Por: Jonas | 11 Setembro 2013
Nelson Caucoto (foto) é o atual chefe do Departamento de Direitos Humanos da Corporação de Assistência Judiciária. Em plena ditadura, trabalhou no Vicariato da Solidariedade (organismo da Igreja católica, criado pelo papa Paulo VI para ajudar as vítimas do regime militar) e, em seguida, na Fundação de Ajuda Social das Igrejas Cristãs. Além disso, apresentou mais de 300 ações contra Augusto Pinochet e é um dos principais litigantes em causas de Direitos Humanos. Com mais de 30 anos de experiência, levou adiante casos emblemáticos como o de Víctor Jara, Degollados, Operação Albania, Paine e Lonquén, entre outros, o que o conferiu, em 2007, o Prêmio de Direitos Humanos. No dia 11 de setembro de 1973, este destacado advogado cursava o último anos de Direito na combativa Universidade de Concepción e, assim como para quase todos de sua geração, a fatídica data mudou a sua vida para sempre.
Fonte: http://goo.gl/hjkgUg |
A reportagem é de Christian Palma, publicada no jornal Página/12, 10-09-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como você chegou a se tornar um advogado dos direitos humanos e quais casos lhe comoveram mais?
O golpe militar me fez mudar as prioridades, e surgiu a necessidade de colocar minha profissão a serviço das pessoas que estavam sofrendo e sendo perseguidas. Apressei o passo, formei-me e fui para Santiago. Em janeiro de 1976, apresentei-me, numa entrevista com Fabiola Letelier, para o recém-criado Vicariato da Solidariedade e fiquei nesse organismo até acabar, em dezembro de 1992. Não posso dizer que um caso tenha me comovido mais do que o outro, já que todos possuem componentes brutais de mortes, torturas, vexações e desaparecimentos. A dor nos familiares é tão grande... Em parte, isto é o que me manteve trabalhando nas causas até estes dias, buscando a verdade e a justiça.
Qual é a sua opinião sobre o caso do ex-general Juan Emilio Cheyre e os novos episódios de violações dos direitos humanos que continuam surgindo?
Tenho opiniões divididas. Começando por valorizar sua tarefa como comandante-chefe, que permitiu um reconhecimento histórico dos crimes cometidos por essa força, destacando que um número próximo a 200 vítimas foram ultimadas e lançadas ao mar pelos militares, para em seguida também dar um passo inédito na assinatura de um compromisso de nunca mais se vincular a um golpe de Estado. Isso, acredito, constitui um legado que é preciso ter presente, pois não recordo uma situação desse alcance nos militares deste continente. Fez tudo isto sob uma imensa ofensiva dos militares aposentados contra ele, e de uma silenciosa oposição interna dos militares ativos. Não foi fácil fazer isto. No entanto, essa grande contribuição de Cheyre viu-se obscurecida diante do ocorrido no caso Lejdermann, pela precariedade e insuficiência de suas respostas no caso concreto. Não parece aceitável que tenha alimentado que nunca leu o Relatório Retting (sobre violação aos direitos humanos), que é um instrumento de caráter estatal e oficial do governo do Chile, e que, portanto, nunca se interessou em conhecer mais o devir do caso.
No Chile, o que falta para que exista uma verdadeira reconciliação? Aparentemente, os ódios e diferenças continuam passando de geração em geração...
É verdade que não existe uma completa reconciliação entre os chilenos; no entanto, há aspectos que anunciam luzes de esperança. Temos avançado no reconhecimento de que os crimes existiram. Reconheceu-se que as violações aos direitos humanos na ditadura deixaram uma imensa sequela de sofrimentos e dores, com chilenos torturados, executados, desaparecidos e exilados. Outro sinal é dado pelo avanço da Justiça, em relação a qual já não existem as reparações de alguns anos atrás, existindo o consenso de que os tribunais precisam continuar cumprindo sua tarefa de investigar os crimes cometidos. Em definitivo, uma maneira de conseguir avançar na reconciliação é dada pelo esclarecimento total dos crimes cometidos pela ditadura.
Como é visto este novo 11 de setembro, levando-se em conta o cenário dos 40 anos do golpe, considerando que para Piñera os outros 11-09 foram bem mais tranquilos?
Os 40 anos do golpe militar tiveram e contam com características diferentes das décadas anteriores. Não acredito que, em algum momento, alguém tenha imaginado que quatro décadas mais tarde a lembrança do golpe fosse tão intensamente presente na sociedade chilena como é hoje. Os meios de comunicação cumpriram um enorme papel nestas efervescências. As reportagens em jornais, revistas, rádios e as imagens da TV dão conta de um reencontro libertador com a verdade do que ocorreu na ditadura. Foram mostradas imagens jamais vistas pelos chilenos. Atualmente, proliferam os seminários, encontros e debates nas universidades e organizações sociais. Tudo isso faz bem ao Chile. Isso trouxe junto uma diversificada manifestação de perdões ou reconhecimentos que nunca antes havia ocorrido. Nesse sentido, as palavras do presidente Piñera e do senador Carlos Larraín (do direitista partido RN) possuem valor. Hoje, parece que todos abraçam a causa dos direitos humanos.
Em qual distância estamos da Justiça necessária o suficiente para fechar as feridas? Há avanços nessa matéria?
O avanço da Justiça foi significativo e é preciso valorizá-lo. Hoje, existem aproximadamente 800 processos sentenciados contra os violadores de direitos humanos nos últimos 13 anos, questão nunca vista nos 27 anos anteriores. Existem cerca de 250 agentes condenados por violações aos direitos humanos. Na atualidade, no Chile existem 1400 julgamentos pelos direitos humanos. No país, o Juizado sofreu um giro de 180 graus. Em três anos, avançou-se mais do que nos 27 anos anteriores. A Justiça foi fazendo seu trabalho e é preciso incentivar para que não exista uma vítima sem a possibilidade de uma investigação judicial séria, imparcial e efetiva. Nossa crítica fundada e responsável para essa atividade judiciária se refere à quantidade pequena de sanções aos criminosos, o que nos parece inadequado pela gravidade dos crimes e a necessária prevenção geral e especial que a pena possui como objetivo. É preciso impedir a todo custo que estes crimes se repitam no futuro, e para isso é necessário intimidar os delinquentes com penas racionais, justas e proporcionais à gravidade dos crimes.
Ainda resta muita coisa para se tornar conhecida? Surgirão mais casos de violações aos direitos humanos?
Grande parte da história do Chile na ditadura está nos processos judiciais, a partir dos quais os crimes foram se esclarecendo. Esses processos dão conta da política de extermínio que se praticou. E nesse extermínio foram utilizados todos os métodos imagináveis e inimagináveis. Fuzilaram, queimaram, explodiram, degolaram e mataram pessoas na tortura, em falsos enfrentamentos. Inocularam substâncias tóxicas, químicas, bacteriológicas e usaram o gás sarin. Todos os dias, novos processos estão sendo sentenciados, com novas condenações. Cada julgamento é mais verdade construída. O mais significativo é que ninguém se opõe ou atravessa essa atividade judicial como no passado recente.
Qual é a sua opinião sobre a Suprema Corte reconhecer omissão e responsabilidade em graves ações durante a ditadura de Pinochet?
Um dos aspectos centrais na atividade judiciária em direitos humanos é o comportamento dos tribunais. Os comportamentos no tempo da ditadura foram favoráveis e funcionais aos desígnios da tirania, trazendo uma ampla e total impunidade. No entanto, hoje, esse poder judiciário é diferente e foi fixando as bases de uma futura convivência nacional com uma nova perspectiva histórica. Assim, nosso Juizado incorporou plenamente o Direito internacional dos direitos humanos, e esse instrumental jurídico obrigatório para o Estado do Chile permitiu que judicialmente se declare a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Esse é um legado para as futuras gerações e uma clara advertência para as eventuais ditaduras do futuro, pois seus crimes serão perseguidos onde quer que seja ou tenham sido cometidos. Nesse sentido, as sentenças da Sala Penal da Suprema Corte foram iluminadoras e possuem uma dimensão histórica que é bom ser ressaltada. O fato da Suprema Corte, na sexta-feira passada, ter reconhecido as omissões e a grave desproteção em que deixou os cidadãos, parece-me uma boa determinação, e vem se somar a este novo clima que inauguram os 40 anos. Talvez o que mais destacaria nessa declaração é aquela parte em que o máximo tribunal incentiva todos os juízes do país a persistirem no esclarecimento dos crimes da ditadura. Esse é o caminho.
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Ditadura chilena. “É preciso esclarecer todos os crimes”, diz advogado experiente em direitos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU