25 Novembro 2017
"Confrontando-se com as autoridades religiosas Jesus desencadeou um processo de autocrítica nos homens para libertar a mulher da função tanto social quanto simbólica de que foi investida durante séculos. Cria as condições para relações paritárias entre homens e mulheres, para o fim de toda violência masculina nos nossos confrontos", escreve Elizabeth Green, pastora, em artigo publicado por Il Regno delle donne, 23-11-17. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tem alguma relação entre o 25 de novembro e as religiões? Muita, porque a opressão sexista das religiões, tanto no plano doutrinal como pastoral, tem inegável impacto no plano dos costumes e dos comportamentos na sociedade.
O Dia Internacional para a eliminação da violência contra as mulheres é uma oportunidade importante para pensar sobre as muitas faces e multíplices causas de um fenômeno transversal no tempo e no espaço, e poder, então, identificar e apoiar percursos de mudança.
As religiões representam um ponto crucial: muitas vezes alimentaram - e continuam a alimentar - o terreno da cultura da violência, porém podem ser um lugar importante para reformular as relações entre os sexos, desvinculando-as dos modelos patriarcais.
Embora sejam as mulheres, através dos centros antiviolência, que se ocupam da violência masculina nos nossos confrontos, o problema subjacente não é nosso, mas sim dos homens. Isso é evidenciado pelo episódio dos "homens apanhados em pecado" mais conhecido como o episódio da "mulher adúltera" (cf. Jo 8,1-11).
Lembram-se da controvérsia em torno do burkini? Na praia o corpo das mulheres deve ser escondido ou exposto? Mais uma vez, o corpo feminino medeia a relação entre homens, ou seja, entre duas visões masculinas do mundo. Acontece algo similar no episódio da mulher adúltera. Os homens estão prontos para apedrejar uma mulher porque infringiu a lei que lhes garante o controle de todas as mulheres. Ela é colocada no meio, mas como pessoa não tem nenhuma importância. É objeto de um debate que não diz respeito a ela, mas sim a Jesus, um acerto de contas todo masculino.
Os escribas e os fariseus querem colocar Jesus à prova para poder acusá-lo.
Se ele disser que não se deve apedrejar a mulher estará se colocando contra a lei de Moisés; se disser para apedrejá-la cairá em contradição consigo mesmo: ele não tem acaso vindo para salvar e não para julgar?
Nesse diálogo entre homens, então, Jesus escreve no chão. Gesto estranho que deixa sozinhos em um espaço todos deles escribas e fariseus. À sua insistência, porém Jesus responde: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar a pedra contra ela", e inclina-se novamente. Os escribas e os fariseus, porém, não resistem ao confronto com a própria consciência. Eles acusaram a mulher para acusar Jesus. Agora se encontram eles mesmos acusados! Não é a mulher que foi apanhada em adultério, são eles que foram pegos em pecado. Saem um a um, a partir do primeiro que atiraria a pedra contra a mulher.
Os escribas e fariseus compungiram-se em seu coração. Eles sabem que a lei de Moisés atinge a eles primeiro.
É como se já soubessem as palavras de Paulo: “Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. Eis que tu que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus. Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras?” (Rm 2,17-22).
Jesus desencadeou um processo de autocrítica e eles saíram de cena. Não havendo mais relações entre homens para mediar, a mulher perde a sua função, o poder do patriarcado se dissolve. As palavras de Jesus abriram brechas nos corações dos homens. Os fariseus e os escribas tornaram-se conscientes dos próprios pecados e saíram de cena, deixando a mulher em paz. Jesus cria um espaço onde os homens, refletindo sobre si mesmos, renunciam a uma cultura baseada no controle do corpo feminino e, portanto, sobre a violência contra as mulheres. Seus seguidores são chamados a fazer o mesmo.
Reconhecendo-se não sem pecado os homens encontram-se no mesmo idêntico nível da mulher acusada de adultério. A mulher é libertada da sua função na sociedade patriarcal e, à custa do que dizem as Escrituras, o seu "adultério" não é mais um ato a ser chamado pecado. E só agora, livre da ameaça de feminicídio, a mulher é finalmente si mesma. Na verdade, só agora Jesus dirige-se para ela, porque só agora é possível uma relação autêntica entre mulheres e homens, à insígnia da subjetividade. "Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?".
Livre do papel que o patriarcado tinha lhe atribuído, não mais objeto da violência masculina, a mulher toma a palavra.
Libertando os homens da necessidade de projetar sobre as mulheres o seu pecado, Jesus abriu o espaço necessário para que a mulher encontre a sua própria voz. "Ninguém te condenou? Ninguém, Senhor".
Queremos que a condene Jesus? Queremos que restaure a ordem patriarcal? É uma tentação à qual as igrejas não resistem. Jesus, ao contrário, fala: "Nem eu te condeno; vai-te e não peques mais".
Como Paulo afirma: "Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte" (Rm 8,1-2).
Confrontando-se com as autoridades religiosas Jesus desencadeou um processo de autocrítica nos homens para libertar a mulher da função tanto social quanto simbólica de que foi investida durante séculos. Cria as condições para relações paritárias entre homens e mulheres, para o fim de toda violência masculina nos nossos confrontos.
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Religiões e violência de gênero. Onde estão os teus acusadores? Jesus e a pedra do patriarcado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU