13 Janeiro 2017
Nenhuma equação entre migração e terrorismo, mas na Europa o aumento dos populismos e dos movimentos de extrema direita, especialmente na França e na Alemanha, é um fato, e os ataques terroristas não ajudam a parar o fenômeno. O principal objetivo da jihad de terceira geração é exatamente este: “Dividir a partir de dentro as sociedades europeias”, afirma Gilles Kepel, um dos maiores especialistas do mundo árabe na Europa que falou no V Fórum Católico-Ortodoxo Europeu, em Paris.
A reportagem é de M. Chiara Biagioni, publicada no sítio do Servizio Informazione Religiosa (SIR), 10-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Não, não há uma equação entre migração e terrorismo, porque nem todos os migrantes são terroristas, e nem todos os terroristas são migrantes. Mas a Europa está em apuros e não consegue garantir trabalho e acolhida a todos. Na França e na Alemanha, estão tendo cada vez mais sucesso os movimentos de extrema direita, mas gerar uma fratura, dividindo a partir de dentro as sociedades europeias, é o principal objetivo dos terroristas.” E as igrejas cristãs? “São um alvo do terrorismo. E isso é uma coisa que muda tudo.”
Essas são algumas das “diretrizes” que Gilles Kepel, islamista e um dos maiores especialistas no mundo árabe, ofereceu no dia 10 de janeiro passado aos bispos católicos e aos metropolitas ortodoxos reunidos em Paris para o V Fórum Católico-Ortodoxo Europeu sobre “A Europa diante da ameaça do terrorismo fundamentalista e o valor da pessoa e da liberdade religiosa”.
Eis a entrevista.
Professor, estamos diante de lobos solitários ou de uma estratégia planejada?
Não, não são lobos solitários. É uma estratégia reticular. Ao contrário da geração anterior da al-Qaeda, a jihad de terceira geração começa de baixo e não de cima. É um jihadismo que considera a Europa como seu alvo, como ponto fraco do Ocidente, e tenta utilizar uma parte da juventude muçulmana europeia, aquela parte não integrada nas sociedades europeias. O seu alvo é de dividir as sociedades europeias a partir de dentro. Por um lado, uma população muçulmana que eles querem reestruturar como comunidade fechada ao outro, que considera o outro como ímpio e como apóstata. Por outro lado, uma extrema direita em crescimento, uma direita xenófoba que considera os muçulmanos como não europeus. Esse, me parece, é o nosso principal perigo nas sociedades europeias. Não, eles não são lobos solitários, estão organizados de modo reticular, não há hierarquia. Eles funcionam através das redes sociais, das mensagens, do Facebook, do Twitter. Eles se movem sob o radar dos serviços secretos. Mas, ao mesmo tempo, não estão perfeitamente organizados e estruturados.
No dia 15 de janeiro, celebra-se o Dia Mundial das Migrações. Há equação entre migração e terrorismo?
Não, porque nem todos os migrantes são terroristas, e todos os terroristas não são migrantes. Mas eu acho que o problema é outro, ou seja, que estamos diante de dois desafios ao mesmo tempo. Temos o desafio da migração com milhares e milhares de pobres migrantes que fogem dos seus países, porque lá não há mais possibilidade de viver. Na Síria, por exemplo, por causa dos bombardeios, do colapso das casas, da violência. Mas, ao mesmo tempo, a Europa não tem mais capacidade de acolher esses migrantes, mesmo que eles pensem que essa possibilidade exista. Mesmo um país como a Alemanha, com o seu poder econômico e a sua política de educação para os migrantes, tem dificuldades terríveis. A própria chanceler Merkel tem problemas para a sua reeleição, porque a presença entre os migrantes de uma minoria de terroristas e criminosos provocou o crescimento de partidos de extrema direita.
A morte do padre Hamel, em Rouen, e, depois, os massacres de Nice e de Berlim: é normal que o medo cresça na Europa. Os populismos dão as suas respostas. Mas como realmente se vence o medo?
É uma pergunta difícil. Se soubéssemos a resposta, ganharíamos todas as eleições. A acolhida não pode ser feita se não houver a possibilidade econômica de trabalhar, e esse é um problema de verdade. Temos de resolver definitivamente a questão humanitária, isto é, salvar esses pobres migrantes que correm o risco de morrer no mar, mas, depois, quando chegam em terra firme, tentam chegar à Europa do Norte. Temos na França o problema de Calais. Então, eu acredito que parar a imigração no mar é uma necessidade humanitária. A outra é encontrar as possibilidades de trabalhar para esses migrantes. E esse é o esforço que a Alemanha está fazendo, mas os resultados não serão vistos antes de alguns anos. Nesse meio tempo, eu acho que a situação vai ser muito difícil, especialmente se aumentar o fenômeno do terrorismo. O atentado de Berlim, a partir desse ponto de vista, é um desafio importante.
Você foi um dos convidados de um Fórum aqui em Paris, no qual católicos e ortodoxos da Europa discutiram sobre o tema do terrorismo. Que papel as Igrejas cristãs podem desempenhar?
As Igrejas cristãs são um alvo do terrorismo. E isso é uma coisa que muda tudo. Eu acho que, na França, o assassinato do padre Hamel foi um trauma não só para os católicos, mas também para toda a sociedade. Assistimos àquilo que podemos definir como um sentimento de retorno de uma identidade cristã. De certa forma, um sinal disso também é a vitória de Fillon nas primárias da direita francesa. Há dois dias, Fillon se definiu como cristão, e é a primeira vez que um candidato à presidência francesa se sentiu no dever de fazer isso. Isso provavelmente muda a situação.
Criar pontes: é uma das prerrogativas do mundo ecumênico?
Sim, construir pontes é importante. Mas a ponte não é um objeto em si mesma. A ponte parte de um ponto para chegar a outro. É claro que a ponte permite o trânsito, não cair e morrer no rio, mas a questão é definir o ponto de chegada. Se a Igreja está pronta para ajudar os migrantes, é uma coisa bonita. Mas para ir aonde, a qual destino? Existe um problema de realidade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Não há nenhuma equação entre migração e terrorismo. Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU