06 Outubro 2014
"Em pauta desde 1992, com a Agenda 21 Global, o tema do consumo foi avaliado em 2002 como um tema que não tinha avançado. De lá para cá poucos foram os países que realmente elaboraram planos nacionais de 'Produção e Consumo Sustentáveis'", escreve Samyra Crespo, presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em artigo publicado originalmente pelo sítio Eco21 e reproduzido por Envolverde/IPS, 02-10-2014.
Eis o artigo.
Em 2006 a ONU contou ao mundo uma novidade: o Planeta Terra do ponto de vista de sua população tornara-se urbano, com mais de 50 % dos indivíduos morando em cidades, optando pelo estilo de vida urbana. No Brasil os cientistas e demógrafos sustentam que o Brasil já possui 80% de sua população em cidades. Quando essa novidade surgiu os estudiosos e militantes do campo de forças do Desenvolvimento Sustentável (ambientalistas, gestores e tomadores de decisão públicos e privados, além de cientistas e formadores de opinião diversos) adquiriram a certeza de que os desafios do desenvolvimento que amplia metas de sustentabilidade vão ocorrer no cenário das cidades.
Além da certeza de que as sociedades humanas estarão vivendo cada vez mais concentradas em aglomerados urbanos, a população do Planeta vai estar na casa dos 9 bilhões em 2030, colocando uma pressão cada vez maior sobre a produção de alimentos, sobre os recursos naturais e sobre toda a sorte de bens de consumo. O binômio rural-urbano se faz aqui de suma importância e a escalada da agricultura sustentável é uma estratégia competitiva entre os países produtores de alimento. Mercados altamente regulados por barreiras internacionais não tarifárias, certamente vão empurrar esta frente para um alto desenvolvimento tecnológico “verde”.
O crescimento exponencial do consumo nos últimos 50 anos é atestado por vários relatórios específicos publicados pela ONU (2008 e 2011); mostram que o consumo global aumentou em seis vezes o volume verificado entre 1960 e 1980 e dez vezes entre 1980 e 2000. A erosão do mundo socialista e as políticas de combate à pobreza intensificaram o consumo, criando empresas verdadeiramente globais como a Coca-Cola, a Nestlé e outras de igual porte, além de gigantes do varejo como o Walmart com presença em todos os continentes. Nesta cadeia global do consumo, verificam-se políticas governamentais insuficientes, com foco mais na segurança do consumo, ou nos direitos dos consumidores, e estratégias comerciais capitalistas que utilizam instrumentos avançades de marketing e de associações identitárias, transformando o consumo não só num tema da economia mas da cultura e das tendências de comportamento ético.
Em pauta desde 1992, com a Agenda 21 Global, o tema do consumo foi avaliado em 2002 (Conferência que avaliou a evolução da pauta do desenvolvimento sustentável 10 anos pós RIO-92) como um tema que não tinha avançado. De lá para cá poucos foram os países que realmente elaboraram planos nacionais de “Produção e Consumo Sustentáveis”.
O tema voltou à pauta dos governos com a RIO+20. A Conferência de Cúpula da ONU, ocorrida no Brasil em 2012, mostrou alguns esforços no País que estão longe ainda de ocupar um lugar de destaque numa pauta prioritária de desenvolvimento. Mas não ficamos mal na foto. Mas destes, eu destacaria duas pela sua capacidade de revolucionar a cultura da sustentabilidade em nosso País, embora iniciativas vão nesta direção como desejamos colocar a s não debatem este tema crucial, pois tem rebatimento em quase todas as esferas daquilo que concebemos como qualidade de vida.
Seguir, sugerindo que as eleições e os programas de Governo que nos são apresentados colocou no centro da sua agenda a questão da produção e do consumo sustentável e uma série de políticas globais deverão ser engendradas nos próximos anos neste tema.
Os estudos mostram que os orçamentos dos indivíduos triplicaram no que se refere a gastos com bens de consumo na última década: ou seja, na cesta cada vez menos básica da classe média, mais itens são adicionados, mais parcelas de gastos são assumidas, fazendo o orçamento doméstico dos dias atuais ser incomparável com os orçamentos de vinte anos atrás. Nesta adição frenética estão os bens de tecnologia (celulares e TVs com tela de plasma puxando a fila), os alimentos processados industrialmente e cada vez mais “bens identitários” – grifes, marcas, produtos que desenham e diferenciam as personalidades dos indivíduos consumidores, na cena urbana do trabalho ao lazer. “eu sou o que consumo”, ou “consumo, logo existo”. O Jornal Valor Econômico divulgou que em 2013 foram gastos 1 trilhão de reais com bens de consumo não duráveis.
Consumo: problema e solução
A “explosão” do consumo no Brasil, potência econômica emergente ao lado da China, da Índia, África do Sul e da Coréia, entre outros, é conseqüência do seu desempenho econômico combinado com políticas exitosas de inclusão social que nos últimos 10 anos expandiram o mercado interno, aumentando significativamente o poder de consumo dos segmentos conhecidos como classes C, D e E. Em seus relatórios oficiais o Brasil assume que 19 milhões de pessoas foram incluídas na economia de mercado, saindo da linha da pobreza e que 34 milhões ascenderam à chamada “nova classe média” – a classe “C”. Os documentos oficias afirmam que nossa classe média já contabiliza 100 milhões de pessoas. A inclusão política só se completa com a inclusão econômica. Incluir no círculo do consumo é o lado luminoso da moeda. O lado mais opaco é o efeito dessa inclusão, os impactos que gera no ambiente e na própria sociedade, e como lidamos com eles. A questão não é reduzir o consumo, mas como consumir e como lidar com os efeitos colaterais do consumo, tais como o crescente descarte de resíduos e a necessidade de reciclar, para poupar matéria prima e energia. Mudanças de hábitos e de comportamentos por parte de indivíduos e instituições é um tema que deverá traduzir-se em políticas e programas de governo, empresas e sociedade.
O plano de produção e consumo sustentáveis do governo e avanços nos últimos 4 anos
A recente Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) aprovada no Congresso Nacional em 2010, após 19 anos de tramitação, foi um passo de importância histórica para que a problemática do consumo de embalagens e descarte ganhasse relevância nacional e fosse finalmente enfrentada dada a sua magnitude e impacto. Tanto a Lei Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), quanto o Plano de Ação Para a Produção e o Consumo Sustentáveis (PPC), este último publicado em 2011, pelo Ministério do Meio Ambiente, são ações de Governo, de grande envergadura.
Sem sombra de dúvida, são as primeiras políticas públicas nacionais que enfrentam os problemas do consumo e do descarte, sem demonizar o setor produtivo e apresentando uma conta, realista, de que os investimentos terão que ser feitos por todos; a sociedade inteira é responsável pelas escolhas que faz ao consumir e ao descartar os resíduos no chamado ciclo do pós-consumo – quando o produto termina sua vida útil e deve ter uma destinação final correta.
Tanto a PNRS quanto o PPCS seguiram o mesmo princípio: amplas consultas a todos os setores, designação de conselhos gestores com vários ministérios envolvidos e a adoção inovadora do princípio da co-responsabilidade da co-gestão. Ambos trazem inovações conceituais tais como a responsabilização de cada ente da federação e do setor privado e a assunção de que os consumidores não são única e exclusivamente os indivíduos. Neste sentido, além do consumo de massa, no entendimento do governo e de suas políticas recentes, uma empresa, uma escola e um hospital são consumidores e podem praticar o consumo responsável assim como um programa de compras verdes ou sustentáveis. As instituições, organizações e associações coletivas consomem tanto ou mais que os indivíduos e podem acelerar a mudança de padrão de consumo, O governo brasileiro, segundo estimativas do IPEA compra bens diversos e suas compras já alcançam cerca de 17% do PIB nacional. Este é um raciocínio muito importante para colocar o próprio governo como um importante indutor da produção e do consumo sustentável.
O Plano de Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS) com um ciclo inicial de três anos (2011-1014) apresentou nesta primeira fase seis prioridades, a saber: educação para o consumo e descarte responsável; aumento da reciclagem; compras públicas sustentáveis; agenda ambiental na administração pública; construções sustentáveis e varejo sustentável.
Esta ênfase no consumo foi intencional e buscou fortalecer o debate em torno das políticas propiciatórias à mudança de hábitos por parte das instituições e população. Embora a questão da produção sustentável seja tão importante quanto à do consumo – sendo a mesma alvo de programas como Brasil Competitivo, Brasil Maior e o ABC (Agricultura de Baixo Carbono), a proposta do PPCS foi articular iniciativas em torno do consumo sustentável e visibilizar seus resultados para governo e sociedade. O Plano também buscou incluir as iniciativas empresariais brasileiras mais alinhadas com as políticas globais e nacionais de sustentabilidade.
O PPCS traz, à semelhança da PNRS, o conceito de responsabilidade compartilhada. Assim, a conta está sendo apresentada tanto ao Governo quanto à sociedade. Por exemplo, a prioridade em torno da aplicação da Agenda Ambiental na administração pública é um objetivo prioritário a ser alcançado. Atualmente são cerca de 400 organizações, autarquias e ministérios que aderiram ao Protocolo da assim chamada A3P (Agenda Ambiental nos Três Poderes). Basicamente, o Programa prepara as instituições públicas para definirem estratégias de eficiência energética, economia de água e coleta de resíduos para reciclagem. Além de oferecer ferramentas metodológicas, o programa vem premiando as melhores práticas, buscando inspirar e levar à replicabilidade experiências importantes como a da Câmara dos Deputados, do Senado, do Conselho Nacional de Justiça, da Caixa Econômica Federal e de uma dezena de prefeituras e estados que buscam incorporar uma agenda ambiental sólida em suas operações. Com esse programa, o Plano busca estabelecer a exemplaridade por parte dos entes públicos e demonstrar a vontade política do governo em mudar os padrões de consumo. O programa de Licitações e Compras Sustentáveis liderado pelo Ministério do Planejamento e a exigência de que todos os órgãos da administração direta elaborem e implementem seus Planos de Logística Sustentáveis (PLS) vão nesta direção. O PLS é exigência federal e alvo de Decreto Presidencial, de 2012.
Principais resultados da Política de Produção e Consumo Sustentável do Governo no Ministério do Meio Ambiente
1 – Primeiro Plano Nacional de Gestão de Resíduos Sólidos (2013);
2 – Primeiro Plano Nacional de Produção e Consumo Sustentável (publicado e lançado no CONAMA em 2011)
3 – Realização da Conferência Nacional sobre Produção e Consumo Sustentável com foco em resíduos em 2013 (a maior conferência realizada pela área de meio ambiente e com a maior participação de prefeituras e empresários);
4 – Realização da Conferência de Meio Ambiente da Juventude – juntamente com o MEC, com a participação de mais de 36.000 escolas com o mesmo tema em 2013;
5 – Realização de 3 campanhas de mídia nacionais, com uso de tv e internet sobre o tema das embalagens (2010). Sacolas plásticas (2011 e 1012) e descarte de resíduos (2013); a campanha de redução do uso de sacolas plásticas diminuiu em 2 anos de 14 bilhões/ano para 9 bilhões ano a distribuição no país;
6 – Publicação de 3 milhões de cartilhas sobre coleta seletiva (parceria com o CEMPRE); construções sustentáveis (em parceria com a BASF) e sobre Consumo Infantil (parceria com o Instituto Alana);
7 – Aumento de 113 (2009) para 640 organizações no Programa A3P (2014);
8 – Criação do prêmio anual “Melhores Práticas da A3P” – 3 edições desde 2011 com mais de 40 premiações de ações exemplares;
9 – Elaboração de curso on-line sobre consumo sustentável oferecido à rede de educadores em 2014 (MEC e Meio Ambiente);
10 – Edital anual de apoio financeiro à produção audiovisual, ação conjunta com o MINC sobre os temas: mudança climáticas, resíduos sólidos e consumo consciente;
11 – Apoio à implementação da IN 001/2010 do MPOG para incentivar os gestores públicos a pratica as licitações sustentáveis com a capacitação de 1.000 gestores em 2012;
12 – Firmou o pacto da substituição de geladeiras e refrigeradores verticais, com nova tecnologia livre de emissões dos gases do Efeito Estufa com a Unilever (2011);
13 – Firmou o pacto para redução de sacolas plásticas com a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados);
14 – Firmou o pacto de promoção da redução de embalagens e da utilização de concentrados com a ABIPPLA – Associação Brasileira dos Produtos de Limpeza;
15 – Firmou o pacto de promoção de ações de reciclagem de embalagens com a ABEVD (Associação das Empresas de Venda Direta) com o engajamento de 1,8 milhões de revendedoras porta-a-porta;
16 – Instituiu a Rede Brasileira de Mulheres Executivas para a Sustentabilidade, com uma agenda de promoção do consumo sustentável e de negócios sustentáveis com inclusão, engajando 400 empresárias e executivas do setor publico; esta Rede teve 4 encontros nacionais e participou ativamente da RIO +20;
17 – Realizou 4 campanhas de coleta de lixo eletrônico em parceria com as companhias de metrô de 4 capitais Brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro) com a coleta de mais de 40 toneladas deste tipo de lixo (eletroeletrônico) dando a ele destinação correta;
18 – Instituiu no Brasil o Dia do Consumo Consciente (I15 de outubro) divulgando neste dia pesquisa realizadas no Brasil;
19 – Publicou a pesquisa nacional “O que o Brasileiro pensa do Desenvolvimento Sustentável e do Consumo” em 2012;
20 – Publicou a pesquisa nacional (parceria com Walmart e Unilever) O que as Mulheres Brasileiras pensam do Consumo Consciente (2012);
21 – Publicou a pesquisa em 11 capitais brasileiras sobre hábitos de consumo e de descarte da população maior de 18 anos (2011);
22 – Divulgou programas de produção e consumo realizados por outros ministérios, tais como PROCEL (MME); O Programa de Coleta e Reciclagem de Embalagens de Agrotóxicos (MAPA), o Selo Azul (da Caixa Econômica Federal), o Programa Esplanada Sustentável (liderado pelo MPOG), Escola Sustentável (MEC), o Programa de Redução de açúcar e sódio nos alimentos industrializados (MS-ANVISA), o PRÓ-CATADOR (MDS), o programa dse compras diferenciadas de produtos oriundos da Agricultura Familiar (MDA) e outros com fortes características de sustentabilidade.
23 – Divulgou iniciativas de empresas como o Walmart no programa “Carne Sustentável” e “End to end”, com o redesenho de produtos da sua cadeia de fornecedores; como o programa nacional de reciclagem de produtos eletro-eletrônicos da Philips do Brasil e dos das lojas verdes ou eco-eficientes do varejo como Carrefour, Pão de Açúcar e outras redes.
24 – Contribuiu para a divulgação massiva da Política Nacional de Resíduos Sólidos e para o alcance de metas da Política Nacional do Clima (PNMC),ao trabalhar articuladamente com associações empresariais ligadas á sustentabilidade como o CEBDS, Instituto ETHOS e CNI.
Propostas para os próximos 4 anos
1 – Revisão do PPCS para ajustar suas metas e colocá-lo em posição mais articulada com as ações da produção industrial e rural sustentável (MDIC e MAPA principalmente);
2 – Novas estratégias de implementação da PNRS que premiem as práticas mais eficientes e replicáveis;
3 – Criação de um Fórum Nacional da Produção Sustentável – visando articular as várias iniciativas;
4 – Criar programas de “empreendedorismo sustentável” – para promover os negócios verdes e a matriz de sustentabilidade nos pequenos negócios, com um spread diferente nos juros – Um “BNDES Sustentável” (cartão ou linha de crédito);
5 – Aumentar os componentes de sustentabilidade em programas como “Minha Casa, Minha Vida” para promover as edificações sustentáveis e levar o Brasil a ser case internacional;
6 – Realizar campanhas sobre alimentação saudável e envolver o MEC nesta iniciativa;
7 – Rever a política tributária dos recicláveis e reciclados desonerando a cadeia de produtos preferenciais (a serem eleitos);
8 – À semelhança da Lei do Bem e da Lei do Conteúdo Nacional, elaborar lei do “conteúdo sustentável”;
9 – Tornar obrigatório o programa A3P (hoje voluntário) na administração direta; avançar na certificação dos serviços públicos (metas de qualidade e de sustentabilidade);
10 – Estabelecer metas de compras sustentáveis para o Governo (hoje é de 0,8 para uma percentagem em torno de 5% em 4 anos);
11 – Exigir que as empresas parceiras do Governo publiquem relatório de sustentabilidade;
12 – Tornar obrigatório para empresas públicas um relatório de sustentabilidade simplificado, publicado anualmente na Internet onde seja relatada a redução de energia, água, otimização de matérias primas, licitações sustentáveis, coleta de resíduos, etc.
13 – Elaboração de uma Política Nacional de Produção e Consumo Sustentáveis envolvendo o Congresso e os atores mais relevantes do setor público e privado.
14 – Liderar uma iniciativa global em consumo sustentável, por exemplo, “merenda escolar sustentável”, com produtos orgânicos advindos da agricultura sustentável: cooperação Sul-Sul.
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O desafio da produção e do consumo sustentáveis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU