25 Outubro 2018
Bartimeu no evangelho de Marcos pede para ver, vê, crê e caminha de olhos abertos no caminho da luz. Peçamos nós também para igualmente ver como Bartimeu. É de olhos abertos que conseguimos caminhar seguindo Cristo.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Les réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 30ª Domingo do Tempo Comum - ciclo B. A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Jer 1,7-9
2ª leitura: Heb 5,1-6
Evangelho: Mc 10,46-52
No evangelho de hoje, que é a continuação do domingo passado, estamos sempre no caminho a Jerusalém, lugar onde se vive o acontecimento fundador da fé cristã: a morte-ressurreição de Cristo. Estamos cada vez mais perto de Jerusalém. Jesus e seus discípulos fazem uma parada em Jericó, e aqui assistimos ao último milagre de Jesus no evangelho de Marcos: o milagre de um cego que recobre a vista ou, melhor, de um mau crente que se torna discípulo de Ressuscitado. Se o evangelista Marcos situa a sua narrativa sobre Bartimeu, o estrangeiro, imediatamente após a intervenção de Tiago e João, os discípulos mais próximos de Jesus, é porque ele quis dizer alguma coisa aos cristãos de sua comunidade e, pelo fato mesmo, a nós hoje que relemos o evangelho. Que mensagens podemos tirar?
Na fé cristã e na nossa vida de crentes, nunca devemos achar que já chegamos a Cristo nem devemos considerar uma aquisição a nossa pertença a ele, as nossas descobertas, os nossos conhecimentos, as nossas conversões, a nossa fé e a nossa esperança cristã. Para entender bem esta realidade, precisamos fazer um paralelo entre o evangelho de hoje, em que o cego Bartimeu pede por visão para seguir Cristo, e aquele da semana passada, no qual onde Tiago e João pedem os primeiros lugares no céu, para não caminhar mais e ficar sentados.
Estamos a caminho até Jerusalém. Jesus vai à frente, acompanhado de seus discípulos e seguido de uma grande multidão (Mc 10,46).
1.1. De repente, aparece alguém: um estrangeiro, um excluído, um mendigo cego, sentado na beira do caminho (Mc 10,46). Na semana passada, o texto de Marcos começava dizendo que dois discípulos, os mais próximos de Jesus, caminhavam com ele (Mc 10,35). Então, o excluído, o estrangeiro está sentado e não pode se mexer, enquanto que os dois discípulos estão de pé e podem caminhar.
1.2. Quando ficou sabendo pela multidão que era Jesus de Nazaré quem passava por ali, o cego começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” (Mc 10,47). São Marcos diz ainda que o cego insiste apesar do obstáculo daqueles que procuram fazê-lo calar (Mc 10,48). Na semana passada, Tiago e João diziam a Jesus: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos te pedir“ (Mc 10,35).
1.3. Nos dois casos Jesus intervém da mesma maneira. Para Bartimeu ele fala: “O que você quer que eu faça por você?” (Mc 10,51); aos dois discípulos, Tiago e João, Jesus lhes disse: “O que vocês querem que eu lhes conceda?” (Mc 10,36).
1.4. O cego respondeu: “Mestre (Rabuni, como Maria Madalena na manhã da Páscoa) eu quero ver de novo!” (Mc 10,51). Os discípulos pedem a Jesus um favor; eles querem ser vistos e reconhecidos: “Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda“ (Mc 10,37).
E aí há como uma inversão da situação nessas duas narrativas: no início, o mendigo cego está sentado, imóvel à beira do caminho. A sua grande fé lhe faz gritar, mesmo se a multidão quer que ele fique calado, porque ele grita muito. E quando é chamado por Cristo e encorajado por essa mesma multidão que queria que ele se calasse, ele abandona a sua única segurança, seu manto, pula e corre até aquele que lhe chama (Mc 10,50). Perante seu pedido, a sua cura é total: ele se torna discípulo. “’Pode ir, a sua fé curou você’. No mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho“ (Mc 10,52).
Em relação aos dois discípulos, eles estão de pé; eles caminham até o Mestre. Eles se acham, então, importantes. Eles assumem o caminho percorrido como se eles já tivessem chegado. Eles pedem para sentar-se. A resposta de Cristo é clara: “Vocês não sabem o que estão pedindo" (Mc 10,38). O que quer dizer: Vocês não entendem nada! E aí está a exclusão!: “Quando os outros dez discípulos ouviram isso, começaram a ficar com raiva de Tiago e João“ (Mc 10,41).
Hoje, precisamos ficar com três coisas destas narrativas para nós:
a) Ser discípulo de Cristo não dá nenhum privilégio, nenhum outro título honorífico que o de servidor e mesmo de escravo.
b) Um cristão jamais termina seu trajeto, mesmo se faz muito tempo que ele caminha e mesmo que seja discípulo. Também, ele não é mais cristão que aquele ou aquela que vem de conversão. Lembremos a parábola dos trabalhadores contratados na última hora, no evangelho de Mateus (Mt 20,1-6).
c) A fé nunca é adquirida: Bartimeu, o cego, se dirige primeiro ao Filho de Davi, isto é, a quem acreditava que era o libertador político do povo de Israel, do poder romano. Depois de ter recuperado a visão, logo, a fé, ele reconhece em Jesus não somente esse libertador político, mas também o Mestre, o Rabi, ou melhor ainda: o Rabuni de Maria Madalena, na madrugada da Páscoa (Jo 20,16). Tiago e João, formando parte dos Doze e crendo poder obter um privilégio, porque eles seguiram Cristo durante muito tempo, se tornam cegos por sua vez... Eles não entendem que a missão de Cristo é também a sua.
O teólogo francês Gérard Bessière escreve: “E nós? Não estamos frequentemente cegos, fechados em nós mesmos? Não deveríamos tirar os nossos mantos, as nossas seguranças, nos libertar das nossas proteções, nos lançarmos na escuridão até Jesus a fim de sermos iluminados logo pela sua luz?” Segundo o exegeta francês Jean Debruynne, dois caminhos nos são propostos neste evangelho: o caminho da confiança e o caminho da luz.
No início do relato, Bartimeu está sentado à beira do caminho. Ele foi colocado lá como um lixo. Sem dúvida que as pessoas já não o enxergavam. Mas parece que alguém, Cristo, confia nele, o chama; então tudo se torna possível! Jean Debruynne escreve: “É suficiente uma demonstração de confiança para que quem está sentado se levante, para que quem está abalado, humilhado, desprezado se coloque de pé”. E aí, já não é mais o cego que é rechaçado; trata-se da única proteção que lhe foi dada: seu manto. Isso significa que podemos nos libertar até do que sempre nos identificou e que devemos fazer caso queiramos avançar no caminho da confiança.
O outro caminho que nos abre este evangelho é o da luz. Como cristãos, como discípulos do Ressuscitado, nós não podemos pedir riqueza, bem-estar, recompensas... Nós podemos somente pedir para ver, isto é, crer. Jean Debruynne escreve: “Marcos nos indica assim que a fé não é um saber, mas um olhar para enxergar. Ver e crer no evangelho se torna um mesmo caminho”. Hoje, na nossa Igreja, quando nos recusamos a ver o mundo no qual vivemos, quando nos recusamos a acolher as realidades novas que são as nossas, quando excluímos pessoas, com a desculpa de que elas não correspondem às etiquetas que nós queremos lhes impor, será que não estamos cegos, nós também? Não estamos rechaçando o caminho da luz que nos é proposto por Cristo no evangelho de Marcos?
Bartimeu no evangelho de Marcos pede para ver, vê, crê e caminha de olhos abertos no caminho da luz. Peçamos nós também para igualmente ver como Bartimeu. É de olhos abertos que conseguimos caminhar seguindo Cristo. Jean Debruynne termina dizendo: “Abrir os olhos é já se colocar a caminho! Para ver Deus não feches os olhos, abre-os!”.
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Caminhar com os olhos abertos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU