31 Outubro 2018
Somente nesse fim de semana dois novos conflitos foram registrados no Mato Grosso do Sul e um em Pernambuco.
A informação é publicada por Cimi, 30-10-2018
Lideranças indígenas de diversas regiões do país pedem socorro. Os casos de violência contra os povos tradicionais cresceram em âmbito nacional nos últimos anos. Em clima eleitoral, as violências ganharam força em discursos de ódio e intolerância, praticados também pelo Presidente da República eleito neste domingo, dia 28 de outubro, Jair Bolsonaro. Durante o período de campanha eleitoral e também enquanto Deputado Federal, o candidato do PLS proferiu palavras de racismo, intolerância e incitou a violência contra indígenas e quilombolas. Intimidados, os povos indígenas temem que os ataques e morte registrados nas comunidades neste último mês, em específico nesse fim de semana (27/28), possam legitimar, de fato, o cenário de genocídio na próxima legislatura (2019-2022).
Somente em Mato Grosso do Sul – terceiro Estado mais letal do país para os povos indígenas, com 17 casos de assassinato, segundo dados do Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados 2017” -, foi palco de dois novos ataques no último fim de semana contra as comunidades indígenas Caarapó e Miranda.
Na madrugada de domingo para segunda (28/29) a única escola e o único posto de saúde de atendimento ao povo indígena Pakararu, na Comunidade indígena Bem Querer de Baixo, em Pernambuco, foram incendiados criminalmente. O que soma, ainda, ao caso de brutal assassinato de Davi Gavião da aldeia Rubiácea, na Terra Indígena Governador, no Maranhão, em 13 de outubro. O indígena foi morto com quatro tiros (três no tórax e um no pescoço). Suspeita-se que a morte foi encomendada de madeireiros de Amarante, município com forte preconceito com os povos indígenas.
Enterro do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, Reserva Te’ykue, Caarapó, MS (Foto: Cimi)
Esse quadro de violência denunciado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) há 21 anos por meio desse relatório de violência, consolida o aumento sistêmico e continuo dos casos de violência praticados contra esses povos. Somente no último ano, os tipos de violência identificados, passaram de 14 para 19, com destaque para a quantidade de registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos), mortalidade na infância (702 casos) e das violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas.
No domingo (28), aproximadamente uma hora após a apuração das urnas e pronunciamento do novo Presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PLS), 40 caminhonetes circularam várias vezes em comboio na região que faz divisa com a aldeia indígena Caarapó.
Segundo informações dos indígenas Guarani-Kaiowa, devido ao histórico de massacre praticado aos indígenas na região, a presença dessas camionetes representa claro sinal de intimidação e ameaça aos indígenas.
A região possui um histórico de violência contra os Guarani e Kaiowa. Em 2016, um ataque brutal de fazendeiros, conhecido como Massacre de Caarapó, resultou na morte do Agente de Saúde, Clodiodi de Souza e feriu gravemente outros cinco pessoas. Na época, uma carta assinada por 700 indígenas, denunciou a completa omissão do governo pelo crime e ao invés dos fazendeiros, as lideranças indígenas foram indiciadas criminalmente e ameaçadas por prisão.
O Massacre de Caarapó aconteceu em plena luz do dia. O indígena Clodiodi foi morto aos 26 anos, dia 14 de junho de 2016, baleado em um ataque na fazenda Yvu, dentro da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambai Pegua I, no município de Caarapó (MS) – cidade localizada a 273 km de Campo Grande. Segundo relatos de indígenas, o ataque aconteceu de forma intencional, que envolvia ameaças dos fazendeiros perante as forças de segurança o Estado, com tiros disparados em direção a regiões vitais do corpo dos indígenas, como cabeça, tórax e abdômen.
Nesse contexto, a comunidade indígena Caarapó enfrentou processos de reintegração de posse que ordenou o despejo das comunidades tradicionais Pindoroky, Nhamõe Guavyray e Guapoy Guasu, dos povos Guarani e Kaiowá. Situação, inclusive, repudiada pelo Conselho Continental da Nação Guarani – composta por lideranças Guarani e Kaiowá do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.
Diante da possibilidade um novo massacre, em março deste ano, o Conselho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA) voltou a manifestar repudiou em carta a “ação violenta do Estado Brasileiro, que insiste em não reconhecer os direitos originários sobre os territórios Guarani e Kaiowá”. O documento foi direcionado às autoridades brasileiras e comunidade internacional de Direitos Humanos, o documento responsabiliza o executivo e judiciário brasileiro por “por qualquer dano causado a vida de nosso Povo.
O cenário de violência na Comunidade indígena foi ainda mais grave, segundo lideranças indígenas da Aldeia indígena Passarinho, na Terra Indígena Pilad Rebua, em Miranda. Fazendeiros locais, explicam as lideranças, chegaram em quatro camionetes, logo após a divulgação do resultado das eleições presidenciais, encostaram os veículos na divisa da aldeia com a fazenda Garrote, soltaram fogos de artificio e em seguida começaram a atirar a direção dos indígenas.
Os indígenas explicam que a aldeia é dividida apenas por uma cerca de arame farpado e as armas letais foram direcionadas para os indígenas. Todos da aldeia presenciaram o ato e felizmente ninguém foi atingido. Os tiros representam intimidação.
De acordo com o povo indígena, os ataques fazem parte da própria história de vida da aldeia. Há registro, por exemplo de ataque de policiais da Polícia Estadual e da ROTAI à comunidade, em junho de 2008. Na presença de mulheres, crianças e idosos, os policiais foram jogadas bombas em direção às pessoas, atiraram com munição real na direção dos indígenas e nas casas que existem dentro da área indígena Aldeia Passarinho.
Os casos acontecidos no Mato Grosso do Sul somam, também, ao incêndio criminoso praticado à única escola e ao único posto de saúde de atendimento ao povo indígena Pakararu, na Comunidade indígena Bem Querer de Baixo, em Pernambuco. O ato de violência foi praticado exatamente após o resultado da eleição presidencial, na noite de domingo (28). O Posto de Saúde e a escola são municipais, geridos pelo município e cedidos para uso do povo Pankararu.
Registro da degradação da escola cedida pelo governo municipal ao povo indígena Pakararu (Foto: Ascom Mídia Ninja)
Os indígenas Pankararu informaram que foi registrado Boletim de Ocorrência e aguardam a perícia policial. O Município de Jatobá/PE ficou responsável por acionar a justiça. A política esteve no local, realizou o isolamento da área, mas as famílias posseiras já violaram os lacres instalados pela polícia.
A maior preocupação do povo Pakararu é que o incêndio criminoso foi a consolidação de uma ameaça apresentada pelas famílias posseiras aos indígenas há cerca de seis meses e agora cumprida. Após o incêndio, uma nova ameaça foi apresentada ao povo Pakararu, de envenenamento da água que abastece a Comunidade indígena Bem Querer de Baixo.
Em nota, o povo Pakararu se manifestou nesta segunda-feira (29) sobre o ocorrido: “Hoje nosso povo acorda com uma escola e um PSF destruídos pelo fogo do ódio, preconceito e da intolerância. A Escola São José e o PSF, prédios da Prefeitura de Jatobá, localizados na aldeia Bem Querer de Baixo, foram criminosamente incendiados tendo praticamente perda total da estrutura física, móveis, documentos, equipamentos… Pouca coisa se salvou”.
Registro do que sobrou do PSF de atendimento aos indígenas Pankararu (Foto: Ascom Mídia)
A comunidade Bem Querer de Baixo destacou, ainda, ser historicamente uma das principais áreas de conflitos entre indígenas e as famílias posseiras e onde recentemente tivemos ganho de causa pela reintegração de posse da nossa reserva. “Os maiores prejudicados são as crianças sem escola nas vésperas do fim do ano letivo, a comunidade sem o PSF onde eram realizados cerca de 500 atendimentos mensais e a nossa alma que é constantemente ferida, machucada… Mas jamais silenciada. Que se faça a devida investigação, que os culpados sejam punidos, que haja justiça!”
(Foto: Cimi Regional)
Além disso, a comunidade indígena também ressaltou, em nota publicada na página do Facebook “Povo Pakararu”, que o momento requer cautela e calma: “As investigações estão acontecendo, o local foi isolado pela polícia e breve teremos mais notícias. As lideranças irão se reunir em breve para tomar os devidos posicionamentos e traçar a melhor estratégia para reverter essa situação, mas saibam, contaremos com cada um de vocês que emanaram amor e solidariedade nesse dia. Breve mais notícias e como se dará a campanha para reconstrução da escola e da unidade de saúde. Desde já agradecemos todo o carinho que recebemos e contamos com cada um. Ninguém solta a mão de ninguém. Que a Força Encantada nos guie e nos proteja. Resistir!”
Há décadas os Pankararu lutam pelo usufruto exclusivo da Terra Indígena demarcada. É importante ressaltar que em setembro do ano passado, transitou em julgado no Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, com ganho de causa ao povo Pankararu e contra as famílias posseiras, acerca do direito à Terra Indígena. A partir daí o cenário de violência se agravou na região, com residência das famílias posseiras.
O povo Pankararu denunciou a caótica situação vivenciada pela comunidade na Comissão de Direitos da Assembleia Legislativa de Pernambuco, na Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, na unidade Ministério Público Federal em Serra Talhada, no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e na Justiça Federal, que responde pelo povo Pankararu.
No Maranhão, as comunidades indígenas passam por situação semelhante. Na madrugada de 13 de outubro, Davi Gavião da aldeia Rubiácea, Terra Indígena Governador, foi assassinado com quatro tiros (três no tórax e um no pescoço). De acordo com a liderança do povo indígena Gavião, a morte de Davi tem relação direta com as invasões de madeireiros de Amarante, município com forte preconceito com os povos indígenas.
Enterro do indígena Davi Gavião da aldeia Rubiácea, Terra Indígena Governador (Foto: Cimi)
A liderança indígena explica, também, que a Polícia Civil de São Luís está cuidando do caso e já identificou capsulas pistola na região ondem Davi Gavião foi assassinado. “Nós fizemos a denúncia da invasão da terra. Falamos com a Polícia Federal, com o Ministério Público mas nada foi feito. Os madeireiros estão matando os indígenas. O Davi estava na cidade e não tinha onde dormir, então ele decidiu pernoitar na praça do motofrete e lá mataram ele”, disse a liderança que preferiu não se identificar.
Existe um histórico de invasões de madeireiros na terra indígena. Em 2016, quatro indígenas Guajajara da região também foram assassinados no prazo de um mês – Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis Guajajara (na foto, à frente), todos da Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão. Com pouca fiscalização e sem sinal de investigação dos culpados, os indígenas Guajajara que vivem na área – já demarcada e habitada também por índios Awá isolados – sofrem com a constante pressão de madeireiros e temem por sua segurança.
No último ano, em específico, o governo Temer não homologou nenhuma terra indígena. Este fato o coloca como o presidente com o pior desempenho neste quesito. No ano passado, o Ministério da Justiça assinou apenas duas Portarias Declaratórias e a Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou seis terras como sendo de ocupação tradicional indígena.
Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas no Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta obrigação constitucional.
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Conjuntura política acentua violência contra os povos indígenas no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU