10 Setembro 2018
Os migrantes venezuelanos recebem o apoio de seus irmãos brasileiros. Destaca-se como exemplo de solidariedade uma paróquia que distribui diariamente mais de 1.500 refeições.
A reportagem é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 06-09-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
O Papa Francisco constantemente faz um apelo por uma Igreja samaritana, que cura as feridas daqueles que mais sofrem. Podemos dizer que a Igreja de Roraima está tornando realidade esse desejo do bispo de Roma, realizando um trabalho, através das pastorais, organismos, paróquias e áreas missionárias, que permite atenuar, de certo modo, o sofrimento dos imigrantes venezuelanos.
Só na capital do estado de Roraima, Boa Vista, estima-se que há cerca de trinta mil venezuelanos, o que supõe quase que 10% da população total. Destes, cerca de seis mil se encontram nos albergues geridos pelo governo federal, sendo os únicos reconhecidos nos números oficiais, uns vinte mil se amontoam em peças alugadas a preços abusivos, e pelo menos três mil perambulam pelas ruas e dormem nos diferentes parques e praças da cidade, em meio a uma tensão que aumenta a cada dia, incentivada por discursos políticos xenófobos, que neste tempo de campanha política para as eleições de outubro garantem um alto número de votos.
Entre os organismos e pastorais eclesiais, cabe destacar o trabalho do Centro de Migração e Direitos Humanos - CMDH, coordenado pela diocese, o Instituto de Migrações e Direitos Humanos - IMDH, sob a coordenação das irmãs scalabrinianas, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados – SJMR, e a Pastoral da Criança, do Migrante e Caritas.
Uma das grandes dificuldades que os venezuelanos estão encontrando está na hora de obter os documentos que lhes permitam ficar no país para poder trabalhar. Até semana passada eram atendidas somente 40 pessoas por dia na Polícia Federal para emitir documentos, número que aumentou para 80 nos últimos dias, mas que ainda é insuficiente para as mais de 500 pessoas que se calculam que chegam diariamente na cidade de Boa Vista.
Campo de imigrantes venezuelanos em Roraima (Foto: Religión Digital)
Como reconhece Ronildo Rodrigues, representante do escritório do IMDH em Roraima, tenta-se acompanhar os trâmites que permitam oferecer saúde e escola para as crianças, destacando o alto número de crianças desnutridas, aspecto também destacado pela irmã Telma Lage, do CMDH, sobretudo indígenas warao. Outro problema é a presença de adolescentes e jovens sozinhos e sem documentos nas ruas da cidade, o que favorece as diversas formas de exploração e impossibilita que encontrem trabalho formal.
Do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, onde também funciona a Fundação Fé e Alegria, que acompanha diariamente 120 crianças imigrantes, o Padre Agnaldo Junior afirma que é necessário um primeiro trabalho de escuta, aconselhamento e erradicação dos mitos que acompanham os imigrantes e que criam um clima de medo entre eles. Depois desse primeiro momento, no SJMR estão sendo realizados diversos cursos de garçom, vigilante, manicure e português, entre outros, que possam favorecer a inserção no mercado de trabalho.
Nesse sentido, os jesuítas fazem um trabalho de intermediação entre empresários de todo Brasil e os imigrantes que precisam de emprego, ajudando na elaboração de currículos ou entrevistas via Skype, sempre com quem tem permissão de trabalho para evitar a exploração, uma prática muito comum no estado de Roraima, onde muitos se aproveitam da necessidade alheia, chegando a pagar um pouco mais de dois euros por um dia de trabalho, ou simplesmente um prato de comida. Recentemente o ex-coordenador do escritório do SJMR foi ameaçado de morte por seu trabalho com os imigrantes e teve que abandonar a cidade.
Também aparecem, todos os dias, mais casos de venezuelanos querendo voltar para a Venezuela diante de situações de sofrimento extremo, mães com filhos pequenos que passam meses vivendo na rua por falta de lugar nos albergues, ou gente que vive arrendada e não consegue praticamente nada para comer. Aqueles que vivem na rua, a cada dia têm mais medo da reação da população local, pois a tensão cresce a cada dia, chegando ao extremo de ter medo de falar espanhol na rua. Muitos deles se juntam em barracas improvisadas nas proximidades dos albergues, em condições degradantes, e à espera de uma vaga, que dificilmente aparece.
Campo de imigrantes venezuelanos em Roraima (Foto: Foto: Religión Digital)
A Pastoral do Migrante, formada por umas dez pessoas, começou nos últimos meses um trabalho mais aprofundado diante da avalanche de imigrantes. A irmã Valdiza Carvalho, insiste na necessidade de um trabalho de formação dentro das próprias comunidades católicas, onde não são todos que têm uma atitude de acolhida para com os imigrantes e também existe xenofobia. É importante saber acolher o irmão que chega.
A religiosa scalabriniana afirma que existe um trabalho em conjunto com a Polícia Federal e o Exército para facilitar as licenças de trabalho, especialmente com os imigrantes que vivem fora da capital e que muitas vezes têm que percorrer longas distâncias para chegar, o que, por outro lado, suporia um alto custo. Por outro lado, estão realizando, em parceria com diferentes instituições, cursos de português, o que facilita o processo de integração dos imigrantes. Também destaca as celebrações da Eucaristia em espanhol que estão sendo realizadas em algumas paróquias e comunidades.
O trabalho da Caritas está mais relacionado com o processo de interiorização no país, em conjunto com outras Caritas de diferentes dioceses e o apoio da Caritas brasileira, dos Estados Unidos e da Caritas Internacional. Este processo de interiorização se desenvolve em três eixos: o primeiro é um contato com a Igreja da Venezuela; o segundo é o envio de imigrantes para diferentes pontos do Brasil, onde são acolhidos e acompanhados pelas Caritas diocesanas; e o terceiro é a geração de renda no próprio estado de Roraima. Até agora já foram enviadas mais de cem pessoas com recursos da própria diocese, uma tarefa que se fez necessária devido à excessiva burocracia desse projeto de interiorização desenvolvido pelo governo brasileiro e que tem como objetivo principal contemplar a população mais vulnerável de Roraima.
Imigrantes venezuelanos em Boa Vista, Roraima (Foto: Religión Digital)
Outro problema que se aponta na Caritas é o das mulheres com crianças pequenas pedindo esmola nas ruas. Está sendo feito um trabalho de aproximação para favorecer um diálogo que torne possível a busca de alternativas. Nesse sentido, se reconhece que um dos principais problemas que os imigrantes sofrem é a falta de informação. Junto com isso, sobretudo das comunidades da Igreja católica, é necessário que se realize um trabalho de aproximação, que crie vínculos e ajude a formar uma integração mais rápida da população imigrante.
Estes são somente alguns exemplos dos muitos trabalhos realizados pela Igreja de Roraima, muitos deles emergenciais, como o da Paróquia Nossa Senhora da Consolação, que diariamente distribui mais de 1.500 refeições e outras tantas comidas. Não podemos esquecer a presença e o ânimo constante neste louvável trabalho feito por tanta gente: sacerdotes, religiosas e leigos, muitas vezes voluntários, do Monsenhor Mario Antonio da Silva, que não hesita em colocar a Igreja local a serviço de quem é tão rejeitado, mostrando que a Igreja deve e tem que ser misericordiosa, samaritana e curadora das feridas daqueles que mais sofrem. Sem dúvida, um exemplo a ser seguido neste tempo em que o Sínodo da Amazônia nos convida a buscar novos caminhos para a Igreja.
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Diocese de Roraima: uma Igreja samaritana a serviço dos imigrantes venezuelanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU