04 Julho 2017
Sábado, 24 de junho. O compromisso é às 2 da tarde, em Highland Park, um subúrbio de Chicago. Cheguei dez minutos mais cedo e eles já estavam me esperando, como se soubessem da minha ansiedade. Pediram-me a minha carteira de motorista e não precisei provar que era maior de idade: eles acreditaram.
A reportagem é de Adrián Paenza, publicada por Página/12, 02-07-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Scott, um jovem que não parecia ter 30 anos, havia sido designado pela concessionária para ser meu instrutor. Ofereceu-me o assento do condutor, fechou a porta (por gentileza) e foi para o outro lado, sentar-se no banco do carona. Prendemos nossos cintos de segurança. Ele apontou-me um botão. Pressionei-o, mas não senti nenhuma diferença. Não consegui distinguir que agora o carro estava "ligado".
No lugar onde geralmente está o rádio, havia uma tela como aquelas que navegadores utilizam, os GPS, mas ela estava localizada na vertical... E era enorme, como se fosse um monitor de computador de 17 ou 20 polegadas. Scott foi colocando seus dedos lá como alguém que está jogando com a tela de um telefone celular ou um tablet. Escolheu um destino relativamente próximo, a uns cinco quilômetros de onde estávamos. No mapa surgiu, desenhado, o caminho que o carro deveria seguir.
Ele me pediu que subisse uma pequena alavanca, que estava localizada à direita do volante, indicando ao carro que estávamos pronto para que nos levasse. E assim, ele arrancou. Virou à esquerda e parou na esquina. Ninguém estava vindo, mas havia uma placa de "Pare" à direita e, nos Estados Unidos, essas placas são respeitadas. Os sensores haviam determinado que não havia nenhum perigo de seguir e o carro arrancou novamente. Ignorei como o carro sabia a que velocidade poderia ir, mas como era uma rua que sequer estava bem pavimentada, não ia muito rápido. Chegamos na entrada da rodovia e o carro parou. Presumo que os sensores devem ter feito o que você ou eu faríamos: olhar para a esquerda e estimar o momento adequado para entrar na estrada e se misturar no trânsito em circulação. Em menos de cinco segundos, já estávamos na rodovia. E ainda deixou dois caminhões e um ônibus que vinham na pista da direita passarem.
Acho que ainda não escrevi que a última vez que eu havia tocado algo dentro do carro foi quando a "pequena alavanca" tinha se levantado. A placa que apareceu na frente parecia a de um avião. O número que indicava a velocidade era o maior. Quando chegamos a 70 milhas por hora (um pouco mais de 110 quilômetros por hora), Scott me perguntou o meu país. Eu disse, Argentina. Na tela vertical, comecei a ler os nomes dos diferentes continentes. Ele apertou América do Sul. Apareceram os nomes e bandeiras de todos os países. Ele pressionou Argentina e pediu para eu colocar o dedo na estação desejada. Nisso, ao procurar a 750, nós dois tínhamos deixado o carro seguir sem a nossa supervisão. O Tesla se dirige sozinho.
O resto é facilmente imaginável. Chegamos ao lugar previsto sem eu ter participado de nada, a não ser que se considere que fazer perguntas tem um impacto sobre o desempenho do carro.
Agora leia isto com cuidado. O carro procurou um lugar para estacionar. Sim. Andou lentamente pela rua onde queríamos deixá-lo até encontrar um lugar. E estacionou sozinho. Assim, fácil! Fez o que você (ou eu) faria: parou em paralelo e, em seguida, deu ré até chegar no local que havia escolhido, e em duas manobras parou. Perguntei mais algumas coisas e voltamos. Na verdade, Scott e eu poderíamos ter sentado atrás. Nos semáforos, ele esperou respeitosamente e na faixa aguardou os pedestres passarem. Quando os veículos à frente diminuíam a velocidade, o Tesla também diminuía, mantendo uma distância segura (caso tivesse que frear de repente, eu acho). O carro também sabe o limite de velocidade, e se adapta. Se você quer passar um veículo à frente, é só ligar o pisca alerta. Essa é a indicação. Quando for permitido, o Tesla acelera e ultrapassa.
Imagino que você deva ter muitas perguntas. Acredite, eu também, mas nada bate mais do que saber que se está sentado no banco do motorista de um carro, sem tocar no volante, o acelerador ou o freio... Nada. Houve momentos em que nem olhamos para a frente... e o veículo continuava percorrendo a estrada a mais de 110 quilômetros por hora.
Só mais um detalhe. Quando chegamos na concessionária, os carros estavam todos estacionados na perpendicular. O espaço disponível me impedia de abrir a porta e sair. Não fez falta. Scott sugeriu que saíssemos do carro enquanto ainda estávamos muito longe da calçada. Saímos. O Tesla terminou de estacionar sozinho, sem humano algum dentro.
Agora, vários dados, alguns muito importantes. O teste que fizemos com o carro é ilegal. Não é permitido que um veículo se dirija sozinho. A razão é que ainda não há regulamentação relevante. O que é permitido é que uma vez na estrada, aí sim, tudo o que eu descrevi pode ser feito sem problemas. Você pode mudar de pista, diminuir a velocidade ou adaptá-la aos carros ao redor. É claro, ele faz os dois tipos de auto-estacionamento: paralelo ou perpendicular.
Mas o importante é que o carro está pronto para receber a atualização do software que permite que ele faça tudo o que eu vivi na minha experiência pessoal. Isto é, quando as regulamentações permitirem, o Tesla poderá incorporar a nova tecnologia sem necessidade de qualquer modificação de hardware, ou seja, sem mudar nada fisicamente.
Como os carros são elétricos, eles precisam carregar a bateria. Existem três tipos de carregadores. O mais rápido, é chamado supercharger (supercarregador). Ao ligar o carro em um deles, a bateria carregada fornece uma autonomia de mais de 500 quilômetros por hora. Ou seja: uma hora de carga permite viajar 500 quilômetros.
O segundo tipo de carregador é dez vezes mais lento. Para ter 500 quilômetros de independência, o carro precisa ficar conectado por 10 horas. As contas são simples: para cada hora de conexão, 50 quilômetros adicionam-se à bateria.
Finalmente, fiz a pergunta óbvia: e se eu não encontrar nem um supercharger nem um carregador deste tipo, o que fazer? O que chama a atenção é que a resposta também é óbvia: ligue o carro à corrente comum! Claro que, como esperado, esta opção é ainda mais lenta: uma hora resulta em apenas cinco quilômetros da independência.
A grande vantagem é que você nunca tem que reabastecer.
A desvantagem é que, mesmo nos Estados Unidos, e em uma cidade grande como Chicago, a terceira em população no país, há apenas um supercharger em todo o centro. Há vários outros, mas nos subúrbios. Desses, há pouquíssimos dos mais rápidos.
Claro: há carregadores por toda parte, mas não imagino alguém com um cabo de 50 ou 100 metros tentando encontrar um lugar para ligar o carro, mesmo na garagem onde habitualmente estaciona.
Outra vantagem. Os modelos mais caros (e mais rápidos) do Tesla vêm com um "plus" muito significativo. Sempre que usar o supercarregador, a empresa oferece uma carga grátis ao seu carro... para sempre! Ou seja, quando houver mais supercarregadores na cidade ou se você tem paciência para esperar "carregar" a bateria em um deles, nunca mais vai pagar por combustível nem energia elétrica: receberá a energia de "presente"... e para sempre.
E a velocidade? O modelo mais caro (que custa quase 150 mil dólares), é mais rápido que uma Ferrari. Vou escrever novamente, caso você ache que houve algum engano: é mais rápido que uma Ferrari! O modelo no qual Scott me levou é o carro mais rápido em que eu já sentei na minha vida (rente ao chão). Ou seja, eu não acho que haja problemas de velocidade. Este modelo, dependendo dos "adicionais" que você escolha, custa na faixa de 100 mil dólares.
O Tesla pode ser ligado de forma "remota", através de seu telefone celular, em um aplicativo chamado "Summon". Você pode configurá-lo para predeterminar a temperatura interna. Em uma cidade como Chicago, o detalhe de poder decidir a temperatura em que o carro estará esperando é crítica. Acho que aqui, entre dezembro e março, as temperaturas médias são de cerca de 20 graus abaixo de zero.
Na verdade, quando for regulamentado, o carro poderia buscá-lo ou buscá-la na porta de sua casa, e levá-lo para onde quiser, e ou ele estaciona sozinho ou retorna para casa para não ter que pagar estacionamento. Naturalmente, você pode acompanhá-lo através do aplicativo para saber onde o carro está a cada momento e, eventualmente, programá-lo para lhe buscar depois.
Um último detalhe, não menos importante. Com os carros convencionais, todas as empresas enfatizam o "modelo" ou "ano" de fabricação. Se foi produzido em 2010 não é o mesmo que ser produzido em 2017. Com o Tesla, isso não existe mais. O carro será o mesmo, e o software se atualizará sozinho, sem você perceber, da mesma forma como quando você atualiza o sistema operacional de um computador ou telefone celular. O carro receberá as atualizações por Wi-Fi. Na verdade, o carro opera como se estivesse em casa ou em um escritório com internet constantemente.
Quando fui embora, uma hora e meia depois, pensei que tinham permitido que eu participasse do que seria o futuro, mas não, este é o presente.
Apertei a mão de Scott, agradecendo, e me senti estranho que o carro que havia me levado até ali quisesse me acompanhar. Disse que não precisava vir comigo. Tive a sensação de estar voltando a entrar no século passado.
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Tesla. Carro se dirige sozinho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU