14 Junho 2018
“Nós ainda sabemos chorar? A surpresa que suscita essa pergunta já é, em si, um indicador do progressivo desaparecimento da presença dessa ação eminentemente humana em nossa vida cotidiana. Hoje choramos pouco, as lágrimas se tornaram mais raras”, é o questionamento de Enzo Bianchi, monge italiano, em artigo publicado na revista Jesus, junho de 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, “se uma pessoa não sabe chorar, também não sabe rir: é uma pessoa cujo pudor transformou-se em aridez, tornando seu coração calejado, doente de esclerocardia”.
Conta-se que as pérolas nascem da dor: quando um grão de areia transportado pelas ondas penetra em uma concha de ostra, esta sente uma picada e para se livrar da dor, chora, segrega uma lágrima que envolve gradualmente o grão de areia até que não seja mais ofensivo. Somente ostras que conhecem o sofrimento infligido pelo grão de areia choram e criam as pérolas, brilhantes, lisas e redondas.
Mas, e nós, ainda sabemos chorar? A surpresa que suscita essa pergunta já é, em si, um indicador do progressivo desaparecimento da presença dessa ação eminentemente humana em nossa vida cotidiana. Hoje choramos pouco, as lágrimas se tornaram mais raras. Claro, existem lágrimas e lágrimas: "lágrimas vazias", até mesmo falsas lágrimas, lágrimas fingidas, "lágrimas de crocodilo"... A própria linguagem que as lágrimas transmitem pode ser deturpada: todos sabemos quantos adultos se aproveitam das lágrimas – a eterna linguagem infantil para pedir comida, chamar a atenção ou expressar uma dor - para conseguir alguma coisa, para arrancar um benefício, para enganar um sentimento...
As pesquisas históricas atestam séculos ou épocas em que se chorava muito, e disso são testemunhas a literatura, a música, a pintura, a piedade popular e a espiritualidade. Hoje, no entanto, choramos pouco e não gostamos que nos vejam em lágrimas, aliás, muitas vezes na dor e no sofrimento temos os olhos secos: olhos secos nas situações carregadas de dor, olhos secos, por que acostumados a ver o sofrimento humano, olhos secos por termos medo de mostrar nossas lágrimas, como se essa situação fosse um sinal de nossa fragilidade, de nossa indignidade. A desconfiança em relação às lágrimas, afinal, é antiga: os filósofos gregos, por exemplo, diziam que as lágrimas são um sinal de fraqueza, são as mulheres que choram. Platão lembra que o próprio Sócrates era crítico quanto às lágrimas de seus amigos que assistiam ao seu suicídio com a cicuta em conformidade com a lei: somente Fédon chorava! Da mesma forma, no mundo latino, Marco Aurélio, imperador sábio, sugere a apatia, a ataraxia como uma virtude capaz de vencer a tentação do choro.
Mas as lágrimas são o sinal de sentimentos humanos precisos, sentimentos que os seres humanos vivem, sentimentos a serem levados a sério, que precisam ser expressos materialmente, visivelmente.
Caso contrário, o que seria da unidade da pessoa? Se uma pessoa não sabe chorar, também não sabe rir: é uma pessoa cujo pudor transformou-se em aridez, tornando seu coração calejado, doente de esclerocardia. Maurice Bellet, recentemente falecido, denunciava a situação que prevalece hoje, apresentando-a como marcada por um sintoma distintivo: "uma anestesia geral", que aparece sob a forma da indiferença, do hábito de ver o espetáculo do mal. Vamos falar a verdade: hoje é mais fácil ver as pessoas chorando em um drama de televisão apelativo, que ver alguém chorando na frente do mal concreto, real, porque o mal é evitado, turvado, removido, tanto quanto possível da vida cotidiana.
Temos que constatar - sem, no entanto, acabar por condenar de maneira moralista a atual sociedade - a prevalência da dominante utilitarista, pela qual o bem e o mal são reduzidos a bem-estar e a mal-estar! Todo prazer é um bem, toda dor e fadiga são um mal. Como resultado, está ocorrendo uma busca obsessiva pelo prazer, pelo máximo bem-estar possível. Isso requer manter longe tudo o que, de fato, ameaça o nosso bem-estar, não ver o sofrimento, remover tudo o que pode nos fazer chorar.
Roland Barthes, em seus Fragmentos, em um discurso amoroso se perguntava: "Quem escreverá a história das lágrimas? Em que sociedades, em que épocas se chorava? Desde quando os homens pararam de chorar? O que aconteceu com a sensibilidade?"
É um premente apelo a permanecer atentos às lágrimas, aprender a discerni-las, entender o que elas querem expressar quando saem dos olhos de pessoas que sofrem; quando escorrem pelas bochechas das crianças; quando aparecem lentas nos rostos inexpressivos de idosos afetados pela demência senil. Mas acima de tudo, aprendamos a chorar com aqueles que choram e nos alegrarmos com aqueles que se alegram (cf. Rm 12.15, 1 Cor 12:26). Então as lágrimas farão em nós o seu trabalho, como as lágrimas da ostra: nos doarão uma pérola preciosa!
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Lágrimas como pérolas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU