29 Outubro 2018
O extenso documento final, que fecha essa fase sinodal apresenta-se, obviamente, como uma grande síntese dos trabalhos, pontuado por uma cadência em três partes modeladas no episódio evangélico dos "dois de Emaús". Aqui eu gostaria de examinar seu conteúdo, limitando-me a dois temas, não tão centrais, mas muito significativos. Parece-me que no exame dos dois argumentos tão diferentes - como o da "liturgia" e o da "mulher" - emergem do texto algumas tensões objetivas, que aparecem entre o momento da escuta e o momento da "retomada final". A escuta invoca uma tomada de responsabilidade e de autoridade, que a retomada parece, por um lado, confirmar e, por outro, excluir. Gostaria de apoiar essa impressão com alguns dados textuais, e farei isso me referindo aos dois temas em que sinto que posso fazer algumas observações menos improvisadas.
O comentário é de Andrea Grillo, publicado por blog Come se non, 28-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dedicados à liturgia, encontramos, além de outras referências passageiras, dois números: 51 e 134. O primeiro está na "primeira parte", dedicada à escuta; enquanto o segundo está na "terceira parte". Impressiona muito que o primeiro número seja substancialmente linear e bem estruturado, enquanto o segundo parece tortuoso, travado e atravessado por tensões não resolvidas.
O n. 51 (intitulado O desejo de uma liturgia viva), começa com a afirmação de um pedido de "liturgia fresca, autêntica e alegre" que venha dos jovens, e que é solicitação de oração e de sacramentos - confirmando indiretamente algum esforço, talvez não só dos jovens, para conceber o sacramento também como oração. São destacadas três atitudes diferentes entre os jovens sobre a liturgia. Por um lado, há aqueles que reconhecem nela uma mediação fundamental da própria identidade de fé. Por outro lado, há quem veja a missa dominical "mais como preceito moral do que como um encontro feliz com o Senhor Ressuscitado e com a comunidade". Por fim, é dito, em geral, que a iniciação aos sacramentos tem dificuldade para introduzir uma maior profundidade, "para entrar na riqueza mistérica de seus símbolos e seus ritos".
Como responde o n. 134 a essas belas provocações? Com palavras que são certamente o fruto de um compreensível compromisso, mas que permanecem amplamente abaixo do teor das perguntas. Sob o título A centralidade da liturgia (e é curioso que se use "centro" e não "cume e fonte") é retomado o papel da celebração eucarística em relação à fé e à Igreja, é reiterada a importância das celebrações belas e de nobre simplicidade, e é defendida a valorização da ministerialidade, mas quando se chega aos auspícios, o texto parece confuso e sem orientação.
São afirmadas três coisas:
- a participação ativa é favorecida, "mas mantendo viva a admiração pelo Mistério". Aqui há uma clara involução em comparação com n. 51. A escuta parece mais clara que a resposta. Desde quando a maravilha pelo Mistério é diferente da participação ativa? Talvez o Sínodo, com toda a sua autoridade, tenha se limitado a usar um conceito meramente funcional de "actuosa participatio" e não aquele entendido pelo Sacrosanctum Concilium? Se para o Concílio Vaticano II a "participação ativa" é o caminho "mistérico" para ter inteligência da Eucaristia, podem, talvez, nossos bispos encorajar os jovens a "fomentar a participação, mas também o Mistério"? Aqui é introduzida uma confusão bastante grave, quando ao contrário o n. 51 falava de maneira muito pertinente e elegante de "riqueza mistérica de seus símbolos e seus ritos". Lá justamente mantinha-se unido o que aqui tende a ser oposto.
- Tendo introduzido essa lacuna entre o "mistério" e "participação", resulta como consequência que arte e música não devam ser "por si", mas serem parte das "ações de Cristo e da Igreja". Mais uma vez aqui, sem poder negar as possíveis recaídas autorreferenciais do musical o do artístico, era preciso dizer melhor, e com mais coragem, que o "mistério" não é apenas "outro" em relação à música e à arte, mas que essas são sua "mediação originária". Caso contrário, será ainda fácil ter acesso ao mistério de Cristo e da Igreja, independentemente de música e arte...
- Finalmente, como última consequência dessa "lacuna" introduzida pela resposta, mas ausente na pergunta, era inevitável que se chegaria a isto: se for separado o Mistério da participação ativa, pode se considerar altamente recomendável investir com os jovens sobre "adoração eucarística", que assume, nessa maneira de pensar a liturgia, uma função até mesmo prioritária, como sintonia imediata, contemplativa e silenciosa com o Mistério, sendo este distinto desde o início da participação ativa. Aqui, em minha opinião, as respostas episcopais parecem permanecer bastante abaixo das perguntas dos jovens. Isso deve ser considerado, de alguma forma, um resultado muito significativo do Sínodo.
Vamos passar à mulher. Também nesse caso, se eu li corretamente, parece-me que as referências da primeira e terceira partes sejam vistosamente diferentes. Os números que tratam do problema feminino são o n. 13, o n. 55 e n. 148. Também nesse caso os dois primeiros números parecem bem planejados e bastante homogêneos, enquanto o terceiro é atravessado por uma tensão muito forte, quase como se não conseguisse administrar a pergunta resultante da escuta. Vou apresentá-las na ordem.
O n. 13, intitulado Homens e mulheres (que vem significativamente depois do número 12, que tem o título Exclusão e marginalização), usa tons fortes e cortantes. Começa com a "diferença entre homem e mulher", que pode gerar "formas de dominação, exclusão e discriminação das quais todas as sociedades e a própria Igreja precisam se libertar". A igualdade entre homens e mulheres diante de Deus significa que "toda dominação e discriminação baseada no sexo ofende a dignidade humana". A diferença entre homem e mulher é "irredutível a estereótipos".
N. 55 intitula-se As mulheres na Igreja e apresenta as expectativas dos jovens: em primeiro lugar, é necessário "reconhecimento e valorização das mulheres na sociedade e na Igreja". Constata-se a dificuldade de atribuir autoridade às mulheres, a dar-lhes espaço nos processos de tomada de decisão. A ausência de voz e de um olhar da mulher empobrece o debate e o caminho da Igreja. E a questão termina com estas palavras: "O Sínodo recomenda fazer com que todos se tornem mais conscientes da urgência de uma inevitável mudança, inclusive a partir de uma reflexão antropológica e teológica sobre a reciprocidade entre homens e mulheres."
Finalmente, o texto do n. 134, intitulado As mulheres na Igreja sinodal. Começa com uma comparação forçada: a Igreja sinodal "não poderá deixar" (um circunlóquio para não dizer "deve") de refletir sobre a condição e o papel das mulheres "dentro de si mesma e, consequentemente, na sociedade." Inversão curiosa do "sinal dos tempos" de João XXIII na Pacem in terris, onde é a sociedade a mostrar à Igreja uma novidade inevitável. No entanto, esse limite de abordagem não impede reconhecer abertamente a necessidade de uma "corajosa conversão cultural e de mudança na prática pastoral cotidiana". Isso implica um obrigatório envolvimento da mulher nos órgãos institucionais, inclusive com funções de direção, e assim também nos processos de tomada de decisão, mas com uma delimitação que é explicada de forma muito clara, dizendo que "no respeito do papel do ministério ordenado". Uma série de questões candentes surge de imediato: pode o "respeito pela mulher" ser compatível com esse "respeito pelo ministério ordenado"? Se "respeito" implica uma exterioridade estrutural da mulher ao ministério ordenado, onde está a coragem de uma "conversão pastoral"? A quem delegam os bispos a "mudança inevitável"? Pode-se invocar a "coragem" para garantir que tudo permaneça exatamente como antes? Que papel é reconhecido ao discernimento antropológico e teológico sobre a reciprocidade entre masculino e feminino invocado no n. 55?
O texto termina com uma importante ênfase no “dever de justiça" que a Igreja deve reconhecer às mulheres, tanto com base na prática de Jesus para com as mulheres, como com base em figuras femininas de destaque do texto bíblico, da história da salvação e da história da Igreja.
O Sínodo, em seu Documento final, parece trabalhar em uma hipótese de "não-autorreferencialidade" bastante original. Ele se despoja da autoridade e a remete, diretamente, para baixo de si e para acima de si. Por um lado, parece "colocar na boca dos jovens" uma série de instâncias que se tornam prioridades eclesiais objetivas. Por outro lado, remete a outras instâncias (superiores? posteriores? escatológicas?) uma palavra de autoridade que assuma a novidade como projeto e que saia da embaraçosa "lista de boas intenções".
Como eu tentei salientar - com todo o benefício de inventário de uma leitura inevitavelmente rápida e superficial – sobre esses dois temas que em alguns aspectos são opostos – como o clássico tema litúrgico e o novo tema da "mulher na Igreja" - o procedimento parece semelhante: de um lado, uma escuta franca e direta das questões, que permite uma sua preciosa documentação oficial; mas depois uma elaboração desgastada, pesada, abafada pelas perguntas, que por si não chega a qualquer projeto, se não à confirmação do que já existe e ao desejo, claro, mas absolutamente não determinado, no sentido de uma perspectiva diferente. Em conclusão, pergunto-me: a "não autorreferencialidade" pode ser apenas um "puro remeter a outro"?
Talvez sobre outros temas, possamos ler textos muito mais claros e mais decisivos. Mas a impressão é que, muito do que aconteceu há três anos no Sínodo sobre a família, todo espaço de real determinação foi confiado, ao mesmo tempo, ao povo de Deus (jovem e menos jovem que seja) e ao Bispo de Roma (que sabe muito bem que precisa permanecer jovem ex officio).
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Documento final do Sínodo 2018ː primeiros detalhes sobre liturgia e mulher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU