Para as lideranças da Pastoral Carcerária, a pandemia tem servido de desculpa para fechar cada vez mais as cadeias e, lá dentro, se executarem as piores ações a quem é privado de liberdade
As imagens da prisão e morte de Lázaro Barbosa, o criminoso que mobilizou forças armadas de uma megaoperação policial em Águas Lindas de Goiás, viralizaram nas redes sociais na manhã de ontem. A celebração pelo fim da verdadeira caçada ao homem que aterrorizava a população local e estarreceu o Brasil por cerca de 20 dias provocou um misto de alegria e alívio. Mas a questão que fica, e desconforta até os mais crentes, é se a morte de um criminoso, por pior que seja, é algo de se comemorar.
Talvez a festa de muitos que viram o corpo sendo carregado na ‘praça pública’ das redes revele um pouco dos tempos que temos vivido, pois, em meio a isso, recentemente, o Departamento Penitenciário Nacional - Depen informou que quer proibir a assistência religiosa presencial nos presídios. “O Departamento quer acabar com a presença física, acabar com o diálogo, acabar com a escuta das pessoas presas. Quer transformar a assistência religiosa em proselitismo e pregação, sem qualquer troca ou participação efetiva das pessoas presas, tornando-as meras ouvintes”, denunciam a irmã Petra Pfaller e o padre Gianfranco Graziola, da direção da Pastoral Carcerária.
Na entrevista a seguir, concedida de forma conjunta e por e-mail, os religiosos detalham a medida do Depen que quer substituir a presença de religiosos por um sistema de som. “Segundo o próprio ofício encaminhado pelo Departamento, o/a representante religioso terá que gravar uma fala, uma oração ou um cântico, repassar a gravação para a direção da unidade prisional, que a transmitirá para todas as celas através de caixas ou sistema de som”, explicam. Para ambos, a medida “ataca diretamente os direitos fundamentais das pessoas presas. Agride também os direitos das entidades religiosas, por ser regra pétrea de muitos credos celebrar sua fé em suas diversas expressões celebrativas e culturais”.
Petra e Graziola também observam que “a mudança proposta pelo Depen segue um movimento que tem sido intensificado nos últimos anos: o de fechamento do cárcere à sociedade civil”. “Há anos tem-se observado a colocação de obstáculos às visitas de familiares em presídios de todo o país – agora, a proposta do Depen visa acabar com o direito fundamental igualmente garantido às pessoas presas na Constituição Federal, tratados internacionais e na legislação de assistência religiosa”, detalham. Por isso, consideram: “a proposta, de forma sutil e rasteira, aproveita a pandemia para instituir o circuito de áudio que viola, inclusive, a liberdade religiosa de quem não quer ouvir ou professar os dogmas transmitidos no rádio”.
E esse, segundo a equipe da Pastoral Carcerária, não é o único saldo da pandemia que já levou muitos detentos e servidores de presídios ao adoecimento e morte. Por isso, consideram que a pandemia deixou ainda mais claro que não há saída, pois “sabendo-se que o ambiente prisional é estruturado de forma indigna às pessoas encarceradas, fechá-lo significa, também, permitir que violações de direitos continuem acontecendo sem qualquer interferência da sociedade civil”. E, por isso, revelam que não acreditam mais em transformação desse sistema. “O sistema penitenciário brasileiro precisa acabar, para que essa máquina de moer gente pare de produzir e reproduzir violência, tortura e morte”, resumem.
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola (Fotos: Pastoral Carcerária)
Petra Silvia Pfaller é coordenadora nacional da Pastoral Carcerária. Religiosa, integra a congregação das Irmãs Missionárias de Cristo; é alemã, e está no Brasil desde 1991. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO, possui especialização em Direitos Humanos pela PUC-GO e em Direito Penal e Processo Penal pela mesma instituição.
Gianfranco Graziola é assessor teológico da Pastoral Carcerária Nacional. Missionário da Consolata, mestre em Missiologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Esteve em Portugal, Moçambique, chegando ao Brasil há 21 anos. Morou 15 anos em Roraima, quatro deles na missão Catrimani entre o povo Yanomami. Foi coordenador das Pastorais Sociais e do Centro de Migrações e Direitos Humanos - CMDH da Diocese de Roraima. De 2014 a 2018, foi vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
IHU On-Line – Em que consiste a proposta do Departamento Penitenciário Nacional - Depen de substituir a assistência religiosa presencial por “sistemas fechados de áudio na forma de rádios ecumênicas”?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Fomos surpreendidos pela proposta do Depen, que não consultou a sociedade civil mais uma vez. Esta proposta consiste na destruição da assistência religiosa presencial – que acontece exclusivamente por meio da visita in loco de líderes e agentes religiosos – e na sua substituição por um circuito fechado de rádio, por uma voz, transmitida às pessoas privadas de liberdade através de caixas de som e alto-falantes.
Ou seja, o Departamento quer acabar com a presença física, acabar com o diálogo, acabar com a escuta das pessoas presas. Quer transformar a assistência religiosa em proselitismo e pregação, sem qualquer troca ou participação efetiva das pessoas presas, tornando-as meras ouvintes. A proposta ataca diretamente os direitos fundamentais das pessoas presas. Agride também os direitos das entidades religiosas, por ser regra pétrea de muitos credos celebrar sua fé em suas diversas expressões celebrativas e culturais.
IHU On-Line – A que se referem esses “sistemas fechados de áudio na forma de rádios ecumênicas”? Quem faz a gestão e como, efetivamente, seria esse trabalho?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – A gestão desses sistemas será feita pelos/as diretores/as das unidades prisionais. Segundo o próprio ofício encaminhado pelo Departamento, o/a representante religioso terá que gravar uma fala, uma oração ou um cântico, repassar a gravação para a direção da unidade prisional, que a transmitirá para todas as celas através de caixas ou sistema de som.
Percebe-se, portanto, que o objetivo do Depen é acabar de vez com a entrada de líderes religiosos. Só a presença física garante a verdadeira assistência religiosa, que não é mera pregação individualista, passiva, mas é participativa, celebrativa e comunitária.
IHU On-Line – Como interpretar o que está por trás dessa mudança proposta pelo Depen?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – A mudança proposta pelo Depen segue um movimento que tem sido intensificado nos últimos anos: o de fechamento do cárcere à sociedade civil. Há anos tem-se observado a colocação de obstáculos às visitas de familiares em presídios de todo o país – agora, a proposta do Depen visa acabar com o direito fundamental igualmente garantido às pessoas presas na Constituição Federal, tratados internacionais e na legislação de assistência religiosa.
O contexto de colapso do sistema de saúde veio acentuar e agravar as restrições religiosas e, consequentemente, o fechamento do cárcere. A proposta, de forma sutil e rasteira, aproveita a pandemia para instituir o circuito de áudio que viola, inclusive, a liberdade religiosa de quem não quer ouvir ou professar os dogmas transmitidos no rádio.
Pesquisa realizada pela Pastoral Carcerária em nível nacional em 2018, intitulada "Assistência Religiosa no Cárcere: Relatório sobre as Restrições ao Trabalho da Pastoral Carcerária” [disponível abaixo], já denunciava uma tendência de restrições à atividade da Pastoral Carcerária, afirmando que a “justificativa [da suspensão da visita religiosa] sempre vem no ato da visita. O motivo, em geral, é para punir os presos por conta de falta que um deles cometeu”. Fechar cada vez mais o cárcere é uma política que já estava sendo concretizada antes mesmo da pandemia.
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A Pastoral Carcerária fez dois questionários durante o período corrente da pandemia – um em março de 2020 e outro em abril de 2021 – e em ambos a questão da visita foi um dos principais focos de restrição. Enquanto que em março de 2020 foram 98,4% das pessoas que responderam não poder entrar nos presídios, em abril de 2021 permaneceram 73,8% das pessoas sem acesso ao cárcere. Ainda nesta pesquisa, apenas 2,1% das pessoas informaram terem sido liberadas as visitas religiosas – mesmo um ano após a decretação de pandemia.
Sabendo-se que o ambiente prisional é estruturado de forma indigna às pessoas encarceradas, fechá-lo significa, também, permitir que violações de direitos continuem acontecendo sem qualquer interferência da sociedade civil. A Pastoral Carcerária entende que as razões por trás dessa mudança incluem a maior segregação das pessoas que estão dentro dos muros das prisões, majoritariamente pretas, jovens e pobres.
Nossa esperança é que, em breve, as visitas presenciais retornem, sendo desnecessária a implantação do sistema fechado de rádio. Apenas para exemplificar, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Seap do Rio de Janeiro já anunciou que as visitas religiosas presenciais serão retomadas em breve.
IHU On-Line – O Depen sugere que a ferramenta “multiplicaria em muitas vezes o número de pessoas assistidas”. De que forma os sistemas de áudio aumentariam isso?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – O sistema fechado de áudio não ampliará a assistência religiosa, pelo contrário, haverá uma redução qualitativa considerável de sua essência. Sem a troca e a escuta ativa das pessoas presas, não há que se falar em melhoria da assistência religiosa, pois ela não cumpre seu papel.
Estamos vivendo o distanciamento social, e todos nós sofremos com isso, sentimos na própria pele o que significa não se encontrar, conversar, trocar um aperto de mão. As pessoas presas ficam meses e anos isoladas, e o contato pessoal, a oração em conjunto, é uma vivência imprescindível.
A relação mútua se estabelece no contato, e não na pregação no rádio. A evangelização é promover um encontro íntimo com Deus, os agentes da Pastoral são instrumentos para testemunhar o amor de Deus e sua misericórdia. Por meio da rádio, não há evangelização.
IHU On-Line – Como é realizada hoje a assistência religiosa pela Pastoral Carcerária nas penitenciárias? Quais os riscos dessa mudança proposta pelo Depen?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – A assistência religiosa da Pastoral Carcerária está baseada em dois pilares: evangelização e promoção da dignidade humana. Com o primeiro pilar, a Pastoral se faz presente no interior dos presídios para anunciar o Evangelho, a boa nova, testemunhar a presença de Cristo e de Maria, celebrar junto a vida e a presença do amor de Deus, o perdão e a misericórdia, para escutar ativamente a vivência do ser nesses espaços torturantes.
Com o segundo pilar, a Pastoral se faz presente na promoção da dignidade humana e na luta pela garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Tudo isso se concretiza através da visita presencial às unidades prisionais pelos agentes voluntários da Pastoral.
Esta consciência renovada pela dignidade de cada ser humano tem sérias implicações sociais, econômicas e políticas. Olhar para o irmão, para a irmã e para toda a criação como uma dádiva recebida do amor do Pai suscita um comportamento de atenção, cuidado e admiração.
A fé exorta-nos a comprometer-nos séria e ativamente a contrastar a indiferença face às violações da dignidade humana. Esta cultura da indiferença que acompanha a cultura do descarte: as coisas que não me dizem respeito não me interessam. (Papa Francisco, AUDIÊNCIA GERAL, 12 agosto 2020).
Com a proposta do Depen, o risco mais evidente é a extinção e o fim da assistência religiosa, pois o diálogo e a escuta dos agentes pastorais se transformam em transmissão unilateral da voz, e isso não é assistência religiosa.
IHU On-Line – Na resposta que a Pastoral Carcerária encaminha ao Depen, destaca que assistência religiosa não se trata de ‘regalia ou prêmio aos detentos’. Como essa visão de assistência como premiação tem surgido na gestão do sistema penitenciário? E o que revela sobre a forma como essa gestão vem conduzindo o sistema?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Ao olhar atentamente para os direitos da pessoa presa previstos no artigo 4º da Lei de Execução Penal, observa-se que todos têm sido sistematicamente reduzidos ou extintos pelas gestões dos estabelecimentos prisionais. Observa-se uma coisificação da pessoa presa, como se não fosse pessoa passível do mínimo de dignidade para sua existência.
Com o direito à assistência religiosa não é diferente: a Pastoral tem enfrentado, sobretudo nos últimos anos, nos mais diversos estabelecimentos prisionais que visita pelo país, obstáculos para a visita religiosa, com a redução de dias ou horários que pode realizar os encontros, bem como a hostilidade das administrações prisionais no recebimento dos e das agentes pastorais.
Entende-se que estes atos da gestão prisional visam atacar, sobretudo, a missão de promoção da dignidade humana que a Pastoral carrega. Ao se apresentar como organismo de organização e prestação de assistência religiosa e humanitária nos presídios do país, a Pastoral enfrenta resistência, visto que há a recusa em ver os irmãos e irmãs encarcerados como seres humanos.
IHU On-Line – Em que medida esse cerceamento de assistência religiosa presencial infringe também normas acerca dos Direitos Humanos?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Conforme já explicitado, a assistência religiosa é prevista como direito fundamental das pessoas presas, expresso no art. 5º, VII da Constituição Federal e nos arts. 11, VI, 24 e 41, VII da Lei de Execução Penal. Ainda é assegurada pela Resolução nº 08/2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em seus arts. 3º e 4º, prevendo a assistência na modalidade presencial “será assegurado o ingresso dos representantes religiosos a todos os espaços de permanência das pessoas presas do estabelecimento prisional”.
Está elencada também em tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, como na Regra 65 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos e no art. 8º do Decreto nº 7.107/2010, que promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.
As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – também conhecidas como Regras de Mandela – preveem, expressamente, as visitas pastorais privadas e que “o direito de entrar em contacto com um representante qualificado da sua religião nunca deve ser negado a qualquer recluso”. Ao privar as pessoas presas da assistência religiosa presencial, perde-se o sentido da prestação de tal contribuição e, portanto, ataca-se frontalmente um direito fundamental.
Ao implantar o sistema fechado de áudio, o Depen estará violando frontalmente as normas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais mencionadas, razão pela qual a Pastoral Carcerária se fará presente judicial e politicamente para lutar contra o avanço dessa medida. Adotaremos as medidas cabíveis para estancar essa destruição da assistência religiosa nos presídios.
IHU On-Line – Além da assistência aos detentos, a Pastoral Carcerária também se faz presente junto às famílias. Qual a importância desse trabalho? Em que medida essa assistência religiosa auxilia especialmente aqueles detentos de famílias mais pobres?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – É consenso entre as entidades que acompanham o cotidiano dos cárceres brasileiros de que é a família que provê grande parte dos insumos básicos para as pessoas presas: da comida às vestes, são as e os familiares que arcam quase que integralmente com essas despesas, visto que o fornecido pelo Estado é costumeiramente insuficiente para suprir as necessidades dos apenados.
Este provimento familiar, contudo, não é facilitado pelas administrações prisionais: há a excessiva regulação dos itens que podem ou não entrar, como por exemplo a exigência de que os produtos de higiene pessoal sejam transparentes ou de cores específicas, tudo sob a arbitrariedade dos gestores prisionais.
Pensando nessas despesas impostas aos familiares, presos oriundos de famílias pobres – aqui se inserem a maioria das pessoas presas – sofrem ainda mais as consequências das mazelas dos cárceres. Isto porque a família muitas vezes não tem condições financeiras de se deslocar para o presídio em que está seu ente encarcerado – estados como o Amazonas possuem presídios que ficam a três dias de viagem de barco entre a capital manauara e a unidade, por exemplo –, muito menos para arcar com todos os itens que o preso ou presa necessita.
Com a pandemia, a situação foi agravada. As famílias foram segregadas de seus familiares e, durante boa parte do ano de 2020, sequer tinham qualquer contato com seus entes. Agora, há a visita virtual que enfrenta muitas reclamações de familiares em todo o país – problemas como falta de conexão, desrespeito ao tempo mínimo de visita e o cerceamento a presos e presas que tentam denunciar violações de direitos durante as videochamadas. Contudo, a entrega dos itens de higiene, de alimentação, entre outros, permanece remota, com o envio via Correios ou outro meio. Isso encarece ainda mais o suporte familiar à pessoa presa, o que implica diretamente em diminuição da já precária qualidade de vida desta.
A Pastoral Carcerária possui um canal de denúncias de violações de direitos que pode ser acessado via internet em seu site, via telefone, por ligação ou mensagem e via carta. Além disso, os e as agentes pastorais espalhados pelo país possuem ligação com as famílias e buscam acolher estas em suas angústias.
Pastoral Carcerária mantém canais de denúncia através do site, mas que também pode ser feita de forma presencial com os agentes
IHU On-Line – O atual governo também tem revelado seu apoio a medidas como redução da maioridade penal, recrudescimento das ações de forças policiais, maior encarceramento, além de ações administrativas como essa do Depen. O que isso revela? Quais as consequências de se levar a cabo esse ideal?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Tudo isso revela o norte da política genocida brasileira, que é violentar e matar ainda mais as pessoas jovens, negras e excluídas. Toda forma de extensão do sistema penal serve apenas e tão somente para ampliar mecanismos torturantes. As consequências dessa racionalidade punitivista concretizam uma política eugenista, que aumenta a violência contra pessoas negras e aniquila a existência de seres marginalizados pelo modo de produção.
IHU On-Line – Para a Pastoral Carcerária, quais são as transformações que o sistema penitenciário brasileiro necessita?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Só uma transformação: extinção. O sistema penitenciário brasileiro precisa acabar, para que essa máquina de moer gente pare de produzir e reproduzir violência, tortura e morte. É preciso acabar com essa política genocida e racista que serve apenas para gerir, docilizar e aniquilar seres. É preciso abolir e desencarcerar. Nossa missão profética é o mundo sem cárceres.
O Brasil está no 3º lugar do ranking dos países que mais encarceram no mundo, e a violência continua se brutalizando cada vez mais. Prisão não é solução. O mundo está mostrando sinais de desencarceramento, e mesmo assim o Brasil insiste em aumentar a arma que encarcera e mata as pessoas.
Dados de 2020 sistematizados pelo Vera Institute of Justice mostram que os Estados Unidos estão com a menor população prisional dos últimos 14 anos. É uma queda de 21%, saindo de 2,3 milhões de presos para menos de 1,8 milhão.
Observa-se, portanto, que o desencarceramento e o fim das prisões são os caminhos que devemos seguir.
IHU On-Line – Como a situação da pandemia de Covid-19 impactou o sistema carcerário como um todo?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – A pandemia afetou o cárcere de duas formas, em resumo. Em primeiro lugar, a enfermidade foi utilizada pelo Estado como arma para adoecer e matar pessoas. A Covid-19 se transformou em mais um instrumento de tortura. Em segundo lugar, com o avanço da doença pandêmica no interior dos presídios, o Estado fechou ainda mais a instituição carcerária, provocando, consequentemente, um aumento das diversas espécies de tortura que já aconteciam nos presídios antes mesmo da pandemia.
IHU On-Line – Por que é importante que a Igreja insista nesse atendimento a detentos e seus familiares?
Petra Pfaller e Gianfranco Graziola – Por dois motivos basilares. Em primeiro lugar, concretizar a assistência religiosa presencial faz parte da missão profética da Igreja em saída, como bem nos lembra o Papa Francisco no seu documento pastoral programático Evangelii gaudium/A alegria do Evangelho: “Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída», que Deus quer provocar nos crentes. Naquele «ide» de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada cristão e cada comunidade, todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho”. [EG 20] “Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém...” [EG 23].
Em segundo lugar, é através da presença que se previne e se combate tortura e violações de direitos das pessoas vítimas do sistema penal. A melhor forma de se detectar tortura é através da vivência presente, do olhar apurado e da escuta ativa. Não se pode ver ou ouvir feridas sem a presença.