nomeado herdeiro do pai à frente do reino, que precisa mais do que nunca dos estadunidenses.
Em que sentido?
O país vive um desafio existencial. Deve se inovar, emancipar-se da tradicional estrutura econômica baseada no petróleo. Os novos sistemas de extração derivados do fracking diminuem inexoravelmente o preço do petróleo bruto, e os sauditas devem mudar o seu estado de bem-estar social. E eles têm um problema ainda mais grave. Até agora, a corrente de pensamento que legitimava o poder estava fundamentada na antiga ideologia wahabita, no extremismo islâmico religioso, que, nas suas formas mais fundamentalistas, leva à Al-Qaeda e ao ISIS. O príncipe Salman optou por modernizar o país, quer emancipá-lo de wahabitas e salafistas, em suma, do clero conservador islâmico. E, para fazer isso, para reconquistar legitimidade na laicidade moderna, ele precisa de sucessos econômicos alternativos. Ele deve demonstrar aos seus cidadãos que, com ele, o país pode mudar e, ao mesmo tempo, ficar de pé. Uma tarefa imensa, que precisa da plena colaboração estadunidense.
Trump escolhe o mundo sunita, do qual os sauditas gostariam de ser os porta-vozes: é uma medida contra o Irã xiita?
Por enquanto, sim. E é interessante que isso ocorra precisamente enquanto, em Teerã, as eleições são vencidas pelos moderados interessado no diálogo com o Ocidente. Para o governo Trump, acusado de conluios indevidos com a Rússia de Putin, aliada com o Irã, na Síria, é também uma forma de demonstrar que, ao contrário, ele busca políticas alternativas às de Moscou. No entanto, não faltam incógnitas, incluindo a de reforçar as alas extremistas do clero iraniano. Assim ocorreu depois dos atentados do 11 de setembro de 2001. Na época, Bush, no seu famoso discurso sobre o eixo do mal, associou o Irã aos países terroristas, enfraquecendo o moderado Khatami e fortalecendo o extremista Ahmadinejad, que, depois, substituiu-o na presidência em 2005. Assim, Trump, hoje, poderia enfraquecer Rouhani.
E então? Qual é a essência da atitude estadunidense em relação ao Irã?
Eu acabo de apurar nos meus encontros em Washington: os estadunidenses estão convencidos de que a economia iraniana está no fim. Segundo eles, o país estaria à beira da revolta. Um quarto da população está desempregada. Cresce a raiva sobre os bilhões gastos pelo regime na Síria e no Iraque em detrimento do bem-estar interno. Eles não podem se sustentar assim, não podem continuar financiando, desse modo, o regime de Assad e as milícias xiitas aliadas a eles no Iraque.
Mas Trump está pronto para romper com o Irã, para prejudicar o acordo contra a proliferação nuclear negociado por Obama?
Não, eu acho que não. Trump não quer ir tão longe. Mais simplesmente, ele acredita que pode usar em seu favor a extrema fraqueza econômica iraniana. Ele acha que, pressionados, até mesmo duramente, no fim, os iranianos estarão dispostos a se retratar das suas políticas regionais. O objetivo é o de reduzir o expansionismo iraniano, do modo como cresceu desde os tempos da invasão estadunidense do Iraque em 2003.
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"Desta vez, Trump fez bem: é preciso derrotar os extremistas." Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU