19 Setembro 2016
“Se eu gosto da Dilma e do Lula?!?”, responde incrédulo o taxista José Narcélio da Silva, 48. O repórter, acostumado a ouvir impropérios contra os dois ex-presidentes petistas vindos dos colegas paulistas de Narcélio, se arrependeu momentaneamente de ter feito a pergunta. Mas estamos em Fortaleza: “Gosto muito dos dois! Eles fizeram muito pela gente aqui do Nordeste, por quem mais precisava. Em São Paulo falam do Lula como se fosse um bandido”, diz o taxista. O Ceará, assim como o Nordeste de maneira geral, tem apreço pelos mandatários petistas que governaram o país por 13 anos, um desafio para o recém-empossado presidente Michel Temer. Mais de 75% dos cearenses conferiram à ex-presidenta Dilma Rousseff seu voto no segundo turno das eleições de 2014.
A reportagem é de Gil Alessi, publicada por El País, 18-09-2016.
Na opinião de especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, os caminhos do sucesso ou fracasso do peemedebista entre a população nordestina passam pela manutenção ou não de uma série de programas sociais implementados por seus antecessores. A região passou por um "ciclo virtuoso" com o crescimento econômico na era Lula, as políticas desenvolvimentistas e de distribuição de renda. Agora, com Temer no poder de um Executivo com as contas no vermelho e o país mergulhado em uma grave crise econômica que começou ainda no Governo Dilma, a continuidade da bonança pode estar em xeque com os ajustes fiscais e a política de austeridade que estão na agenda do novo presidente.
“De uma certa forma o Temer já deu a ideia de como será o tratamento com o Nordeste quando, recentemente, disse aos governadores da região que não teria como dar mais recursos para combater a seca”, afirma Altemar da Costa Muniz, professor de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O Estado enfrenta em 2016 seu quinto ano consecutivo de seca. “Tudo indica que o Nordeste vai novamente voltar para aquela situação de falta de recurso. Vamos retroceder de forma infinita se essa política econômica de ajustes for aplicada”, afirma.
Em agosto o presidente, ainda interino, retirou dos governadores da região a autonomia sobre a execução de obras de combate à seca, e transferiu o controle dos recursos para o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), controlado por peemedebistas. Reportagem do jornal O Estado de São Paulo aponta que houve um aumento dos repasses a Estados governados pelo PMDB, como Sergipe e Alagoas. O Ceará, comandado pelo petista Camilo Santana, ficou de fora da partilha, o que é interpretado como um indicativo de que tempos difíceis estão no horizonte do Estado.
O cientista político Valmir Lopes, da Universidade Federal do Ceará, acredita que Temer pode se consagrar na região se conseguir concluir a obra de transposição do rio São Francisco. A iniciativa, que levará água para 390 cidades do semiárido brasileiro, começou a sair do papel em 2005. “O problema hídrico do Nordeste é uma pauta importante. Se ele concluir rapidamente essa obra, será um ganho para a região, e ele ganha capital político. Acho que essa seria a grande realização ao alcance dele aqui”, afirma. A transposição, que tem caminhado a passos lentos nos últimos anos, já está em fase avançada, e Temer sinalizou após assumir o cargo que irá priorizar recursos para obras que estejam próximas da conclusão.
Já Muniz não acredita que apenas a transposição basta “sem as outras ações que vinham sendo desenvolvidas no Estado”. Para ele, “nenhum programa social sozinho garante o apoio popular”. “Não vejo, por exemplo, o Bolsa Família isoladamente como solução. O processo de ascensão social ocorrido no Nordeste nos últimos anos dependeu de um conjunto de coisas, como o financiamento bancário”, diz. Ele cita a abertura de linhas de crédito durante os tempos de bonança econômica dos Governo petistas, o seguro safra (para agricultores que não conseguira colher devido à seca), entre outras medidas como sendo essenciais na região. Em um aceno aos beneficiários do Bolsa Família, em junho Temer reajustou o valor pago pelo programa acima da inflação.
Para Muniz, da UECE (Universidade Estadual do Ceará), era comum, já no primeiro ano da seca, o fenômeno dos retirantes “invadindo e saqueando cidades”. “E pela primeira vez na historia da região, com cinco anos de seca, não há um saque ou uma morte decorrentes dessa condição climática”, afirma. Na leitura do professor, esse fato mostra “a prioridade que os governos do PT deram à região”. Ele afirma que antes de Lula, a política de combate à seca no Estado “era basicamente a distribuição de água em carro pipa”. “Atrelado a isso havia a criação de frentes de serviço, que pagavam salário de miséria para que o trabalhador construísse açudes ou pequenas estradas. Era um recurso que não dava para nada”, afirma o professor.
O pedreiro Nicodemus Sales, 38, pernambucano radicado em Fortaleza, é um exemplo do impacto da política desenvolvimentista de Lula na região. “Antes do PT, qual pobre podia ter casa? Carro?”, pergunta. Indagado se ele votaria novamente no ex-presidente apesar das denúncias de corrupção envolvendo o petista, Sales sorri: “Por mais que ele tenha roubado ou feito algo errado, ninguém fez aqui o que ele fez”.
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No Ceará, Temer enfrentará a seca e população que PT colocou no mapa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU