Por: Jonas | 04 Setembro 2013
“Por favor, não me coloque a venda, mate-me de frente porque quero lhe ver para dar-lhe o perdão”, disse o padre espanhol Joan Alsina, radicado no Chile, para Nelson Muñoz, o soldado de 18 anos que minutos depois o derrubaria por ordem de um coronel. Eram 22h00s, do dia 19 de setembro de 1973, e o golpe de Estado perpetrado oito dias antes, por Augusto Pinochet, continuava fazendo estragos no Chile.
A reportagem é de Christian Palma, publicada no jornal Página/12, 02-09-2013. A tradução é do Cepat.
No próximo dia 11 de setembro, completar-se-á 40 anos desde que os militares tomaram o poder à força, e a palavra perdão pairou sobre todos os responsáveis pela ação ou omissão, militares e civis, na sistemática violação aos direitos humanos vivida no Chile, entre 1973 e 1990. Há algumas semanas, o assunto foi incendiado pelo senador Hernán Larraín, da UDI, o partido mais à direita no país, ao declarar que o primeiro passo é que os civis, que respaldaram o “regime” de Augusto Pinochet, façam um “mea culpa”.
“Se ajuda pedir perdão, também liberta saber perdoar. Por isso, por que não dar um passo pessoal ao invés de esperar que outros façam o que se quer ouvir? Algo simples e transparente como: eu peço perdão pelo que tenha feito ou por omitir o que deveria fazer. Peço perdão por não ter colaborado de modo suficiente na reconciliação em meu trabalho... Desde já, hoje, faço isto em meu nome: peço perdão. Esta é minha voz para a reconciliação. Contudo, é necessário ouvir a de todos”, disse o ex-colaborador de Pinochet.
Sua convocação não passou inadvertida e poucos – para não dizer ninguém – dos reconhecidos pinochetistas, que continuam ocupando cargos públicos, seguiu o exemplo. De perdão muito pouco, bem como toda a UDI, que considera que fazer isto é um ato pessoal, não coletivo.
De fato, a candidata presidencial da direita, Evelyn Matthei, em várias oportunidades disse que ela “tinha 20 anos quando ocorreu, não tenho nada do que pedir perdão... Quando ainda era estudante e ninguém me conhecia, eu falei do assunto dos direitos humanos. Condenando-os... Sendo assim, sinto que não tenho que pedir perdão porque sempre tive uma posição claríssima no assunto e meu pai também”. Isto, na sua opinião, acarretou que ambos sofressem bullying da ultradireita.
Seu pai, Fernando Matthei, foi comandante-chefe da Força Aérea e acompanhou Pinochet na Junta Militar. Foi acusado de ser o responsável pelas torturas aplicadas ao pai de Michelle Bachelet, o também general Alberto Bachelet, que morreu vítima do castigo dada por seus próprios irmãos de armas, por se manter leal a Salvador Allende. “Aqui, o golpe de Estado não veio porque sim, não veio do nada. A DC pediu praticamente o golpe. Houve situações anteriores gravíssimas. De tal maneira que esta é uma conversa que vai além do fato de uma pessoa pedir perdão ou não”, acrescentou a carta presidencial.
Neste cenário, Michelle Bachelet, candidata da Nova Maioria, valorizou a atitude de Larraín e fez um chamado para se assinar um “compromisso”. “Não podemos mudar a história, mas, sim, podemos construir nosso presente e nosso futuro. Parece-me muito bom que o senador Larraín tenha tido este ato de pedir perdão de forma pública, mas para além de sua situação pessoal, acredito que é importante recordar o que foi o golpe de Estado, os anos de ditadura e o que significou para muita gente”, expressou.
Acrescentou que para conseguir a reconciliação não são apenas “fundamentais” a verdade e a justiça, mas também a diversidade política e “se somos diferentes que não nos vejamos como inimigos, podemos nos ver como adversários, mas não como inimigos”.
Contudo, as afirmações de Matthei não caíram nada bem no Palácio La Moneda, em razão das numerosas críticas recebidas e num momento em que o presidente Sebastián Piñera prepara uma comemoração do dia 11 de setembro, que mostre uma imagem de governo distante da ditadura. Tarefa difícil, considerando que muitos de seus colaboradores também foram os de Pinochet.
“Como governo vamos propor ao país não esquecer, mas (também) aprender dos erros do passado para não repeti-los nunca mais; esse é o espírito, essa é a mensagem deste chamado e convite que fazemos para todas as forças políticas, para todos os ex-presidentes, ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo”, afirmou.
Piñera acrescentou que “o compromisso é muito simples. Nunca mais queremos que no Chile se quebre a democracia, a sadia convivência e que se atropelem os direitos de qualquer ser humano”.
Bachelet foi convidada para o ato, na qualidade de ex-presidente, entretanto, abriu mão de participar. Nesse ponto, Piñera disse que “receberemos com os braços abertos a todas as autoridades, aos ex-presidentes, mas cada um é livre para participar ou não”.
A nefasta data desenterrou muitas feridas, também reabilitadas por uma sequência de reportagens da imprensa, que retrataram a dor de milhares de chilenos e que dão conta de que a raiva não acaba e que a reconciliação não chegará enquanto não se conhecer toda a verdade sobre os detidos – desparecidos - e se faça justiça. Atento a isso, Piñera responsabilizou de maneira transversal as forças políticas que “fragilizaram a democracia”, antes de 1973, como as autoridades do governo militar, os juízes e a imprensa por sua atuação diante dos crimes contra a humanidade.
“Assim como as forças políticas, especialmente aquelas que incorporaram a violência, que deslegitimaram a democracia, que não respeitaram o Estado de direito, contribuíram para fragilizar nossa democracia, também é certo que as máximas autoridades do governo militar, que sabiam ou deveriam saber do atropelo aos direitos humanos, possuem uma responsabilidade política”, afirmou o presidente.
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Quatro décadas depois, o perdão divide o Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU