30 Junho 2012
"Demos uma oportunidade à Irmandade Muçulmana para governar o Egito. Por 80 anos, eles estiveram na oposição, dando sonhos à população. Agora que eles venceram as eleições, vejamos o que eles saberão fazer, qual modelo de democracia, de economia, de diplomacia internacional eles saberão realizar. Sabendo também que o contexto no mundo árabe, nos últimos meses, mudou e que, se quiserem permanecer no poder, eles não podem imprimir uma reviravolta fundamentalista ao Egito". Samir Khalil Samir (foto), jesuíta egípcio e atento observador da realidade política e social do seu país, não é pessimista sobre o futuro do Egito, embora sejam conhecidas as suas posições muito prudentes sobre a evolução da primavera árabe.
A reportagem é de Enrico Casale, publicada na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 28-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A sua posição não é tão comum entre os cristãos (coptas ortodoxos, a maioria, e os católicos). "A comunidade cristã – explica o padre Rafiq Grich, porta-voz da Igreja Católica egípcia – está um pouco preocupada de que o novo presidente venha do componente islamista. Ela teme pela vida de muitos fiéis, mas também um processo de islamização da sociedade: uma sociedade que era conhecida a todos pela sua abertura, independência, criatividade, especialmente na literatura. Esperemos que a nova era que estamos vivendo, os cristãos possam encontrar justiça e não discriminação".
Padre Samir não compartilha esses temores. "Eles votaram em Mohammed Mursi – observa –, especialmente as pessoas mais humildes e menos escolarizadas (no Egito, 40% da população são analfabetos). Eles fizeram isso não com base no programa, mas porque um partido islâmica é uma segurança. As pessoas comuns, porém, não querem um extremista no poder, e Mursi sabe disso. Assim como sabe que a margem com a qual venceu o concorrente, Ahmed Shafiq, é muito pequena. Isso significa que há uma forte minoria que não compartilha a sua visão confessional da política. Mursi não poderá deixar de levar isso em conta".
Segundo o jesuíta, portanto, não será instaurado um regime que irá impor os preceitos islâmicos a toda a população. Até porque são as próprias autoridades religiosas muçulmanas que não querem isso.
Em um relatório publicado em janeiro, um grupo de estudo da Universidade de Al-Azhar, a mais alta autoridade doutrinal do Islã sunita, afirmou que o Islã é a fé do "justo caminho do meio". Desse modo, os professores pretendiam se dirigir tanto aos secularistas radicais, quanto à Irmandade Muçulmana e aos salafitas (uma das correntes mais extremistas do Islã, muito difundida no Egito e sustentada economicamente pelo Qatar).
"A Irmandade Muçulmana – continua Samir – não pode ignorar esse convite. Isso significa que políticas inspiradas no Islã deverão ser levadas adiante com moderação e atenção a todos os componentes da sociedade".
Resta a grande incógnita das forças armadas. Os militares governaram o país por 60 anos e ainda controlam ao menos um terço da economia através de empresas de sua propriedade. Dificilmente irão se afastar. "
Com as eleições presidenciais – observa Giovanni Esti, missionário comboniano italiano que trabalha há anos no Egito –, começou uma era nova. Os militares estão tentando retardar um processo que, no entanto, é imparável e que os levará gradualmente a uma saída da cena política. Mursi é o primeiro presidente que não provém dos cargos militares e que tem às costas uma organização bem estruturada e uma ideologia bem definida. É verdade que os seus poderes são limitados, mas a sua verdadeira força está na organização. Nas eleições presidenciais, a verdadeira vitória foi da Irmandade Muçulmana sobre o Exército. Os militares não concederam nada e tiveram que se curvar à história. Para Mursi, recuperar os plenos poderes é só uma questão de tempo. E a Irmandade Muçulmana demonstrou ser extremamente paciente".
Em todo caso, segundo o padre Samir, os militares conseguirão chegar a um entendimento com a Irmandade Muçulmana. Um entendimento que o governo de Mursi poderia moderar mais, porque os militares não querem que o país se transforme em uma teocracia, nem em um califado.
"A Irmandade Muçulmana – continua Samir – irão disputar a partida mais importante no campo da economia. A economia egípcia está passando por um momento difícil. Cerca de 40% da população ativa está desempregada, o turismo, uma das principais fontes de receitas, está em crise. O Islã não tem uma doutrina econômica articulada, e isso não ajuda os novos governantes. Nos primeiros três meses, no entanto, eles terão que provar ser capazes imprimir uma reviravolta se quiserem manter inalterados os seus consensos".
"O novo presidente – acrescenta o padre Griech – deverá ajudar principalmente os pobres, os sem-teto e os analfabetos. É isso que pedimos para os egípcios, sejam eles cristãos ou muçulmanos".
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''Demos uma chance à Irmandade Muçulmana'', defende jesuíta egípcio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU