22 Julho 2017
“As ferramentas tecnológicas podem servir para destruir completamente o planeta ou para nos proporcionar um futuro melhor. Dado que o uso destas ferramentas virá imposto, em grande medida, pelo critério moral que esteja presente na sociedade já globalizada, é imprescindível que o progresso tecnológico seja acompanhado por um progresso espiritual e moral que promova o respeito ao meio ambiente, a paz e a solidariedade. Só assim poderemos assegurar nossa sobrevivência como espécie e garantir que esta sobrevivência seja digna. Em minha opinião, uma degradação radical e generalizada das condições de vida da humanidade pode chegar a ser algo tão nefasto como a extinção da espécie humana, ou inclusive pior”, escreve o astrônomo Rafael Bachiller, diretor do Observatório Astronômico Nacional (Espanha), em artigo publicado por El Mundo, 20-07-2017. A tradução é do Cepat.
A humanidade se encontra, hoje, em uma encruzilhada diante dos numerosos desafios aos quais enfrenta: o crescimento galopante da população, que cada vez requer mais recursos de um planeta que conta com reservas limitadas, megalópoles colossais, que são cada vez mais difíceis de administrar, mudança climática, contaminação generalizada, etc. É que desde a revolução industrial, o ser humano vem modificando o mundo de maneira muitíssimo mais acelerada do que em toda a sua história anterior.
Para o ano 2050, a população mundial terá ultrapassado os 9 bilhões de habitantes, isto significa 30% a mais do que a atual. A explosão demográfica ocorrerá principalmente nos países em desenvolvimento: por exemplo, estima-se que 25% da população mundial estará, então, concentrada na África. O aumento do número de habitantes, do nível de vida e da esperança de vida farão com que as necessidades alimentares cresçam consideravelmente. Estima-se necessário que, para o horizonte 2050, multipliquemos por um fator de dois as quilocalorias que se consomem hoje no mundo. Isso supõe duplicar a produção agrícola. Em particular, será necessário aumentar fortemente o cultivo de cereais para alimentar o rebanho requerido pelo aumento no consumo de alimentos de origem animal.
Quase não há dúvida de que a superpopulação do planeta provocará graves crises alimentares, pois o crescimento econômico que é preciso para este enorme aumento na produção não está garantido. Muitas vezes, evoca-se que as guerras e as epidemias poderiam ser a solução radical aos problemas alimentares originados pela superpopulação, mas seria muito preferível que sejamos capazes de desenvolver métodos agrícolas mais sustentáveis e eficazes, ainda que estes resultem mais custosos, pelas técnicas sofisticadas que requererão, e ainda que tenhamos que recorrer muitos mais aos produtos modificados geneticamente.
No ano 2050, a população será muito mais urbana: estima-se que 70% da humanidade viverão em cidades (frente a 50% que já vivem hoje) e, progressivamente, serão criadas mais e mais megalópoles com mais de 20 milhões de habitantes. Os colossais desafios apresentados por tais urbes conduzem a arquitetos, engenheiros e urbanistas a desenvolver novos conceitos de cidade. O conceito de uma smart city, ou cidade inteligente, que utilize mais e melhor tanto a água como as energias renováveis parece muito promissor. São muito interessantes as iniciativas empreendidas na Índia para o desenvolvimento de cidades inteligentes e a emergência de certas atividades empresariais que reúnem soluções técnicas inovadoras para desenvolver as cidades do futuro. No entanto, levar tais cidades inteligentes à prática, mediante a modernização das atuais, requererá recursos muito substanciais que serão dificilmente acessíveis às administrações.
Um dos maiores desafios apresentados por este mundo novo é o referente ao transporte, tanto no interior dessas grandes cidades, como entre elas. Nas cidades, as políticas de uso de automóveis individuais serão cada vez mais restritivas e, em longo prazo, quase não há dúvida de que o uso de tais veículos ficará muito restrito nos centros das cidades ou, inclusive, totalmente proibido. Assistiremos a um maior desenvolvimento do transporte coletivo que seja mais eficiente e menos custoso em energia. Não obstante, os automóveis continuarão sendo desenvolvidos: o carro do futuro será elétrico e sua bateria poderá ser carregada em alguns minutos. Há projetos muito mais futuristas para se deslocar nas cidades, como o monotrilho SkyTran, desenvolvido nos Estados Unidos (com a participação da NASA) e na Ásia, que funciona por levitação magnética de pequenas cápsulas para duas pessoas que podem superar os 200 km por hora. Em mais longo prazo, podemos imaginar muito bem um carro voador inspirado nos helicópteros atuais, inicialmente como um veículo de luxo, mas adquirindo pouco a pouco um uso mais generalizado.
O transporte ferroviário de alta velocidade (tipo AVE) continuará se desenvolvendo como meio muito importante de comunicação entre cidades. Também os trens por levitação magnética (tipo maglev), que já operam na China, Japão e Coreia do Sul, tem um grande potencial de desenvolvimento; seu recorde de velocidade está agora em 603 km por hora, mas a tecnologia poderá permitir uma velocidade dez vezes mais alta, caso o trem circule por um túnel vazio. Entre outros projetos de trens rápidos, está o trem cápsula Hyperloop, que poderia alcançar os 1.200 km por hora, um projeto muito ambicioso e caro, que está sendo impulsionado pelo visionário Elon Musk e sua empresa do setor aeroespacial SpaceX.
Os barcos elétricos e robóticos começam a ser uma realidade, por exemplo, o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), junto com universidades holandesas, estão investindo 25 milhões de euros para desenvolver o Roboat, um barco para transportar mercadorias e pessoas pelos canais de Amsterdã. Finalmente, os aviões impulsionados por motores elétricos também começam a ser uma realidade: no ano de 2016, o Solar Impulse 2, alimentado com células solares, foi o primeiro de seu tipo a dar a volta ao mundo. O desenvolvimento do avião elétrico irá acompanhado pelo de dirigíveis, inflados com hélio, capazes de transportar até 500 toneladas de mercadorias, e provavelmente um número elevado de pessoas.
A engenharia genética, a integração da cibernética no corpo humano, os robôs e a inteligência artificial já estão equipando a humanidade com alguns meios potentíssimos que deveriam ajudar a melhorar a saúde e a qualidade de vida muito significativamente em 2050. Além disso, a aplicação das tecnologias da informação e as comunicações na prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças (o que veio a ser denominado e-saúde) melhorarão rapidamente a assistência à saúde.
No entanto, as grandes mudanças do planeta impulsionadas pela humanidade se encontram questionadas por cinco grandes ameaças: o esgotamento dos recursos fósseis (petróleo, carvão e gás natural), a mudança climática, a acidificação dos oceanos, a contaminação generalizada do meio ambiente e a diminuição da biodiversidade. Não disponho de espaço para comentar, aqui, a respeito das quatro primeiras, mas sobre a última ameaça mencionada, enfatizo que se estima que 10% das espécies (o que supõe vários milhões de espécies) terão desaparecido no ano de 2050, e não é demais recordar que é a biodiversidade o que assegura a persistência da vida em longo prazo. Não se concebe a vida sem a diversidade.
Para enfrentarmos estas ameaças, contamos com o desenvolvimento científico e tecnológico como única ferramenta. Os governos das nações deverão atuar com criatividade e flexibilidade, em um mundo politicamente multipolar, aplicando esta ferramenta com acerto. As decisões que sejam tomadas hoje e em um futuro próximo determinarão nosso futuro em mais longo prazo e nossa própria sobrevivência como espécie. É, pois, indispensável que, além de se ocupar do horizonte próximo e local, os governos velem pela resolução de problemas globais em médio e longo prazo.
As ferramentas tecnológicas podem servir para destruir completamente o planeta ou para nos proporcionar um futuro melhor. Dado que o uso destas ferramentas virá imposto, em grande medida, pelo critério moral que esteja presente na sociedade já globalizada, é imprescindível que o progresso tecnológico seja acompanhado por um progresso espiritual e moral que promova o respeito ao meio ambiente, a paz e a solidariedade. Só assim poderemos assegurar nossa sobrevivência como espécie e garantir que esta sobrevivência seja digna. Em minha opinião, uma degradação radical e generalizada das condições de vida da humanidade pode chegar a ser algo tão nefasto como a extinção da espécie humana, ou inclusive pior.
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A humanidade em 2050 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU