Por: André | 03 Setembro 2013
Parece que no momento os enfrentamentos nas ruas e a violência passaram no Egito pós-Morsi. Por conseguinte, ressurge o debate sobre o papel da sharia, a lei islâmica, nas leis do país. Neste domingo, a presidência “ad interim”, encomendada em julho ao juiz Adli Mansour pelos militares, publicou a nova comissão de 50 membros que nos próximos 60 dias terá que discutir sobre as modificações à Constituição, fortemente islamizada, que foi aprovada em novembro do ano passado pela Irmandade Muçulmana. Trata-se de um texto que foi duramente criticado pela oposição liberal e pelos representantes das Igrejas Cristãs que, como protesto contra o maximalismo dos islamitas, abandonaram as sessões de trabalho da Assembleia Constituinte. Ao final da revisão deste novo texto os generais se comprometeram a submetê-lo novamente a um referendo.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli e publicada no sítio Vatican Insider, 02-09-2013. A tradução é de André Langer.
Entre os integrantes da nova comissão (formada por expoentes dos partidos políticos, das comunidades religiosas e representantes do âmbito profissional) há três representantes das Igrejas Cristãs: o bispo Paolo, da diocese copta-ortodoxa de Tanta, o bispo copta-católico de Giza, Antonios Aziz Mina, e o presidente das Comunidades Evangélicas do Egito, Safwat El-Bayyady. Também há diferentes expoentes religiosos, como três representantes da Al-Azhar, encabeçados pelo grão-mufti do Egito, Shawky Allam, e duas personalidades claramente vinculadas à ala islamista: Kamal El-Helbawy, ex-dirigente da Irmandade Muçulmana que se mostrou em desacordo com o movimento há algum tempo, e Bassam El-Zarqa, vice-presidente do Nour, o partido dos salafitas.
Justamente este último já teria indicado que se está perfilando um novo enfrentamento sobre a sharia. O Nour, de fato, ameaçou com boicotes as sessões de trabalho porque o comitê estaria dominado “por forças da esquerda”. Além disso, anunciou qual será sua bandeira: que se mantenha o artigo 219, isto é, justamente aquele que recebeu as críticas dos cristãos, porque no texto redigido pela Irmandade Muçulmana reforçou-se o peso da lei islâmica no país.
É preciso recordar que na Constituição anterior (da época de Sadat), se incluía no artigo 2 a referência à Sharia como fonte principal de direito no Egito. Mas, tratava-se de uma inspiração de caráter geral, que, segundo os islamitas, era muito vaga. Por este motivo, no texto que foi aprovado em 2012, foi incluído o artigo 219, que pretendia acentuar o vínculo entre a lei do Estado e a lei islâmica. “Os princípios da sharia – diz o texto atual – incluem suas interpretações comumente aceitas, seus fundamentos, suas regras jurisprudenciais e suas fontes, assim como foram transmitidas pelas escolas da Suna e de Gama’ah”. Uma formulação objetivamente muito mais vinculante e que colocaria sob a mira inclusive os xiitas, que não se regem pelas doutrinas islâmicas citadas, por não falarem das minorias religiosas.
Entre as emendas sugeridas pela comissão de 10 especialistas que redigiu o texto a partir do qual se colocará em marcha a discussão entre os membros da atual comissão dos 50, destaca-se a abrogação do artigo 219, com a reinserção de uma inspiração islâmica genérica. Justamente este motivo provocou as reações negativas dos salafitas. No entanto, com a prisão de muitos líderes da Irmandade Muçulmana, é fundamental para o governo e para os militares do Egito manter justamente o Nour dentro do processo de revisão da nova Carta Magna (inclusive para evitar tensões com a Arábia Saudita, que se declarou abertamente contra o presidente deposto Mohammed Morsi). Assim, pois, o debate sobre a sharia durará bastante tempo. E se perfila como um dos elementos determinantes para avaliar qual será a nova direção do Egito.
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Ressurge, no Egito, o debate sobre a sharia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU