29 Janeiro 2018
Pelo interfone, a voz feminina convida a entrar. A casa é ampla, vista de fora; de dentro, é elegante, bonita, aconchegante e serena, com algo familiar, os tapetes coloridos sob os móveis respeitáveis, o piso de cimento queimado vermelho que brilha apesar da meia-luz. Um dos raros projetos residenciais do artista plástico e arquiteto Sérgio Ferro, dirá depois o anfitrião, que habita o local há mais de 50 anos.
O homem se entremostra pela primeira vez. É pequenino, magro, de tez clara, a calva alongada, os olhos escuros vívidos, a camisa azul-clara com um quadriculado sutil branco. "O senhor está muito bem", um elogio à forma do homem hoje octogenário. "Eu vou bem, o Brasil é que não vai", comenta, ajeitando-se na poltrona colocada à frente do banco onde me assento, à esquerda da escrivaninha onde ele escreveu boa parte dos seus livros, alguns já consagrados na historiografia brasileira, como "História do Brasil" e "O Poder e o Sorriso", perfil do ex-presidente Getulio Vargas.
"Eu estou bem, mas os 87 anos estão bem aqui", acrescenta, assumindo o "peso" da vida longeva.
A entrevista é de Guilherme Azevedo, publicada por Portal Uol, 27-01-2018.
Na conversa transcrita a seguir, Boris Fausto reexamina a situação política brasileira ("não vivemos numa democracia plena nem consolidada"), fatos cruciais recentes, como o impeachment de Dilma Rousseff (PT), cuja consequência, para ele, foi a abertura da famosa caixa de Pandora, aquela que simbolicamente significou a libertação de todos os males de um povo, naquele caso, dos gregos antigos.
Boris Fausto diz acreditar na força restauradora que a eleição direta de um novo presidente, em outubro deste ano, vai ter para o país, trazendo de volta a legitimidade perdida com a troca do comando presidencial e a posse de Michel Temer (PMDB).
O historiador ainda analisa o PSDB, partido com o qual assume vínculo afetivo, e não o poupa de críticas pela perda da "fisionomia" original.
Eu vim aqui para a gente conversar um pouco sobre o Brasil de hoje, o ano de 2018, que é um ano de virada...
Misterioso, não é?
Misterioso?
O mistério claro está na corrida eleitoral, sobretudo. Nunca antes na história desse país se tem uma incerteza tão grande.
Essa incerteza vem do fato de Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, do PT] poder concorrer ou não [por decisão da Justiça]? Do fato de tudo estar ainda meio aberto, sem candidatos definidos?
Vem realmente de coisa mais profunda. Vem de uma crise dos partidos, portanto, de uma crise de representação, de um descontentamento e descrença muito grandes da população. Um cenário com essas marcas é um cenário novo. Agora, tem aí os elementos, os candidatos que querem ser, mas talvez não sejam, como é o caso do Lula. De gente que está à espera de que isso se fragmente, para entrar na corrida. Mas, daqui a alguns meses, ao menos algumas candidaturas ficam um pouco mais claras. Quanto o processo eleitoral influirá nos rumos da política econômica? Vai perturbar os pequenos ganhos, mas que são claros, da política econômica? Também não sabemos, porque não sabemos em que grau haverá a disputa política. De tal forma que você está fazendo entrevista com alguém só com perguntas [devido à indefinição do cenário, sem respostas].
O senhor acredita que o Brasil viva uma democracia plena e consolidada?
Não vivemos numa democracia plena nem consolidada. Quando se fala numa democracia plena, se imagina muitas vezes uma democracia perfeita e isso não existe em lugar nenhum. E a democracia plena e consolidada não existe aqui por muitas razões e uma das principais é a desigualdade social, que leva a um desinteresse crescente pelas coisas políticas. Mas mais ainda que a desigualdade social, diria um desencanto pelas experiências eleitorais. A democracia não se reduz a isso.
Num país realmente democrático, é preciso ter instituições na sociedade que sejam sólidas, e o Brasil não tem isso, ou tem isso muito embrionariamente. O que acontece é que as repetidas eleições, as decepções com nomes, partidos, sobretudo o fenômeno da corrupção que foi colocado à vista de todo mundo, levem ao descrédito da democracia. Se existem tantos escândalos, podem pensar, é porque a democracia não funciona. E de fato a daqui está cheia de problemas, como está a de todos os lugares democráticos do mundo ocidental.
O senhor poderia falar um pouco sobre a crise de representatividade apontada e a democracia sob suspeita, com risco de rupturas?
A representatividade, no campo político, geralmente se faz por meio dos partidos. Na história brasileira pós-1945, se tem uma ascensão relativa dos partidos, certa definição ideológica dos grandes partidos e um grau de representatividade maior do que o de hoje.
Se pegar um partido como o PTB [Partido Trabalhista Brasileiro], de 1945 até a dissolução dos partidos no começo do regime militar [em outubro de 1965, com a edição do Ato Institucional 2], se verá que esse partido tinha certa linha ideológica. Mais: tinha uma composição social relativamente definida e homogênea. O PTB era um partido que pretendia representar trabalhadores, tinha uma massa de trabalhadores e de classe média, muito ligado à figura histórica do getulismo [Getúlio Vargas]. Mas o que é o PTB hoje? É um aglomerado de pessoas sem nenhuma consistência e definição ideológica ou mesmo alguma definição do que seja de interesse nacional. É uma gente que está em busca de benefícios próprios.
Esse descrédito com os partidos, com o sistema eleitoral enseja alguma tentação autoritária?
Enseja. A não ser que o quadro brasileiro se agrave ainda mais do ponto de vista social, de confrontação social, de desmoralização, eu não acho que estejamos correndo o risco, vamos falar claro, de um golpe militar de forma clássica, como ocorreu no passado. Nada indica isso.
Considerando-se que a democracia se encontra em crise, a tentação de um regime autoritário, até eleito, é forte. E não é um acaso que Bolsonaro [o deputado federal Jair Bolsonaro, PSC-RJ, e pré-candidato à Presidência] tenha o índice de possível eleitorado que ele tem [Bolsonaro está na segunda posição da corrida presidencial, segundo o Datafolha, atrás apenas de Lula]. Bolsonaro é uma figura absolutamente secundária e despreparada para governar, uma espécie de Trump tropical que nunca teve peso maior e, depois de anos muito apagados na política, desponta como uma provável [candidatura forte].
Eu diria: Golpe? Não acredito. Tentação autoritária? Presente. No Brasil, essa tentação de implantar um governo autoritário vem desde 1930. E temos dois grandes momentos de regimes autoritários [no país]: 1) a ditadura do Estado Novo [de 1937 a 1945, com Getúlio], que é uma ditadura essencialmente civil, embora com a bênção dos militares; e 2) o regime civil-militar, com contribuição civil mas cada vez mais militar [com o passar dos anos], que é o regime de 1964 a 1985.
Foram os dois grandes períodos de exceção e repressão no Brasil?
Se quiser, diria que são os dois períodos de regra, para fazer um pouco de humor negro [risos].
Essa crise entre os Poderes que observamos recentemente, o STF [Supremo Tribunal Federal] determina uma coisa, o Congresso não cumpre, o Executivo determina um ministro, o STF barra, enfim, essa confusão entre os Poderes é outro capítulo dessa crise da democracia?
É outro capítulo. Aí também, se a gente olhar o passado, não encontra situação desse tipo. Existe uma contínua desmoralização do Poder Legislativo na história brasileira da República. Quando se fala em males da República, há uma concentração de críticas ao Legislativo, mas o Executivo não é poupado também, claro. Agora, é difícil falar de independência de Poderes no Brasil, [pois] sempre houve peso muito grande do Executivo.
Aqui o grau de perda de autoridade, de legitimidade governamental do Executivo, no caso mais concreto do [Michel] Temer [PMDB] nesse momento, quer dizer, no caso dele nunca teve legitimidade, isso e outros fatores conduzem a uma invasão de competências como a gente nunca viu na história do Brasil. Essa história da moça que tem o nome do Brasil, a Cristiane, é uma história absolutamente incrível [escolhida por Temer para assumir o Ministério do Trabalho, Cristiane, PTB-RJ, filha do delator do chamado mensalão, Roberto Jefferson, está com a posse suspensa pela Justiça].
Eu não tenho a mais remota simpatia por ela, para deixar claro, mas, no caso concreto, se pergunta como é possível um membro do Poder Judiciário barrar a nomeação de uma pessoa para o cargo de ministro do Poder Executivo. Isso é uma lição de direito inconstitucional.
Mas por que aconteceu a chamada judicialização da política? O Congresso obviamente nunca cumpriu suas funções, é o poder mais desmoralizado da República. E o Judiciário teve muitas vezes que preencher lacunas e legislar em assuntos que deveriam ser afetos ao Legislativo, mas que não são tocados ou não entram na pauta, ficam dentro de uma gaveta, porque não interessam [a muitos dos congressistas].
O impeachment da Dilma foi uma ruptura?
[Pausa] O episódio evidentemente é muito importante, a saída de uma presidente da República, mas a interpretação desse episódio, que tem coisas que vão muito além da operação contábil [as chamadas pedaladas fiscais], ainda vai demorar um tempo, porque precisa se aquietar.
Com essa ressalva, o que eu acho: naquela situação, apesar das enormes decepções que vieram depois do impeachment da Dilma, nós estávamos vivendo um quadro de tal descontrole sobretudo no aspecto econômico e financeiro, uma tal incapacidade da presidente de lidar com os outros Poderes, estávamos à beira de uma situação muito catastrófica... Nesse sentido, de uma forma muito pragmática, ainda acho que o impeachment... Dizer que ele foi positivo é um pouco forte, mas que o impeachment se tornou algo imperioso, do qual não se podia fugir, a menos que se entrasse numa situação muito grande de desentendimentos e comprometimento da área econômica e financeira do país. O que veio depois é que introduz mais problemas.
O impeachment parece uma caixa de Pandora imensa?
Imensa. Eu e muita gente que conheço não prevíamos essa coisa. Como a gente não é dogmática, eu pelo menos não sou, acho que a caixa de Pandora precisa ser examinada para a gente entender um pouco mais o que aconteceu. Certamente o impeachment da Dilma foi votado por gente de má qualidade, sempre com as honrosas exceções, mas por gente de má categoria como parlamentar. E tendo em vista um interesse principal: a crença de que a [Operação] Lava Jato iria morrer.
[A Lava Jato] Está correndo perigos, mas não morreu. Nesse sentido, o pós-impeachment é muito desmoralizador. A caixa de Pandora é terrível e não se vê onde vai parar. Não se sabe quem vai ser candidato e outras tantas coisas. Eu, pessoalmente, fico contando: quanto tempo falta para eleger um presidente? Quanto tempo falta para ter um presidente legítimo nesse país?
O PMDB começa como MDB, com a aglutinação de forças contra a ditadura, de oposição, e depois, com a redemocratização, outros partidos surgem, e o PMDB sempre esteve ali, no poder. De onde vem essa força dele?
O PMDB, ou MDB [nome novamente proposto por lideranças de hoje do partido], esse nome é uma volta ao passado, tem uma história tão interessante quanto lamentável. Porque, quando começou, tinha enorme prestígio, eu vivi esse tempo. Era o partido de combate à ditadura. Com fraquezas, dificuldades, temores, é verdade, mas aglutinava todas as forças de oposição. Abrigava o Diabo e a Virgem Santíssima juntos [risos]. Com a redemocratização, tudo mudou. As coisas se definiram e, mais do que outros partidos, o PMDB se transformou numa grande frente com interesses regionais, pessoais, com uma indefinição política no sentido do pensamento político estruturado, sempre guardadas as exceções. Mas de onde vem essa força? Essa força vem exatamente da fraqueza do PMDB. No sentido de que ele não se compromete ideologicamente, a rigor, não é de esquerda, não é de centro, nem é de direita.
A outra força é que, embora sem conformação política e ideológica, o PMDB soube se articular lá embaixo. Solidifica-se esse PMDB da raiz, da base, da prefeitura, das pequenas coisas, barganhas e depois vai subindo, vai subindo, vai subindo e tomando cada vez mais a característica de uma sociedade ilegal, de compadres, de alto a baixo. Mas uma coisa interessante, atenção: ele controla o Congresso, mas nunca elegeu um presidente [da República].
O fato de Temer estar na Presidência agora e ter exercido com grande talento a chamada canetada... [liberação de verbas para garantir apoio]
Indiscutível, não é? Acho que ele tem uma caneta daquelas Parker 51, já viu? É uma das antigas, que todo mundo, quando recebia um grande presente, ganhava uma Parker 51. Quando a pessoa se formava, terminava alguma coisa, os pais davam uma caneta como essa. E eu acho que o Temer tem várias Parkers 51 [risos].
Então, esse poder quase irresistível do presidencialismo brasileiro, da figura do presidente de poder distribuir verbas, propor inclusive emendas ou decretos, torna o PMDB forte para as eleições, mais nos grotões, nos Estados, os deputados?
Aparentemente, não houve tempo, nenhuma transformação tão grande que faça com que tenhamos representações muito novas. Mas é muito possível que o PMDB se mantenha no nível de representação física. Uma coisa é absolutamente clara: a desmoralização dos partidos, inclusive do PMDB, a irritação da população, o que vai se traduzir, pelo menos para a representação parlamentar, numa abstenção [eleitoral] muito grande. Até porque as pessoas perceberam que dá para se justificar e não votar.
Como a história vai registrar o mandato de Temer, especificamente?
Como a história vai ver? Quem sou eu para saber, nós que estamos vivos? A história é sempre uma referência ao passado, mesmo que seja um passado recente. Temer revelou uma grande capacidade no uso da caneta para fins de se assegurar no poder. Só não vê quem não quer ver. Também mostrou grande influência no Congresso, até por más razões. Brecou tudo no Congresso [as duas denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria-Geral da República].
Tentando observar o conjunto maior, acho que vai se ver como um período em que aconteceram coisas inesperadas, lamentáveis e ao mesmo tempo, poderia dizer, uma época esquizofrênica. Esquizofrênica porque se tem no plano político, dos princípios, da moralidade, um quadro absolutamente desolador. Existia antes? Existia, mas foi bom que tudo isso explodiu agora. A atitude de quem se comprometeu com desvios, corrupção etc. é absolutamente negativa para o país, mas não vejo ninguém, a não ser quem tenha a vantagem da delação premiada, que bata no peito e diga: "É, de fato, eu errei". Tem ou a figura que mais ou menos se livra pela delação premiada ou aquela que vai negar tudo até o fim. Aquela história do batom na cueca, vai dizer não, não, não. O sentimento de vergonha não existe.
Por outro lado, você tem uma equipe econômica séria, que tem sofrido pressões de todo jeito e bem conduzido o país. Quem pode negar que não são ganhos a queda da inflação e o corte dos juros? Só que [o efeito] ainda não chegou à população. Se a consequência disso chegasse, diria que até o PMDB teria chances nessa eleição.
Podemos falar especificamente agora sobre o PSDB? Muitos falam: "O Boris Fausto é tucano". É verdade?
É crime, isso? [risos] Se é crime, eu digo não... [risos] Sou realmente muito ligado a um grupo do PSDB, que é o grupo que tem como figura principal o Fernando Henrique [ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o país entre 1995 e 2003]. É mais do que um grupo, é uma tendência no interior do PSDB e que, junto com o Mário Covas, com Montoro [Franco Montoro] e outros líderes, resolveu romper com o PMDB, por razões óbvias, e fundar o PSDB [em 1988]. Eu nunca tive ficha [de filiação]. Naquela época acompanhei muito as atividades do PSDB e escrevi sempre procurando ressaltar os lados positivos, que são muitos, dos dois governos Fernando Henrique.
Como aconteceu com pessoas em outros partidos até em escala maior, por várias razões, com o tempo fui me desencantando com o PSDB. O partido foi perdendo a fisionomia, tem gente de todo tipo, extremamente conservadora, reacionária no plano dos costumes, gente que acha que se resolve o problema da segurança à bala.
Isso, ao lado de pessoas democráticas, respeitáveis, com uma carreira política séria. Enfim, [o PSDB] se transformou num conglomerado que já tem muito pouco a ver com o que foi aquele partido fundado lá atrás pelas pessoas que citei.
Temo que o PSDB perdeu um grande contingente eleitoral que se decepcionou muito com as atitudes de zigue-zague de seus candidatos, que fizeram um jogo de ora se opor ao governo, ora tentar algum tipo de composição, mas sempre de forma muito indefinida e pouco clara do que deve fazer um partido de oposição. Acrescente-se a isso casos de corrupção, não no nível de um PT ou PMDB ou outros partidos cujas siglas a gente até esquece, mas casos comprometedores ou pelo menos suspeitas ancoradas supostamente em fatos, o que já tinge de cores duvidosas um partido. Hoje não sou do PSDB, mas não posso dizer que sou contra. Se você quer uma resposta direta, no quadro atual eu voto no Alckmin [Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e pré-candidato tucano a presidente]. Ele está preparado.
Eu já vi o senhor fazer críticas à capacidade de o PSDB ser oposição.
O PSDB não teve a capacidade de viver a situação de partido opositor. Ser partido opositor é sempre uma possibilidade, virtualidade, é oposição porque tem vistas a alcançar o poder. O PSDB nunca se definiu nesse sentido. É um grande erro, deficiência muito séria, diante da grande classe média que o país hoje tem.
Por exemplo, se a gente percorrer a carreira do Aécio [Aécio Neves, senador por Minas Gerais e candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014, contra Dilma Rousseff], independentemente de acusações, ele saía evidentemente das urnas com uma votação muito expressiva e não teve perfil nem qualidades para se comportar como verdadeiro líder de oposição. E deu no que deu [acusações de corrupção, flagrado pela Lava Jato recebendo R$ 2 milhões do grupo J&F e alvo de inquéritos da Polícia Federal e processos no STF].
Foi uma surpresa?
[Pausa] Totalmente, não, porque nunca se viu no Aécio uma liderança com a consistência de outros líderes do PSDB. Sob esse aspecto, não foi uma surpresa. Agora, que a sua atuação, sua não atuação, seus arranjos fossem dar nessa falta de qualidade, para ser amável, é surpresa, pelo menos para mim pessoalmente. O Aécio me parece um dos nomes politicamente mais prejudicados e contestados daqui para a frente.
E o Alckmin?
Todo mundo sabe, o Alckmin não é brilhante, não é um estadista, mas tem certas qualidades que deveriam ser triviais, mas no quadro brasileiro não são. É um homem simples, que não ambiciona grandezas, tem larga experiência e, nesse quadro tão conturbado em que vivemos, pode ser nome interessante. E tudo se mede pelo comparativo e ele é melhor do que os outros. Quando digo que o acho melhor, não quero dizer que as chances dele sejam enormes, pelo contrário, vai ter muitas dificuldades.
Hoje, ao meu ver, está claro que é preciso fazer uma aglutinação de centro, um centro com qualidades. Mas isso é muito difícil, porque tem as pretensões individuais que se multiplicam. Sobretudo com as pessoas que ocupam o poder, com cargos, que são tomadas por esse tipo de encantamento. Não vivem a vida comum dos mortais.
O senhor já afirmou que Getúlio Vargas era estadista e Lula não seria. Por quê?
Uma coisa que define o estadista é alguém que tem um projeto para o país e se empenha por esse projeto na medida do possível e acredita numa coisa chamada interesse nacional, que está muito desmoralizada e ainda existe. O Lula não acredita no interesse nacional, acredita no interesse político dele, menos o material e mais o político. Ele não tem percepção, um plano de como mudar o país. Se quiser, ele é uma força da natureza, um furacão em certos períodos. O que não tira o mérito dele como estrategista político, como percepção do jogo, da malandragem política, nisso ele ganha de todos esses políticos medíocres que estão por aí, mas ganha longe, longe. Não fosse isso, não estaria na posição em que está, [pois] é incrível que tenha a [intenção de] votação que ainda tem depois de todos os escândalos, da condenação [a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em decisão de segunda instância no caso do tríplex em Guarujá (SP)] etc. etc.
Qual é sua avaliação dos procedimentos da Lava Jato? Muitos se queixam de cerceamento da defesa, do uso ilimitado das prisões preventivas.
Para mim, a avaliação é extremamente positiva, com alguns exageros inevitáveis. O resto é introdução de razões políticas e profissionais para condenar uma iniciativa como nunca houve no Brasil.
Se a gente buscasse um fio condutor na história política e social do Brasil, poderia encontrar alguma coisa que puxasse do início ao fim, que permanecesse?
As maiores permanências são esses legados que, mesmo transformados, permanecem. Se repetem sempre, até se tornaram lugares-comuns, patrimonialismo, compadrio, nepotismo, tendência à contravenção e certa facilidade de admiti-la, isso é um fio histórico. E tem uma coisa que é importante, do ponto de vista social, racial: a não resolução do problema da escravidão e da forma como se "resolveu" a questão da população negra. Isso também é um legado que persiste. Podemos parar agora?
Cansou, não é? Faltou alguma coisa? Gostaria de deixar uma mensagem?
Ainda está em tempo de dizer: feliz Ano-Novo [risos].
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"Não vivemos numa democracia plena nem consolidada", diz o historiador Boris Fausto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU