Por: André | 04 Março 2015
Ele foi professor de Bergoglio e, hoje, pode ser considerado seu amigo. O jesuíta Juan Carlos Scannone (foto) deu aulas de grego e literatura ao hoje Papa Francisco. “Não era o melhor da classe, mas um dos melhores, sim”, afirma, com um sorriso. E com as ideias claras, como agora: “O Papa quer uma Igreja enviada e referida a todos, que passe por uma conversão pastoral e abandone as estruturas caducas”.
Fonte: http://bit.ly/1EdppL3 |
A entrevista é de José Manuel Vidal e publicada no sítio espanhol Religión Digital, 01-03-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Hoje, temos o prazer de conversar com o Pe. Juan Carlos Scannone, jesuíta argentino dos poucos que podem gabar-se de ter sido professores do Papa Francisco e, em termos pessoais, seu amigo. Deu-lhe aulas de grego e de literatura?
Dei-lhe aulas antes que fosse jesuíta. Amigo pessoal é dizer muito, mas convivemos 10 anos, como companheiros de comunidade.
Companheiros na Companhia. Você, agora mesmo, é colunista, em Roma, da La Civiltà Cattolica. Volta para a Argentina?
Em meados de março. Continuarei colaborando e virei para alguma reunião, mas já não morarei na cidade da La Civiltà Cattolica.
Você é considerado um dos mais importantes representantes da Teologia do Povo, que é a teologia-raiz do Papa Francisco.
É uma das suas raízes teológicas. Um apoio. Bem agora acaba de aparecer um artigo meu na revista Razón y Fe sobre o Papa Francisco e a Teologia do Povo. Eu penso que sim, que, sobretudo, a exortação Evangelii Gaudium, bebe muito da Teologia do Povo. Além disso, o Papa a leva adiante: ele coloca em prática a reflexão teológica e pastoral.
Além disso, é um Papa pastor, mas que faz teologia.
Ele tem uma base teológica sólida, mas, além disso, não apenas a recebe, mas também a elabora, sempre com um enfoque pastoral.
E, depois, tem essa qualidade inata de saber comunicá-la tão bem.
Sim, ele sempre falou muito bem, nessa forma ao mesmo tempo profunda e simples que as pessoas entendem, não apenas os teólogos ou os clérigos. Todo o mundo o entende sem ser especialista. Como acontece com o Evangelho, que não por ser simples deixa de ser profundo.
O senso de humor, essas saídas espontâneas que tem, é típico da Argentina ou é algo pessoal dele?
Bom, há muitos argentinos que o têm. Eu, por exemplo, não. É seu e faz parte dele.
A Teologia do Povo é um ramo da Teologia da Libertação. Em que se diferenciam?
Para mim, pode-se considerar que é comum a todos os diferentes ramos ou correntes da Teologia da Libertação o fato de se fazer teologia a partir da opção preferencial pelos pobres. Usa a mediação, para pensar a realidade histórica dos pobres, não apenas da Filosofia – o que faz a Teologia como ciência –, mas das Ciências Sociais e Humanas. Acontece que [a Teologia da Libertação] privilegia mais uma análise social, socioestrutural (Sociologia, Economia...), ao passo que a Teologia do Povo vale-se mais das Ciências da Cultura e da Religião. Da História, sem negar a contribuição da análise social como mediação. Em vez de usar a análise social marxista ou liberal, a Teologia do Povo emprega categorias (para pensar a teologia...) encontradas na História, na cultura da América Latina. E, em particular, na Argentina.
Entre as categorias mais importantes: a inculturação é o princípio da encarnação?
Claro, mas isso já não é somente da Teologia do Povo. João Paulo II, em nível do Magistério, foi o primeiro a usar a palavra inculturação. Ele disse que é análoga à encarnação. De fato, em um dos seus documentos – o de Puebla – fala, inspirado na Teologia do Povo, nesta linha de pastoral popular, da encarnação da fé nas culturas. O padre Arrupe havia usado a palavra inculturação, mas sem fazer Magistério. Recordo que, em 1981, já a exortação pós-sinodal da catequese falava da inculturação, termo tão recente. Antes disso, o Papa João Paulo II havia falado à Comissão Bíblica sobre a inculturação da Palavra de Deus nas culturas da Bíblia. Em 1985, tivemos em San Miguel, na Argentina, um congresso sobre a inculturação do Evangelho. Foi organizado pelo Bergoglio, que era o reitor das Faculdades de Filosofia e Teologia de San Miguel. Eu montei, sobretudo, toda a parte da preparação acadêmica, e ele teve, já nessa época, o interesse de dar muita importância, em seus discursos, à inculturação.
Na Evangelii Gaudium, fala da evangelização como inculturação: diz que a fé entra nas pessoas através dos povos; da sua cultura. Purificando as culturas do que possam ter de não humano (por exemplo, a antropofagia, a poligamia, o sacrifício humano, coisas assim); purificando-as para levar à perfeição tudo o que há de bom na cultura. De tal maneira que ele fala do rosto multiforme da Igreja. Pluricultural. Embora tenha havido culturas que serviram à encarnação da fé (a hebraica, a grega, a latina, a germânica, a eslava...) a fé não se identifica com nenhuma cultura, nem sequer com a europeia, mas vai encarnando-se em todas, transculturalmente, purificando-as... Não nega a cultura, pelo contrário: exalta-a. Os teólogos dizem que a Graça supõe a natureza. Pois eu creio que a Graça supõe a cultura. A cultura, isto é muito interessante, seria uma espécie de segunda natureza. O estilo de vida de um povo, na definição do Concílio Vaticano II, não é apenas sua compreensão sociológica.
Não há o risco, que se está correndo agora na Europa, de que a cultura religiosa fique restrita, como na Espanha, apenas à cultura religiosa, sem dar o passo à fé?
Penso que na Espanha, não sei agora, mas antes era como na América Latina: a religiosidade não é senão o momento cultural da fé encarnada. O documento de Puebla diz, de forma eloquente, que a densidade popular na América Latina é “catolicismo popular”. Em todas as culturas, mesmo naquelas que não conheceram o Evangelho, há sementes do Verbo. Tinham-nas as culturas pagãs da Grécia e Roma. Na América Latina, nas culturas mais majoritárias, não há apenas sementes do Verbo, mas frutos. A fé já frutificou em formas culturais.
Recuperou-se, depois, a religiosidade cultural?
Claro. Não vivida como folclore, mas com a fé. O problema das formas é que, com o passar do tempo, convertem-se nisso: em representações externas. Folclore. Mas realmente, na origem eram manifestações da fé. Na América Latina continua sendo assim: não é folclore, mas Evangelho encarnado em cultura. Um exemplo: o próprio Bergoglio levou uma nova devoção para Buenos Aires, que logo se propagou para boa parte da Argentina.
A Nossa Senhora Desatadora dos Nós?
Sim. Porque a Igreja dos jesuítas em Habsburgo tem uma pintura que é muito bonita (eu fui vê-la não por devoção, mas como obra artística), a Nossa Senhora que desata nós. Há um anjo que vai levando os nós a Maria e outro que vai recolhendo as fitas, já desatadas. Vê-se que lhe deu muita devoção, e a levou para Buenos Aires, sendo jesuíta. E depois, quando creio que já era bispo auxiliar, fizeram, na Universidade do Salvador, um convite – creio que para o Natal – no qual aparecia a N. Sra. Desatadora dos Nós. Eu mesmo celebrei, no ano passado, quando passei por lá, a missa nessa famosa capela de Habsburgo. Ali as pessoas têm muita devoção; a missa diária sempre está cheia, e isso não é comum. Ele “a levou”, mandaram-na para uma destas festas da Universidade do Salvador e essa devoção pegou entre o povo de Buenos Aires. Na primeira oportunidade.
Agora se faz uma peregrinação...
E não só. Por exemplo, em Buenos Aires há uma reprodução da imagem da Alemanha. Tal qual. Tornou-se um santuário. Tanto assim que às vezes as pessoas do bairro protestam, porque por aí passa muita gente, sobretudo nos dias 08 (08 de dezembro é a Imaculada Conceição). Em San Miguel, onde moro, um pároco jesuíta fez pintar a virgem por um pintor popular, não muito artístico: a verdadeira é muito bonita, mas esta é bastante feia. Mas, isso, para as pessoas, pouco importa: elas têm muita devoção. Embora não seja domingo. As pessoas vão para tomar a Graça, para tocar a N. Sra., por conta do que se formam imensas filas. E grandes conversões: o pároco me disse que conseguiu cativar a juventude através dos colégios paroquiais, a família através de não sei o quê... Mas que as pessoas que nunca foram à Igreja nunca conseguiu que voltassem a não ser para algum batizado... E então chegou a Desatadora dos Nós, e com ela, pessoas que há 30 ou mais de 40 anos não se confessavam, voltaram a receber os sacramentos.
Foi um milagre, o de Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Há pessoas que não vão à missa aos domingos, mas que vão nos dias 08. Foi, em San Miguel e em toda a zona das proximidades, uma comoção religiosa muito forte. A Graça de Deus deve ter intervindo: não é algo meramente sociológico.
O que o Papa quer fazer com a Igreja? Torná-la mais evangélica?
Claro. Quer, além disso, que seja missionária e passe por uma conversão pastoral. O documento de Aparecida, do episcopado latino-americano e caribenho, redigido no final das contas por uma comissão presidida pelo próprio Bergoglio (por isso tem tanto carinho por este documento: dá-o de presente aos presidentes da América Latina), fala de maneira muito clara de uma conversão pastoral da Igreja, que deve abandonar as estruturas caducas. É o que está fazendo agora, já não em nível da arquidiocese da Argentina, quando era presidente da Conferência Episcopal, mas em nível universal: uma Igreja de discípulos missionários. Não uma coisa ou outra, mas as duas como uma mesma tarefa. Porque, se somos discípulos de Cristo, necessariamente devemos ser missionários. Então, ele fala de uma Igreja em saída, que não se fecha sobre si mesma. Disse que preferia uma Igreja acidentada porque foi capaz de sair do que uma Igreja não enferma porque ficou em casa.
Isso supõe uma revolução, embora tranquila?
Eu penso que sim. Está sendo uma verdadeira e profunda reforma. Na Argentina, eu via o que agora vejo na Itália: os que estão fora da Igreja se sentem interpelados. Há pessoas que são ateias, e, no entanto, este Papa as toca. Por exemplo, o diretor do jornal La República sente-se interpelado. O mesmo acontece com outras religiões. De fato, ele, quando era arcebispo de Buenos Aires, fomentou muito o diálogo entre maometanos, cristãos e judeus. Não foi fácil, entre os três em vez de sempre a dois. Ele tem amigos (o rabino que escreveu com ele um livro, um líder imã argentino com quem abraçou o muro...) com os quais estabeleceu um diálogo impressionante. Devemos saber que Buenos Aires, embora a maioria seja formada por cristãos e católicos, tem uma das comunidades judaicas mais importantes do mundo, depois de Israel e dos Estados Unidos. Proporcionalmente, sua comunidade judaica é muito importante e há judeus em lugares chaves da sociedade: professores universitários, jornalistas, artistas e outros intelectuais. Mas também, pela forte emigração sírio-libanesa, embora haja muitos católicos maronitas, também há muitos muçulmanos. Não apenas em Buenos Aires, mas em toda a Argentina. Sobrenomes que parecem espanhóis, na verdade são árabes que os tomaram na Espanha, segundo dizem. Como Menem, eles têm postos importantes na política. Ele era de origem muçulmana, convertido ao catolicismo. A importância das famílias judaicas e muçulmanas é vigente, e esse diálogo era fomentado por Bergoglio.
Qual é o programa do Papa? Trata-se de descongelar o Concílio?
Bom, não creio que estivesse congelado. Mas tinha menos vigência e era preciso revitalizá-lo. Ele, certamente, quer levar o Concílio Vaticano II à prática. Mas eu penso que não é só isso: é mais. Uma reforma da Igreja a partir de um retorno mais profundo ao essencial do Evangelho. Sem negar as outras coisas, mas não colocar o acento, por exemplo, nos princípios morais, mas ir à raiz destes princípios, da ética cristã, que é o Evangelho de Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, fazer nascer dali uma vida moral cristã.
Ele está dando muita importância à Ásia, por exemplo, porque vê aí um país muito católico, como as Filipinas; a Coreia, onde já boa parte da população é cristã; o Vietnã, com muitíssimas vocações... Mas, em geral, a Ásia não foi evangelizada. A China, a Índia, o Japão... Está dando muita importância à Ásia por esta questão. Elemento importante também para o futuro é a África, onde há muitas conversões, mas onde há a problemática dos muçulmanos extremistas, assim como o Iraque e a Síria, por sua vez... Ele quer a paz, a justiça para todos, cristãos ou não cristãos. Humanos. Isso em nível pessoal. Em nível da Igreja quer avançar para a missão. A Igreja não é a Europa. Já a América Latina é uma reserva, mas agora estes continentes são o objetivo.
Esta revolução supõe uma reforma da sinodalidade e da colegialidade?
Quando apareceu na sacada de São Pedro, mostrou-se como bispo de Roma com uma eclesiologia implícita, porque fez um apelo às outras Igrejas. Com o tema da sinodalidade e da colegialidade, à Igreja ortodoxa. Aos bispos. Como ele destacou ser bispo de Roma e ter que fazer-se ser amado pelo povo... A importância do laicato (fala disso no Rio de Janeiro): não quer uma Igreja clerical, mas com um laicato adulto, que foi um pouco a origem dos símbolos e dos ritos da Igreja popular. Não são da Igreja oficial, mas podem colaborar com ela – a Igreja popular com a oficial – organizando o laicato. Foi o laicato que gerou essas formas rituais (procissão, etc., etc.), que propiciou, na América, o encontro entre as duas culturas, a indígena e a espanhola. Isso cria primeiro a devoção popular e depois é aceito pela Igreja oficial. No começo, os bispos de La Rioja e Córdoba – ambos na Argentina – suspeitavam destas devoções, das procissões e dos encontros. Passaram a aceitá-los quando já houve bispos de La Rioja que tinham essas devoções, e assim... Mas nasceu do povo, criador de símbolos e ritos, consciente de si mesmo.
Quem são os mais reticentes em aceitar oficializar estes costumes? E a reforma, quem são os mais resistentes: a cúria, os cardeais...?
Não se pode generalizar: há pessoas na cúria... há alguns cardeais... etc. Eu o diria desta maneira: quando o Papa fala que a realidade é superior à ideia na Evangelii Gaudium, critica muitos “ismos”. Chama a atenção para os eticismos sem bondade e para a inteligência sem sabedoria, que seria um intelectualismo. A ética é fundamental, mas sem bondade já não é ética: seria mera ideologia. A atitude de superioridade moral, de condenação rígida, é muito criticada pelo Papa.
Por que caímos nisso?
Alguns caíram. De fato, não me lembro exatamente da expressão, mas em uma das suas meditações Francisco fala que é a bondade que nos torna cristãos. A misericórdia nos distingue. Compreender não apenas os princípios, mas as pessoas. Nisto não deve haver conflito, ao passo que o princípio não se aplica ahistoricamente, casuisticamente... Como diria Santo Tomás de Aquino, julgar sem condenar, de forma analógica. Num domingo, um amigo meu, mexicano, falou da hermenêutica analógica: uma interpretação na qual se tem em conta, também, as pessoas, suas situações culturais e históricas... Assim se têm em conta as diferenças.
Algo parecido com o que Marciano Vidal, o grande moralista espanhol, quer refletir quando fala de uma moral não tanto de atos, mas de atitudes.
Bom, claro, ele parte do outro lado da mesma problemática. Mas eu, aqui, recalco mais este momento da analogia, muito tomista, que não é um princípio universal abstrato e ahistórico, mas que aplica o mesmo – mas não o igual – em cada situação histórica, cultural... O outro é a inteligência sem sabedoria: também Santo Tomás fala do conhecimento como conaturalidade. Também não é meramente uma emoção, mas que se sente com o sentimento e se entende com a inteligência. Sabe-se pelo afetivo, mas também pelo intelectual que isto não está bem ou que está mal. Santo Tomás, por exemplo, diz da castidade que, se uma pessoa é casta, sente que determinado tipo de atitudes não são puras, mas por uma conaturalidade com a própria coisa. Com o ato, puro ou não, ou com as coisas divinas... A conaturalidade é dada pelo amor. E os que vivem esse modo de viver a fé católica, com um intelectualismo nada sábio, são alguns dos que se opõem ao Papa.
É muito grande a porcentagem dos que se opõem ao Papa com mais resistência? Ele está questionando o tipo de vivência clerical dos bispos-príncipes... Não quer alardes, mas uma Igreja austera. E a pobreza até agora não era o normal na Igreja da Europa...
Bom, em alguns.
Em muitos. Aqui os bispos ainda hoje vivem em palácios.
Eu penso que, por isso, muitos estão seguindo o seu exemplo. Outros, possivelmente, resistem porque não concordam. Estive lendo estes dias a carta que São Bernardo escreveu a um filho espiritual seu que fizeram Papa. Depois lhe escreveria todo um tratado, de cinco livros. Chamava-se Eugênio III. É beato da Igreja, também. São Bernardo ocupou-se de criticar na Idade Média, nessas cartas, que aqueles que rodeavam o Papa se vestiam de púrpura e dormiam sob tetos de ouro. Então, diz a Eugênio III que tenha cuidado, porque ele é o pastor dessas ovelhas. Além disso, usa uma palavra muito forte, chama-os de “lobos” e de “escorpiões”. A tentação sempre existe. A tentação de buscar poder, riqueza, embora seja sob aspecto de bem (com o pretexto de culto divino, da hierarquia...). Por isso, o Papa quer voltar a Jesus de Nazaré. A Pedro, que era pescador. Criando uma Igreja mais simples e dedicada aos outros.
Foi o que ele disse, sim.
O Papa está fisicamente em perigo?
Todos os Papas estiveram em perigo. Houve, inclusive, vários atentados. Feriram, lamentavelmente, a João Paulo II... Li nos jornais, não conheço os detalhes. Além dos loucos, as pessoas contrárias podem colocá-lo em perigo. Mas, evidentemente, eu penso que está nas mãos de Deus. Ele não se cuida muito. Essa sua confiança radical em Deus é uma dor de cabeça para a Guarda Suíça e os responsáveis pela segurança...
Sente-se revestido de uma missão? Ele sabe que tem essa missão e que não conta com muito tempo?
Penso que sim. Ele sabe que tem uma missão, isso é obvio. O tempo... está nas mãos de Deus. Durante o consistório prévio ao conclave no qual foi eleito, as palavras que disse foram que ele queria uma Igreja que saísse, que não fosse autorreferencial. O contrário disso é a Missão. É ser enviado. O Pai envia Cristo, Cristo os apóstolos... Quer uma Igreja missionária, referida. A todos. Mesmo aos não cristãos. Mas especialmente aos que sofrem: aos pobres, aos doentes, aos inválidos...
Dizem que está pensando em renunciar aos 80 anos. Restariam dois anos.
Não creio. Renunciará, penso, quando sentir que não tiver mais forças físicas, mas não acredito que tenha uma data.
Uma vez iniciado o caminho, é previsível que se possa romper essa tendência e se chegue a involuir?
Tudo é possível, mas não creio que seja previsível. Sempre haverá resistências, pessoas que queiram voltar a épocas que já passaram, mas nunca o passado foi melhor, contradizendo a Manrique. E embora tivesse sido melhor, nunca se pode voltar para trás. Evidentemente, pode-se interpor tanta resistência que o ritmo pare ou diminua de velocidade. Mas penso que neste caso segue em frente e que há muito apoio de todo o povo. Os romanos parecem enlouquecidos, porque, no final das contas, é um Papa argentino, mas na Itália e em todas as partes o povo o apóia. E as pessoas que não se consideram Povo de Deus, mas que o veem de fora com simpatia. Nos Atos dos Apóstolos, quando o Sinédrio convoca os apóstolos e lhes diz que não devem pregar Jesus e os castiga com chicotadas, um deles, muito honesto, disse que houve muitos que disseram ser Messias, pessoas que os seguiram e aos poucos desapareceram. E que, se isso era de Deus (Jesus Cristo), avançaria. Se não era de Deus, morreria simplesmente com os apóstolos.
Isso é de Deus?
Eu creio que sim! E espero que, portanto, a coisa possa ir parecendo-se com o Céu, embora nunca vá a sê-lo, porque sempre somos pecadores (o próprio Papa o é, como ele mesmo diz). A Igreja é formada por pecadores e irremediavelmente sempre haverá inconsequências nela. Mas creio que este movimento tão forte que se está vendo é de Deus e vai conseguir seus frutos.
Terminamos. Ele está se convertendo, em todo o caso, em um farol de esperança. Não apenas para os católicos, mas para o mundo em geral. Se a Igreja foi capaz de mudar, por que não pode mudar o sistema econômico, financeiro, político, a ONU...?
É verdade que já se converteu num líder mundial. Mas até onde se ouviu é diferente. Por exemplo, Israel e Palestina, com sua visita à Terra Santa, mudou um pouco: reuniu-se com um presidente e o outro e ninguém disse que fosse um fracasso. Foi um impacto cultural forte, embora não lograsse as consequências políticas e militares desejáveis. Houve um avanço importante: isto é possível. O abraço. O líder muçulmano. O rabino. A Igreja, junto com as outras religiões ou com os leigos, pode provocar o mundo. Não é a única coisa, mas o Papa Francisco já está tornando isso possível.
Como argentino e como jesuíta, sente-se orgulhoso com este Papa?
Muito contente: sou argentino, jesuíta e, além disso, convivi muito com ele.
Era um bom aluno?
Não o melhor da classe, mas um dos melhores, sim.
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“O Papa quer uma Igreja enviada e referida a todos”. Entrevista com Juan Carlos Scannone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU