22 Agosto 2017
Verão de 2014. Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da Donald Trump recém afastado do cargo, mantinha uma conferência via skype no Vaticano com os membros e os convidados da Dignititatis Humanae Institute, liderada pelo cardeal Leo Burke e da qual também participava outro signatário dos famosos Dubia sobre a exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, o cardeal Brandmüller.
A reportagem é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano e escritor, publicada por Reset, 21-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que disse naquela ocasião Bannon? Basicamente, ele afirmou que estávamos em guerra, em guerra contra o Islã, e que para vencer seria necessária uma Santa Aliança, que também se alicerçasse sobre o que ele chamava de cleptocracia de Vladimir Putin. Considerando que uma guerra contra um bilhão e quinhentos milhões de pessoas não é nada fácil de ser vencida, o convite parecia lógico.
Mas temos certeza de que a situação é exatamente esta? E se houvesse, ao contrário, uma ameaça que o terrorismo lança contra a identidade religiosa do cristianismo (o europeu, mas não só este) do Terceiro Milênio? É uma coincidência que, justamente ontem, o Papa Francisco tenha deixado bem claro o seu ‘sim’ ao jus soli e jus culturae.
Vamos analisar melhor.
O que vemos são terroristas que viajam de avião, que usam cartões de crédito, que passam anos na prisão, mas principalmente são terroristas que agem com seus irmãos de sangue, com terroristas como eles. São os irmãos Khouachi que agiram em Paris, os irmãos Hichami em Barcelona. Terroristas todos de segunda geração, a partir de seu fundador, o extremista francês Kaled Khelkal, que atuou em 1995. A carteira de identidade do terrorista suicida exclui imigrantes de primeira geração, bem como de terceira geração. Essa geração de assassinos é filha de uma "cultura", abraça uma causa. Qual causa? Eu afirmo que a causa deles é um novo radicalismo niilista, que se islamiza porque a bandeira preta do EI é a única já pronta e a disposição e, principalmente, porque é bem conhecida e temida, pronta para ser carregada e hasteada, "contra", no mundo todo.
Os novos demônios, a respeito dos quais parece que inutilmente nos alertou Dostoievski são niilistas, niilistas que "odeiam", segundo uma rígida escala psicológica, os seus pais, que deixaram países que eles não conhecem, mas que, aos olhos de muitos, os identificam, e foram viver em países onde eles não sabem quem ser. Não são cidadãos dos países de origem dos seus pais, mas não adquiriram a cultura daqueles onde seus pais se sentiram acolhidos. Aliás, eles se sentem excluídos desses países, odeiam esses países, os conhecem através das lentes deformantes de pequenos grupos envolvidos em roubos, drogas, violência, nos quais transitam. E assim eles querem se destacar em uma coisa ao menos: em odiar, saber odiar mais do que os outros. É o mundo virtual, internet, web, que lhes oferece outro ódio, o ódio final, que lhe permitirá encontrar um significado para as suas vidas.
Porque viver sem um sentido é ainda mais difícil do que morrer.
E assim, o seu novo radicalismo niilista espera encontrar na morte, na sua morte, a arma capaz de matar o nosso amor pela vida, uma vida que eles odeiam. Os especialistas poderão se esforçar para entender se eles a odeiam porque gostariam de participar dela, ou se a odeiam porque são excluídos, marginalizados, isolados em guetos, ou porque atormentados por complexos de raiva por causa do que acontece no Oriente Médio. O fato, enorme e estarrecedor, é que eles são os novos niilistas, os novos demônios, e nós nos recusamos a dizê-lo, a compreendê-lo, a reconhecê-lo. Por quê?
Em minha opinião, por um gigantesco motivo. Esse motivo é político. O terrorismo que entra de forma tão devastadora em nossas vidas deve ser lido politicamente. Torna-se um fator decisivo, eleitoralmente. A leitura mais simples aponta para as ideologias "anti-imperialistas" ou "identitárias", baseadas no chamamento para conceitos simples; são os muçulmanos que querem destruir a nossa pátria, portanto devemos expulsar os muçulmanos das "nossas" pátrias. Esse termo “nossas" começa com a exclusão dos filhos dos migrantes nascidos nos nossos países, e não por acaso o Papa Francisco identificou isso e o destacou ao se pronunciar abertamente, justamente agora, sobre o jus soli e jus culturae. Porque ele sabe que começa assim e prossegue excluindo os muçulmanos, mas não só eles, também "os ciganos", "os negros", e para muitos, "os judeus". Portanto, é o ódio religioso, étnico, racial o produto do terrorismo, e a América de hoje explica isso melhor do que outros países: o que aconteceu com Charlottesville foi "um pouco subestimado", em virtude do valor de 'guia' que os Estados Unidos continuam a ter para todo o Ocidente. E aqui entra em cena um segundo elemento, dramático: a transformação do cristianismo pelas mãos dos terroristas em ação na Europa.
Os nossos terroristas agem em contextos secularizados, em sociedades que abandonaram a religião, a mística, a própria prática. Eles vivem os nossos contextos de capitalismo hedonista que muitas vezes vira as costas para as cidades locais em favor da cidade global, transformando a cidade local em um receptáculo para a ineficiência, o crime, a miséria, e permitindo que a cidade global assuma o lugar da diversão, das cadeias globais, das tendências globais, dos entretenimentos globais e, dessa forma, dos negócios globais. Mas justamente eles, os terroristas, nos permitem, a nós descristianizados, secularizados, ‘consumistizados’, de nos definir como "cristãos", portanto de cristianizar a nossa sociedade consumista, hedonista, individualista, sem que nos questionemos sobre a relação entre a nossa fé, os nossos valores e as tendências da nossa realidade. O nosso sistema, público ou de valores, descristianizado, torna-se, para nós, o verdadeiro cristianismo. O terrorismo, portanto, de forma concreta, assume a Europa descristianizada como identidade do novo cristianismo, do cristianismo como uma religião secular. Se no passado, pensou-se em re-cristianizar a Europa a partir do topo, a escolha de Bergoglio foi e continua sendo a de uma re-cristianização a partir da base, a partir do encontro, eu diria até de uma inculturação do cristianismo no tecido social e de valores dessa Europa dos dias de hoje. Seu pontificado tende a reavivar as raízes cristãs em uma re-evangelização a partir da base, colocando o Evangelho na vida e não pedindo aos chefes de Estado ou de governo para colocá-lo nas constituições. O terrorismo, ao contrário, acaba objetivamente fazendo dos descristianizados e dos descristianizantes os novos cristãos, pelo simples fato de que se consideram como tais: a sua, como todas as religiões laicas, não precisa de fé em um Deus transcendente, pessoal, Criador e Redentor, na verdade, nega esse Deus, mas indica igualmente um caminho, uma via para a salvação do homem, dando origem a um sistema de dogmas, de crenças terrenas, mundanas. O seu paraíso pode ser também consumista, avassalador, especulador, predador, porque esse paraíso é "nosso".
Aqui estamos diante do desafio da nossa época: revelar a face do novo terrorismo, tirar o seu manto negro do pretenso califa e ver seu rosto niilista, antirreligioso, poderá servir não apenas para salvar a vida juntos, o cosmopolitismo, a civilização mediterrânea, mas também para salvar o cristianismo. Esta ofensiva poderia de fato descristianizar o cristianismo.
Claramente, tudo isso está enraizado no nosso confronto através de caminhos aparentemente incompatíveis entre si, por serem parte da extrema esquerda e parte da extrema direita, mas mira conquistar o estômago das nossas sociedades. Existe, portanto, um projeto propagandístico muito forte, um projeto capaz de tocar as cordas mais profundas. Podemos procurá-lo a partir da identificação do rosto a que os autores desse projeto entregam a tutela da nossa civilização, do nosso estilo de vida, dos nossos valores. Considerando que a questão do EI afunda as suas leituras na tragédia síria, essa pesquisa deve olhar para aquele país, para a Síria. E assim, a resposta torna-se clara.
Os autores desse projeto propagandístico atribuem a defesa dos nossos valores para Assad. Fica assim claro como o projeto propagandístico captura a extrema direita e a extrema esquerda porque torna, de maneira paranoica, mas, infelizmente, eficaz, Israel e a CIA os aliados dos terroristas, contra Assad. E assim Assad, culpado dos crimes contra a humanidade mais graves desde o fim da Segunda Guerra Mundial, torna-se o símbolo do bem. Ele teria lutado contra o EI (na realidade, deliberadamente o favoreceu justamente para possibilitar que seus partidários nos dissessem que nos defenderiam do novo terrorismo). Ele teria salvado o cristianismo na Síria (na realidade, ele o destruiu reduzindo-o de 20% nos tempos em que a dinastia dos Assad chegou ao poder para 9% em 2010). O seu regime seria "laico", embora conheça muito bem a religião laica tendo feito do imperador (ou seja, de Assad) um deus, o símbolo de um poder que sabe como esconder qualquer crime, por trás do novo totem, "a luta contra o terrorismo".
Os inimigos de quem quer proteger o cristianismo desses desvios são, portanto, muito mais fortes, disseminados e perigosos de quanto se possa pensar. E o desafio que enfrenta o Papa Francisco parece realmente imenso. Tanto é assim que seu pronunciamento sobre o jus soli pode ser interpretado como um desafio para os terroristas (não conquistarão os filhos de suas comunidades), e todos aqueles que, em resposta a seu ódio, querem nos induzir a odiar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bergoglio ou descristianização do cristianismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU