02 Março 2013
O Colégio Cardinalício em conclave deverá ouvir, rezar, pensar sobre a trajetória de dois pontificados que, embora antípodas nos estilos, constituem uma unidade total.
A análise é Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação João XXIII de Ciências Religiosas de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 28-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O fim de um pontificado é um momento institucionalmente dedicado à avaliação. Enquanto um véu de melancolia acompanha o papa que se torna emérito, o Colégio Cardinalício deve se preparar para a sua tarefa amadurecendo um conhecimento das pessoas assim como elas são, das coisas como elas são.
E as coisas sobre as quais eles devem tomar consciência não são tanto as misérias contidas na Relatio. Esta, quando se tornar de domínio público - mesmo que seja no século XXII, mas alguns temem que será muito antes - nos dirá detalhes previsíveis e no máximo convencerá alguns cardeais a não entrar na Capela Sistina. Aquilo sobre o qual o Colégio deverá ouvir, rezar, pensar é a trajetória de dois pontificados que, embora antípodas nos estilos, constituem uma unidade total.
Ratzinger tentou ser "o papa dos doutos". Distanciou-se das formas do "governo carismático" de Wojtyla. Mas, no fim, compartilhou com ele uma linha de fundo: a ideia de romper com as palavras de ordem de Paulo VI: mediação, diálogo. Lutar por uma Igreja "forte", na ideia de que a coragem da fé coincidisse com o valor da Igreja no espaço público.
Ratzinger, com a consequencialidade lógica que é sua, moveu-se assim em um horizonte totalmente europeu. Os grandes horizontes políticos mundiais estão apagados. Além disso, por uma fatalidade, os esgotos da pequena política italiana se tornaram parte da agenda vaticana, onde até a subdivisão política da Rai [canal público italiano] encontrava lugar.
Justamente com o papa teólogo as grandes caravanas teológicas foram abandonadas em nome de um princípio-natureza, esperando fazer da Igreja a prótese ética de um Ocidente sem Evangelho e acabando por fazer do Ocidente o horizonte de uma Igreja em déficit ético.
O problema é como sair desse beco sem saída: Bento XVI vai embora pedindo um maior "vigor". E diante desse diagnóstico todos deverão se medir. Até mesmo os cardeais que são reunidos na imagem pública sob um único rótulo: os "italianos", como se entre eles não houvesse diferenças que irão aparecendo pouco a pouco, assim que a sede vacante sem luto se torne a matriz de um novo papado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Lutar por uma Igreja forte: o horizonte deixado por Bento XVI. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU