As chacinas no Brasil não são mais resquícios da ditadura, mas marcas de nossa frágil democracia. Entrevista especial com Carolina Grillo

Para a pesquisadora, o número e a incidência de mortes em massa revelam que essas ações já estão, perigosamente, no imaginário de combate ao crime. Isso fragiliza e fere o amplo sentido de sistema democrático

As chacinas, como a da Candelária, em 1993 no Rio de Janeiro, estão sempre no imaginário brasileiro. Na foto, crianças fazem performance para lembrar o massacre que matou oito jovenzinhos | Foto: Agência Nacional de Favelas

Por: João Vitor Santos | 06 Junho 2022

 

O senso comum diz que democracia é o direito de todos. Mas a forma como se vive a democracia pode revelar que ela nem sempre é para todos. Um país que usa a morte como estratégia de segurança pública e estigmatiza os marginalizados como criminosos, encarcerando e matando, não pode se considerar plenamente democrático. De outro lado, não se pode ignorar a presença do crime organizado que, se valendo desse frágil sistema, cresce e corrói esse mesmo Estado que prega a morte.

 

Para a professora Carolina Grillo, tudo isso pode ser pensando a partir da recorrência e da intensidade de chacinas que temos visto e vivido. Se antes esse modo de agir era visto como desvio de quem ainda estava com a cabeça nos tempos de repressão, hoje não se pode pensar o mesmo. “As chacinas policiais já não podem mais ser pensadas como resquícios autoritários herdados do período da ditadura civil-militar, mas sim uma marca da nossa democracia. Se a expectativa era que, com a democratização política, o uso oficial da força policial passasse a ser pactuado e regulado, o que se observa é um aumento da violência policial no período democrático”, aponta.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Carolina analisa a recente chacina no Complexo de Favelas da Penha, no Rio de Janeiro, num contexto mais amplo. Constata que “o controle dos territórios de moradia de baixa renda por grupos armados ainda é um grave problema em toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As milícias atualmente controlam extensões territoriais mais amplas do que as chamadas facções ou comandos do tráfico de drogas, mas não são um problema alternativo ao do tráfico”.

 

A pesquisadora também observa como o Estado acaba sendo infiltrado e contaminado pelo crime quando não encara as desigualdades. Não é que a criminalidade seja um problema menor, mas ambos estão intrinsicamente ligados. “Em vez de enfrentar as desigualdades, o Estado vem investindo em incapacitar essas populações indesejáveis por meio do encarceramento e do extermínio, ou em expulsá-las sucessivas vezes dos espaços que elas ocupam, conduzindo-as para cada vez mais longe”, observa. E completa: “enquanto não houver a compreensão de que a violência não é apenas um problema de segurança pública, mas sim um problema político, social e econômico, a situação tende a se agravar e a violência de Estado vai continuar aumentando”.

 

Carolina Grillo (Foto: Arquivo pessoal)

 

Carolina Grillo possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestrado em Sociologia e Antropologia e doutorado em Sociologia e Antropologia pela mesma instituição. Atualmente é professora colaboradora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense – UFF, realizando pós-doutorado na mesma instituição. Ainda é pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana –NECVU, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Confira a entrevista.

 

IHU – Que leitura a senhora faz do crime organizado na periferia do Rio de Janeiro hoje? Já superamos o problema do narcotráfico pelo das milícias?

 

Carolina Grillo – O controle dos territórios de moradia de baixa renda por grupos armados ainda é um grave problema em toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As milícias atualmente controlam extensões territoriais mais amplas do que as chamadas facções ou comandos do tráfico de drogas, mas não são um problema alternativo ao do tráfico. Talvez, sim, um problema mais grave ainda.

 

Em muitos territórios controlados por milicianos há também o comércio ilegal de drogas e existem evidências consistentes de que milicianos se aliaram ao Terceiro Comando Puro para enfrentar o Comando Vermelho. As milícias vêm se envolvendo em disputas territoriais com facções do tráfico e contam com o benefício da baixa repressão policial, devido à grande participação de agentes públicos em seus quadros. É nesse sentido que se destacam como um agravamento da questão do controle territorial armado.

 

IHU – É impressão ou vemos muito mais operações policiais em zonas dominadas pelo tráfico de drogas? Que análises a senhora faz sobre como as forças policiais tratam regiões dominadas pelo narcotráfico e zonas controladas pelas milícias?

 

Carolina Grillo – Não é impressão. Essa foi uma constatação empírica de uma pesquisa nossa, do GENI/UFF, intitulada “A expansão das milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado imobiliário e grupos armados”.

 

 

 

Após cruzar a nossa base de dados sobre operações policiais com o Mapa dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, constatamos que ocorrem poucas operações em áreas controladas e muitas operações nas áreas em disputa, ou controladas pelo Comando Vermelho. Assim, concluímos que o direcionamento do uso da força estatal favorece as milícias em detrimento das facções do tráfico de drogas.

 

 

IHU – Há uma lógica de que o narcotráfico age cooptando sujeitos das periferias enquanto a milícia atua por coerção. Isso é real? Como a senhora observa a relação das duas frentes de crimes junto a população nas comunidades?

 

Carolina Grillo – Tanto as milícias quanto as facções praticam a coerção sobre os moradores das áreas dominadas e se apresentam como oportunidades de trabalho para jovens periféricos. Há, contudo, algumas diferenças no modo como isso é feito.

 

O domínio exercido por milicianos tende a ser ainda mais arbitrário que o de traficantes, porque conta com maior respaldo das instituições de Estado. Uma pesquisa coordenada pelo Doriam Borges, do LAV/UERJ, mostrou que as taxas de homicídio são mais altas em áreas de milícia, indicando que as milícias recorrem mais frequentemente à violência letal para afirmar o seu poder. As relações desses grupos com grupos de policiais, políticos e demais agentes públicos lhes confere poderes maiores para subjugar a população e impor taxas sobre todas as atividades econômicas e serviços operantes em suas áreas.

 

As facções do tráfico também são arbitrárias, mas estão mais sujeitas à delação por parte dos moradores, mostrando-se, portanto, mais cautelosas para não despertar tanta indignação da população local. Quanto à cooptação, o tráfico acaba sendo de fato mais inclusivo, porque precisa de mais mão de obra para defender seus territórios do que as milícias, que contam com a proteção de policiais. Além disso, traficantes são presos ou mortos pela polícia com muita frequência e precisam ser substituídos. Assim, o tráfico emprega crianças, adolescentes, mulheres e mesmo pessoas com deficiência.

 

IHU – Qual a origem das milícias e como o seu surgimento reconfigura o cenário do crime organizado, especialmente no Rio de Janeiro?

 

Carolina Grillo – A formação das milícias foi um desdobramento dos grupos de extermínio formados por policiais que existem no Rio de Janeiro desde a década de 1950. A expansão urbana na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e em municípios da Baixada e do Leste Fluminense criou uma oportunidade para que grupos criminosos passassem a capitanear esse processo, grilando terras para lotear, vender e construir, além de lucrar com cobranças sobre a oferta de serviços essenciais como água, luz, transporte, segurança.

A participação de policiais, políticos e demais agentes do Estado nesses grupos é essencial para facilitar esse tipo de atividade ilegal e direcionar investimentos públicos para essas áreas, colocados sob a coordenação dos criminosos. Para tanto, os grupos de extermínio de outrora foram sendo transmutados em ou incorporados a essas novas empresas criminais, que passaram a atrair cada vez mais agentes públicos. As milícias, portanto, combinam a violência de Estado extralegal com práticas clientelistas arraigadas na política brasileira, formando um cenário extremamente perigoso para a nossa democracia.

 

 

IHU – Podemos afirmar que a criminalidade da periferia fluminense tem se alastrado pelo país?

 

Carolina Grillo – A criminalidade urbana nunca foi um problema exclusivo do Rio de Janeiro. Desde a segunda metade do século XX, as regiões metropolitanas de cada estado brasileiro testemunharam o desenvolvimento de dinâmicas criminais com suas particularidades locais. No entanto, é bem verdade que o modo de se organizar em facções formadas no interior das prisões surgiu no Rio de Janeiro e se popularizou no resto do país.

 

Não se trata de afirmar que grupos criminais fluminenses tenham se espalhado para o país inteiro, mas que os comandos do Rio de Janeiro, em particular o Comando Vermelho, elaboraram um repertório para a mobilização das massas carcerárias e a formação de alianças entre quadrilhas que passou a ser adotado em outros estados, tanto por franquias do próprio CV quanto por outros coletivos que foram surgindo. Cada facção tem suas particularidades e em cada estado ela assume feições diferentes. As lideranças do CV do Rio de Janeiro podem influenciar criminosos de outros estados, mas não há uma cadeia de comando a partir do Rio.

 

 

O que vem me preocupando bastante é a replicação do modo de se organizar das milícias, porque, como eu coloquei antes, tem implicações muito graves para o ordenamento político. Polícias de outros estados parecem estar se inspirando na atuação truculenta e corrupta das polícias fluminenses e isso é muito perigoso para o funcionamento das instituições democráticas.

 

IHU – É exagero comparar a violência do Rio de Janeiro e baixada fluminense com o que viveu a Colômbia? Que semelhanças e diferenças existem nos dois contextos?

 

Carolina Grillo – A questão do tráfico de drogas na Colômbia é muito diferente daquela que existe no Brasil, porque a Colômbia é um país produtor e exportador de cocaína, algo que não ocorre aqui. Os cartéis colombianos conquistaram tanto poder porque eram os principais fornecedores de cocaína para o gigante mercado consumidor norte-americano.

 

Além disso, os Estados Unidos interviram na política de drogas doméstica colombiana, visando o enfraquecimento dos grupos rebeldes de esquerda, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC e o Exército de Libertação Nacional – ELN. Os conflitos mais intensos ocorreram nas áreas rurais de plantio da coca, não se tratando tanto de um problema urbano, como no Brasil. A fase mais crítica dos conflitos armados na Colômbia foi na década de 1990, mas deixou como legado a proliferação de grupos armados de tipos variados, todos eles envolvidos com o tráfico de drogas, inclusive as Autodefesas Unidas da Colômbia, que são grupos de extrema direita com estreitas ligações com as Forças Armadas.

 

 

Semelhanças e diferenças

 

É possível sim encontrar semelhanças entre a situação da violência no Rio de Janeiro e o cenário atual das cidades grandes colombianas, mas há ainda diferenças significativas entre as nossas facções e milícias e as chamadas Bandas Criminais que atuam em cidades como Cali e Medelín. Como aqui, elas são grupos de atuação territorializada que operam o varejo de drogas e praticam roubos, extorsões e homicídios.

 

No entanto, são mais fragmentadas que as nossas facções e menos entranhadas no Estado que as nossas milícias. Não ocorrem lá conflitos armados intensos com a polícia, como ocorrem no Rio de Janeiro. Se, nas guerras entre cartéis dos anos 1990, as taxas de homicídio em Cali e Medellín foram as maiores do mundo, hoje Cali tem taxa de homicídios semelhante à de municípios da Baixada Fluminense e Medellín é menos violenta que o Rio de Janeiro.

 

IHU – Em termos de criminalidade, quais são as regiões mais conflagradas no Brasil e o que está por trás de toda essa violência?

 

Carolina Grillo – Já há vários anos, a região mais violenta do país é o Nordeste e, mais recentemente, o Ceará e a Bahia vêm despontando como os estados mais violentos. Não arrisco tentar explicar a violência nesses estados, porque nunca fiz pesquisa lá.

 

No entanto, o que chega a mim por meio das pesquisas de colegas é que há uma tradição de resolução dos conflitos por meio da violência letal herdada do processo de formação política brasileira que nunca foi devidamente enfrentada. É claro que o surgimento de facções prisionais, tanto as locais quanto as franquias de facções do sudeste, agravaram a situação da violência, mas isso não explica tudo. Esses estados precisam desenvolver políticas sérias de enfrentamento aos homicídios.

 

IHU – Nos últimos 14 anos, houve 593 chacinas só na Grande Rio de Janeiro. Neste ano, foram 16 e 71 mortes. O que esses dados revelam?

 

Carolina Grillo – Nós atualizamos os dados após a confirmação do número de mortos pela polícia na chacina da Penha: foram 16 chacinas com 82 mortos este ano. Esses dados revelam que as chacinas policiais já não podem mais ser pensadas como resquícios autoritários herdados do período da ditadura civil-militar, mas sim uma marca da nossa democracia. Se a expectativa era que, com a democratização política, o uso oficial da força policial passasse a ser pactuado e regulado, o que se observa é um aumento da violência policial no período democrático.

 

É assustador que operações policiais possam tão frequentemente resultar em chacinas sem que ninguém seja responsabilizado. Muito pelo contrário, os policiais autores de chacinas são publicamente exaltados por autoridades políticas. O Ministério Público Estadual, a quem cabe a fiscalização do trabalho policial, tem se mostrado inerte diante do extermínio praticado por policiais. A insistência em uma política de segurança pública centrada no confronto armado e sem cautelas destinadas à preservação da vida, somada ao respaldo institucional com que contam os policiais que matam em serviço, contribuem para cifras tão assustadoras de letalidade policial.

 

 

IHU – Enquanto o Rio de Janeiro viveu no Complexo da Penha, em maio, a segunda mais letal operação policial de sua história recente, vimos policiais rodoviários torturarem um homem com problemas de saúde mental em Sergipe e forças policiais de São Paulo expurgarem redutos chamados de cracolândias. Que leitura a senhora faz desses cenários? Há um fio condutor que liga todas essas tristes histórias?

 

Carolina Grillo – A persistência de profundas desigualdades sociais, a incapacidade de incorporação de amplos setores da população ao mercado de trabalho formal, a precariedade dos serviços públicos, as segregações urbanas e demais problemas crônicos brasileiros fazem com que um enorme contingente populacional seja considerado inútil para o processo de acumulação capitalista.

 

Em vez de enfrentar as desigualdades, o Estado vem investindo em incapacitar essas populações indesejáveis por meio do encarceramento e do extermínio, ou em expulsá-las sucessivas vezes dos espaços que elas ocupam, conduzindo-as para cada vez mais longe. Enquanto não houver a compreensão de que a violência não é apenas um problema de segurança pública, mas sim um problema político, social e econômico, a situação tende a se agravar e a violência de Estado vai continuar aumentando.

 

 

 

IHU – O que as chacinas e descontrole sobre a criminalidade revelam sobre a nossa democracia?

 

Carolina Grillo – Como coloquei anteriormente, revelam que a nossa democracia não dispõe de mecanismos eficientes de regulação e fiscalização do uso da força pelo Estado, que é pré-requisito para qualquer regime que se pretenda democrático. Diante do descaso das autoridades executivas, Ministério Público e judiciário estaduais, a sociedade civil fluminense precisou acionar o Supremo Tribunal Federal para intervir na questão dos abusos cometidos pela polícia nas operações policiais em favelas.

 

No entanto, o Governo do Estado vem afrontando as decisões do STF, deliberadamente desobedecendo as restrições às operações e se recusando a implementar as medidas de redução da letalidade policial conforme determinadas pela Suprema Corte. Esse conflito entre poderes e esferas revela a fragilidade das nossas instituições democráticas.

 

IHU – Como analisa a forma com que a pauta da segurança pública aparece no debate políticos? Qual deve ser o tom ideal para o tema a ser abordado na campanha eleitoral desse ano?

 

Carolina Grillo – O sentimento de insegurança experimentado pela população vem sendo instrumentalizado por candidaturas de extrema direita que prometem soluções fáceis para problemas complexos. Prometem intensificar tudo aquilo que já não funcionou nas últimas décadas: endurecimento penal, encarceramento em massa e extermínio.

 

Esse discurso traz consideráveis retornos eleitorais, justamente porque o tema da criminalidade e violência não vem sendo tratado com seriedade no debate público. Há uma ênfase muito grande nos juízos de valor sobre as condutas individuais, acreditando-se que a criminalidade pode ser controlada por meio da incapacitação de indivíduos desviantes.

 

No entanto, uma sociedade que acredita na necessidade de prender e matar mais, enquanto o Estado mantém 800.000 pessoas encarceradas e mata outros tantos milhares, é uma sociedade adoecida, incapaz de olhar para as suas contradições. O Brasil vem há muito tempo se revelando incapaz de incluir, cuidar e dar oportunidades dignas aos seus cidadãos e está pagando um preço muito alto por isso.

 

IHU – O Brasil vive um contexto de crise, com grande empobrecimento da população. Em que medida esse contexto pode se converter em criminalidade e mais violência? Estamos preparados para lidar com isso?

 

Carolina Grillo – As relações entre pobreza e criminalidade não são imediatas e nem determinantes. Quero dizer que não se trata de afirmar que um indivíduo se torna criminoso porque é pobre ou porque perdeu o emprego. No entanto, o aumento da pobreza cria oportunidades diversas para os grupos criminais expandirem as suas atividades e poder, porque aquece mercados informais e ilegais diversos, como o de moradias precárias, transporte alternativo e comércio ambulante, que são muitas vezes regulados por grupos criminais que se impõem sobre os trabalhadores pelo uso da força.

 

Além disso, algumas práticas criminais podem ser estimuladas. Olhemos, por exemplo, para o aumento dos preços dos alimentos ao consumidor final. Todos precisam comer, mas cada vez mais pessoas se veem impossibilitadas de arcar com os preços regulares. Cresce, portanto, a demanda dos mercados por cargas roubadas de alimentos, porque assim eles podem ser vendidos a um preço que o consumidor possa pagar. Embora as variações nos homicídios não tenham correlação com indicadores econômicos, há sim alguma correlação entre maior pobreza e maior ocorrência de crimes contra o patrimônio.

 

E, respondendo à sua última pergunta, não estamos preparados para lidar com isso.

 

IHU – Que caminhos o Estado deve seguir para intervir em comunidades dominadas pela criminalidade com o menor impacto negativo possível na vida das pessoas que vivem nesses locais?

 

Carolina Grillo – Os grupos criminais que controlam territórios no Rio de Janeiro só o fazem porque possuem armas. Muito mais efetivo do que prender ou matar criminosos, todos eles facilmente substituídos nas fileiras do crime, é impedir que as armas cheguem até as suas mãos. Para isso seria necessário exercer um controle maior sobre as armas produzidas e vendidas no país e realizar investigações eficientes para desmantelar as redes do tráfico de armas.

 

O que se observa é o movimento contrário de desregulamentar o mercado de armas e facilitar o aumento do número de armas em circulação no país. Embora o tráfico de armas seja mais fácil de ser investigado do que o tráfico de drogas – pois são bens de produção controlada –, pouco se investe em investigar essas redes no país. Provavelmente, isso se deve à participação de integrantes das Forças Armadas e policiais do país nesse tipo de tráfico.

 

Assim, o recurso que resta para as polícias mostrarem serviço é realizar operações de incursão em favelas, que ocasionam altíssimos custos sociais e não contribuem para a redução das ocorrências de crime. Escolas e serviços de saúde têm as suas atividades suspensas, moradores são impedidos de trabalhar, casas são invadidas, pilhadas e perfuradas por tiros, além de pessoas serem mortas e feridas. E nada disso diminui o poder dos grupos armados nesses territórios. É compreensível que operações sejam ocasionalmente necessárias, mas elas não podem ser o principal instrumento de controle do crime.

 

IHU – Deseja acrescentar algo?

 

Carolina Grillo – Eu gostaria apenas de acrescentar que a ausência de controles democráticos sobre o uso da força estatal favorece a utilização do recurso à força para a obtenção de vantagens privadas por parte de agentes públicos. A recusa em submeter a atividade policial ao escrutínio público permite que policiais se envolvam com o crime organizado e usem os recursos operacionais do Estado para favorecer um grupo criminal em detrimento de outro ou para impor a necessidade de pagamento de propinas conhecidas como “arrego”. Regulamentar e fiscalizar a atividade policial é medida urgente para a construção da paz e a consolidação e preservação da nossa democracia.

 

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