24 Janeiro 2017
“Chegou o momento de reencontrar o sabor da tradição também na liturgia: entregando de volta às Conferências Episcopais uma verdadeira autoridade sobre as traduções nas línguas modernas e, aos bispos individuais, um eficaz discernimento sobre a ‘forma ritual’ a ser empregada na comunidade celebrante que lhes foi confiada.”
A opinião é do teólogo leigo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 19-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As discussões destes dias, que entrelaçam questões litúrgicas e questões familiares, trazem à tona uma questão delicada, que, no entanto, merece ser levada em consideração com grande atenção.
As resistências dos quatro cardeais e de alguns bispos à recepção da Amoris laetitia não dizem respeito simplesmente à matéria matrimonial ou familiar, mas também tocam profundamente o modo de considerar o exercício da autoridade. O que alguns sujeitos não conseguem compreender da Amoris laetitia é que, no discernimento, é atribuída uma autoridade não só à lei objetiva, mas também à experiência e à consciência dos “sujeitos” – bispos, párocos e esposos – diferente do “magistério papal”.
Isso, evidentemente, modifica um modelo de pensamento e de ação que, entre o fim do século XIX e o início do século XX, e principalmente a partir do Código de 1917, tentou traduzir todo o Magistério em lei objetiva e toda a “canonística” em “direito canônico”.
À luz desse modelo de compreensão, toda concessão a “outras autoridades”, diferentes da lei objetiva, torna-se concessão insuportável ao relativismo, perda de tradição, negação de identidade.
No campo litúrgico, em vez disso, conhecemos nos últimos 15 anos uma evolução inversa. Tanto no plano da tradução – a partir de 2001 – quanto no plano da utilização do Vetus Ordo – a partir de 2007 – preferiu-se confiscar para a autoridade central toda decisão, buscando subtrair todo discernimento dos bispos e dos presbíteros.
Preferiu-se criar uma “lei objetiva” da tradução e da articulação entre Novus Ordo e Vetus Ordo, para subtrair discricionalidade e discernimento da periferia, atribuindo toda autoridade, respectivamente, à Congregação do Culto e à Comissão Ecclesia Dei.
Assim, com uma operação de centralização sem precedentes, criou-se e alimentou-se um duplo mito: o da “tradução literal” e o de uma presença generalizada de “tradicionalistas”. Sem escutar mais o discernimento local dos bispos no âmbito da tradução e das oportunidades de celebrar segundo o Vetus Ordo, preferiu-se construir o mito de uma fidelidade pura ao latim e de um paralelismo universal entre Vetus Ordo e Novus Ordo.
Eu me pergunto: de onde vem essa vontade centralizadora? Vem de Napoleão e do ideal de uma “lei universal e abstrata” aplicável a todos os casos. Assim, descobrimos que o medo do discernimento, tão típico das reações preocupadas em relação à Amoris laetitia, nada mais é do que um “condicionamento antimodernista”, que aspira a combater o moderno com as suas próprias armas.
A verdadeira tradição, porém, não é essa. A verdadeira tradição é exercer a autoridade reconhecendo a realidade não como oportunidade para a aplicação de uma norma geral, mas como lugar de manifestação da verdade. A verdade não está na lei geral, mas na realidade concreta.
Embora com uma compreensível fadiga, a Amoris laetitia redescobriu a verdadeira tradição no campo familiar. Parece que chegou o momento de reencontrar o sabor da tradição também na liturgia: entregando de volta às Conferências Episcopais uma verdadeira autoridade sobre as traduções nas línguas modernas e, aos bispos individuais, um eficaz discernimento sobre a “forma ritual” a ser empregada na comunidade celebrante que lhes foi confiada.
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O impossível discernimento "napoleônico" para a Liturgiam authenticam e o Summorum pontificum. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU