31 Outubro 2018
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Festa de Todos os Santos e Santas, do Ciclo B (1º de novembro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
O dia de Todos os Santos e Santas não é uma festa dos mortos, mas dos vivos: de todos os vivos, do passado, do presente e do futuro! É uma festa de alegria: reunidos todos, em comunhão com Deus.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar» (Apoc 7,2-4.9-14)
Salmo: 23(24) R/ É assim a geração dos que procuram o Senhor!
2ª leitura: «Nós o veremos tal como ele é.» (1 João 3,1-3)
Evangelho: «Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.» (Mateus 5,1-12)
Todos santos sim; você, eu, todos nós. Quando os primeiros escritos cristãos falam de "santos" é para designar os membros da comunidade que foram batizados em nome do Cristo: os que foram "santificados". As Escrituras, no entanto, ignoram aquelas categorias muito bem compartimentadas: é preciso acrescentar aos batizados, aos santos atuais, as grandes figuras do Antigo Testamento. O Apocalipse alarga ainda mais a perspectiva: seu texto não se serve da palavra "santo", mas fala dos "marcados com o selo". Doze mil é um número simbólico, para cada uma das doze tribos de Israel, e mais uma multidão de não israelitas a tal ponto numerosa “que ninguém podia contar”. Conforme o modo corrente de se representar as coisas, trata-se aí da população celeste, da população do "outro mundo", do "mundo que está por vir". Mas corrijamos: este mundo já está presente para nós, como sendo a face escondida do nosso mundo atual. Fazemos parte dele.
Por isso é que falamos em "Comunhão dos Santos". O que chamamos de "eternidade" é como a dimensão vertical da horizontalidade temporal das nossas vidas. E esta dimensão vertical, divina, torna-nos indestrutíveis, capazes de atravessar a morte. Com a festa de Todos os Santos e Santas, celebramos, não o passado (os santos de outrora, desaparecidos) nem o futuro, mas o presente, que, aliás, está prenhe de um passado que foi salvo e de um futuro que verá ser revelada a salvação. Não há, pois, nenhum tempo perdido: aqui e agora, a cada instante, soa a hora de Deus, inesgotável.
Pode parecer artificial ligar Todos os Santos com a Criação. Mas a segunda leitura nos convida a isto. Ela articula o presente (desde agora somos filhos de Deus) e o futuro (o que seremos não apareceu ainda). Será que se trata de uma simples distinção, entre uma realidade atual e a sua revelação final? Não. O texto, de fato, nos diz que só nos tornaremos semelhantes a Ele (quer dizer, totalmente filhos seus) quando O virmos assim como Ele é.
Em resumo, ser "imagem e semelhança" de Deus, o que equivale a ser plenamente criados, feitos nós mesmos por inteiro, não pode realizar-se enquanto, para nós, Deus for um desconhecido ou, pior, for mal conhecido. Porque estamos em vias de criação e, ainda, não totalmente conformes ao Amor; somos incapazes de representar-nos o Amor absoluto. Tanto assim que vemos Deus como avaro dos seus dons (à imagem do que somos nós), como um mestre exigente que colhe onde não semeou; para resumir, um deus assim como simbolicamente nos é apresentado pela serpente, em Gênesis 3. Atravessar esta desconfiança nos transporta já para o final do nosso percurso de criação, fazendo-nos entrar na comunhão de Todos os Santos. O que jamais, neste mundo, adquirimos de uma vez por todas. Temos de retomar este processo a cada vez, por ocasião de tudo o que acontece em nossa vida. E, por aí, já estaremos em comunhão com os que chegaram ao final do percurso, que significa estar em comunhão com Deus.
A santidade não é a princípio nenhuma perfeição moral, pois, sendo o outro nome de Deus, não poderia ser conquistada por qualquer esforço próprio. É o dom de Deus comunicando-se conosco, fazendo-nos participar da sua própria natureza. Não nos fazemos santos, somos "santificados" ou, como diz Paulo, "justificados", para além das nossas falhas. É um paradoxo: entramos na santidade ao crermos em nossa santificação, ao crermos no Amor daquele que nos amou primeiro. E, em seguida, ao deixarmos o espaço livre para este Amor que nos é comunicado como sendo o nosso próprio bem, o nosso próprio dinamismo; isto é precisamente o que significa o dom do Espírito.
O Espírito não nos faz produzir imediatamente ações concretas, que sejam conformes ao Amor. Não. Ele é "Conselho" e não nos substitui em nossa liberdade; na falta desta, a "santidade" de Deus não se tornaria nossa. Mas crer no Amor sob o sopro do Espírito faz-nos mudar de ótica, nos dá sabedoria: a sabedoria das Bem Aventuranças. Podemos notar que as Bem-Aventuranças não nos prescrevem ações particulares, mas abrem-nos as portas a um mundo novo, ao mundo dos "Bem-aventurados", mundo de uma felicidade cuja consciência não pode ser adquirida de seu exterior. Só a conhecem os que aceitam entrar neste "Reino". Devemos repetir, Todos os Santos é a celebração da vitória de Deus que é também a vitória dos homens e das mulheres: da humanidade.
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Uma festa de alegria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU