Por: Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos | 28 Agosto 2018
Um dos princípios fundamentais da Política Nacional da Assistência Social e para a ação estratégica de profissionais do Sistema Único da Assistência Social é a matricialidade, que se refere à centralidade na família. A família é o núcleo afetivo das pessoas que possuem laços consanguíneos em aliança ou afinidades e que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações geracionais e de gênero.
Neste ano, o ciclo de estudos e debates Trabalhadoras(es) do Sistema Único da Assistência Social, com base no Atlas da Violência 2018, elegeu como foco de debate desenvolver estratégias que fortaleçam o protagonismo e o empoderamento de mulheres e juventudes, que são mais impactadas pela violência no Brasil.
A abertura aconteceu no último dia 23 de agosto, com a temática Estratégicas políticas contra a opressão do patriarcado, com a assessoria de Solange Fernandes (PUCPR). Trata-se de uma iniciativa do CEPAT em parceria com o Instituto Humanistas Unisinos - IHU.
Quando se trata de discutir as mulheres e as violações de direitos humanos que sofremos, diariamente, faz-se necessário compreender a lógica patriarcal. Segundo Solange Fernandes, “é um sistema que se pauta nas ações fundadas na concepção de superioridade e dominação masculina. Da mulher se espera submissão e subserviência. Nesse sistema, as mulheres são propriedade dos homens, por isso sempre disponíveis para ele. E a violência é a punição para aquelas que não se enquadram no papel destinado a elas, como de boa mãe e boa esposa”.
Nós, mulheres, buscamos romper com essa lógica. Trilhamos caminhos de lutas e conquistas pelos direitos sociais e políticos. Tais direitos estão sendo sistematizados e conquistados ao longo da história e temos como marcos importantes a Revolução Francesa (1789-1799) e o movimento feminista que teve origem em 1848, na Convenção Internacional dos Direitos da Mulher, em Nova Iorque. E no Brasil o primeiro direito conquistado por nós foi o voto, em 1932.
Momento de debate (Foto: Ana Paula Abranoski)
Apesar das diversas conquistas históricas, ainda rege em nossa estrutura social e na gestão pública do estado, nos poderes executivo, legislativo e do judiciário, a visão majoritária do machismo. Os altíssimos índices de violência contra a mulher também são prova disso. No Brasil, a cada 11 minutos, uma mulher é vítima de estupro (Anuário Brasileiro de Segurança Pública) e 70% desses casos são contra crianças e adolescentes (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, com base em dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde). A cada 7,2 segundos, uma mulher é vítima de violência física (Relógios da Violência, Instituto Maria da Penha).
Mesmo com todos esses dados alarmantes, no ano passado, com as diversas medidas de austeridade do governo Michael Temer, foi retirado o status de Ministério da Secretária Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, o que representa a diminuição no orçamento público que reverbera na efetivação da política pública para a mulher, principalmente na interiorização dos serviços de proteção, cujo avanço se deu apenas nos grandes centros urbanos.
Isso se confirma com os diversos depoimentos das(os) trabalhadoras(es) do SUAS, que participaram do encontro. Muitas delegacias da Região Metropolitana de Curitiba e membros do Ministério Público se recusam a realizar os procedimentos legais previstos na Lei Maria da Penha, como a efetivação da denúncia. Só fazem isto quando as mulheres vão acompanhadas por profissionais dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS) ou por profissionais do Direito. Em muitos casos, as avaliações desses profissionais têm marca conservadora e preconceituosa, por não compreenderem que o ciclo da violência gera um comportamento doentio e simbiótico, fazendo com que a mulher não consiga se enxergar como promotora de sua própria vida e não se veja vivendo sem o seu algoz.
Na avaliação de Fernandes, este é o mundo que elas conhecem e nós como profissionais “possuímos como instrumental o compromisso ético político da profissão, os princípios da política da assistência social e os direitos humanos que nos faz sermos setas que indicam o caminho através das intervenções profissionais e da sororidade”.
Sororidade é um conceito presente no feminismo, que significa a união e aliança entre as mulheres, pautado na atitude de não fazer julgamentos entre nós que fortaleça os traços de preconceito criado nessa sociedade machista e patriarcal. Esse conceito é definido pela dimensão ética, política e prática do movimento de igualdade entres os gêneros. E aí está o enfrentamento diário e o desafio de construir estratégias profissionais para dentro dos serviços socioassistenciais e para fora, junto à rede de atenção e proteção à mulher.
A formação político-cidadã para as autoridades policiais, judiciárias e servidores públicos sob a perspectiva de gênero é uma das possíveis saídas para que a mulher não receba mais sua condenação num simples balcão de atendimento, mas que os processos as empoderem e que se tornem agentes multiplicadoras de uma nova lógica social.
Segue, abaixo, a lista deixada por Fernandes para acessar alguns dados de violência contra a mulher:
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Mulheres em aliança contra a violência e os ditames do patriarcado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU