06 Junho 2011
Para recuperar a capacidade de investimentos do estado do Rio Grande do Sul, ampliar as reservas e conter gastos, o governador Tarso Genro (PT) propõe a criação de um Plano de Sustentabilidade Financeira. "O Programa reconhece dificuldades administrativas estruturais do estado, a precariedade dos serviços públicos e baixa capacidade de investimento. Para enfrentar tais dificuldades, sustenta a urgência de aprimorar instrumentos de fiscalização, reduzir e racionalizar despesas, regulamentar de forma efetiva o controle e a fiscalização ambientais", explica Jacques Alfonsín, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, à IHU On-Line em entrevista realizada por e-mail.
O plano prevê a modificação da Lei de Previdência Social dos servidores estaduais, inspeção ambiental veicular, "estabelecimento de prazos diferenciados para o pagamento das dívidas que o estado tem, na forma de requisições de pequeno valor (RPVs), escalonando prazos diferenciados para o pagamento de credores habilitados inclusive por precatórios" e a instituição do Cadastro Técnico Estadual de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais.
A proposta divide opiniões, embora todos concordem que "a questão previdenciária do estado, seja por sua relevância social, seja pelo que representa de custo financeiro, não pode mais ter seu enfrentamento e solução prorrogados", assinala Alfonsin.
Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul. É mestre em Direito, pela Unisinos, onde também foi professor. É membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e publica periodicamente seus artigos nas Notícias do Dia na página do IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pode nos explicar em que consiste o Plano de Sustentabilidade Financeira proposto pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro?
Jacques Alfonsín – Minha impressão muito particular, já que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES e o seu Comitê Gestor têm seus representantes escolhidos para os contatos com a mídia, é a de que esse Programa prevê a implantação de uma política pública extraordinariamente abrangente.
Em linhas muito gerais, de acordo com a mensagem que o poder Executivo enviou ao Conselho, o Programa reconhece dificuldades administrativas estruturais do estado, precariedade dos serviços públicos e baixa capacidade de investimento. Para enfrentar tais dificuldades, sustenta a urgência de aprimorar instrumentos de fiscalização, reduzir e racionalizar despesas, regulamentar de forma efetiva o controle e a fiscalização ambientais. Indica busca de recursos financeiros (BIRD 1,3 bilhões, BNDES 800 milhões e apoio de recursos da União 338 milhões) destinados a suportar tais medidas.
Em seu trabalho de análise e posicionamento, o CDES já tomou conhecimento e discutiu quatro projetos de lei tendentes a viabilizar esse esforço governamental. Agora, o Executivo está encaminhando à Assembleia Legislativa um que trata da modificação da Lei de Previdência Social dos servidores estaduais; um outro que disciplina a inspeção ambiental veicular, prevista no Código Nacional de Trânsito. E um terceiro que estabelece prazos diferenciados para o pagamento das dívidas que o estado tem, na forma de RPVs (requisições de pequeno valor), escalonando prazos diferenciados para o pagamento de credores habilitados inclusive por precatórios. Um quarto institui o Cadastro Técnico Estadual de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais.
IHU On-Line – O Plano de Sustentabilidade Financeira sugere mudança nos valores de contribuição previdenciária de servidores públicos e a criação do Fundo para garantir aposentadorias futuras capazes de estancar os déficits históricos que o Estado suporta, com o custo de toda a sua previdência? Diante da contrariedade que grande parte dos servidores públicos e da oposição manifesta em relação a isso, como o senhor, que integra o CDES, está se posicionando em relação ao tema?
Jacques Alfonsín – Como já referi, o Executivo já encaminhou à Assembleia Legislativa, depois de receber o relatório do Comitê gestor do CDES a partir do debate feito pela Comissão Temática e por outros conselheiros e conselheiras que trataram do tema, o Projeto de Lei Complementar 189/2011, que dispõe a respeito do regime próprio de Previdência Social do Estado do Rio Grande do Sul, institui o Fundo Previdenciário. Complexa, essa matéria envolve, como diz o primeiro artigo do dito projeto, um financiamento mediado por dois sistemas: um de repartição simples e outro de capitalização. O último é viabilizado através de um Fundo de Previdência – Fundoprev. Em separado (190/2011), a Assembleia discute também o regime próprio de Previdência Social dos Servidores Militares do Estado do Rio Grande do Sul, no qual se incluiu igualmente um Fundo Previdenciário dos Servidores Militares – Fundoprev/Milita.
Tanto os percentuais de contribuição previdenciária dos servidores públicos – que aumenta o valor da contribuição para maiores salários – como a própria criação desses Fundos de capitalização estão recebendo apoios, por um lado, e contestações por outro. Muito embora haja consenso de que a questão previdenciária do estado, seja por sua relevância social, seja pelo que representa de custo financeiro, não pode mais ter seu enfrentamento e solução prorrogados. Pelo menos em minha opinião – muito particular como insisto aqui –, a argumentação contrária às modificações propostas, inclusive no que toca à possibilidade futura de malversação dos Fundos, até agora não me convenceu. A previsão de aumento do valor de contribuição previdenciária para quem ganha mais, a rigor, não leva em conta apenas a necessidade de se estancar déficits. Um pressuposto lógico de justiça distributiva está implicado aí e, se a possibilidade de desvio de dinheiro for erigida sempre, como obstáculo de qualquer mudança, vai ser praticamente impossível para qualquer administração pública alterar qualquer lei relacionada com a sua receita e com a sua despesa.
IHU On-Line – Como o Plano de Sustentabilidade Financeira poderá conter o déficit público do Rio Grande do Sul que, no governo passado, tinha sido dito como zerado? A Previdência Social é a principal responsável por esse déficit?
Jacques Alfonsín – Não encontro explicação para a afirmação do governo passado de que o estado tinha se libertado desse pesado incômodo. De acordo com a nota técnica 16/2011, da Coordenação de Assessoramento Superior do Governador, só com a cobertura do déficit previdenciário no ano passado foram gastos 4,82 bilhões de reais.
A mesma nota técnica, por outro lado, revela que, levando-se em conta o PIB gaúcho dos últimos anos, o estado investiu 0,7% no governo Olívio; 0,5% no governo Rigotto e 0,5% no governo Yeda. Por força desse e de outros gargalos, é difícil entender-se que razões ainda sustentam aqueles protestos barulhentos, de regra neoliberais, que exigem um Estado mínimo.
Aliás, quem mais responsabiliza este Estado por seu gigantismo e por suas más administrações – note-se que eu não estou negando ser necessário e urgente o aprimoramento político, ético e técnico, em forma e conteúdo, dessas administrações – é bem aquela parte da sociedade civil que mais se beneficia delas. O exemplo mais visível disso é a histórica anistia de dívidas tributárias de grandes proprietários rurais, os quais historicamente se aproveitam das dificuldades dos pequenos para tirar vantagem do aperto financeiro desses e pegar carona nas suas reivindicações.
IHU On-Line – Que outras políticas garantiriam ao estado melhor situação financeira e aumento na capacidade de investimentos?
Jacques Alfonsín – Não me considero habilitado a responder a esta pergunta. Em todo o caso, pelo menos do ponto de vista daquilo que se convencionou chamar, em linguagem jurídica, de capacidade contributiva, o produto da arrecadação tributária do estado do Rio Grande do Sul, além de considerar esse fator próprio do poder econômico dos contribuintes, parece estar levando em conta prioridades que foram bastante debatidas no Plenário, nas Comissões Temáticas e no Comitê Gestor do CDES.
Para selecionar e administrar melhor a aplicação do dinheiro que arrecada, a Fundação Getúlio Vargas fez pesquisa junto aos conselheiros e conselheiras. Urgências sociais como as da educação, da saúde e da segurança, figuraram entre as que mais preocupam o colegiado todo.
Uma das comissões temáticas que ainda não foi instalada (economias do campo), certamente vai ligar tais urgências com a pobreza de pessoas sem teto e sem terra. De minha parte, espero que os novos investimentos públicos que forem previstos para atendimento de demandas históricas, relacionadas com tais problemas e pessoas, não morram apenas como letra de orçamento.
Para responder a tais urgências, o Executivo enviou vários estudos ao CDES, muitos dos quais inspiraram a primeira Carta de Concertação, já aprovada pelo plenário do mesmo conselho.
IHU On-Line – Os estados sempre cedem às pressões de isenção fiscal das empresas que querem se instalar no Brasil. Para garantir a sustentabilidade financeira, seria o caso de cobrar impostos das empresas em vez de cobrar dos trabalhadores? Como vê esse impasse?
Jacques Alfonsín – Tanto os incentivos como as renúncias fiscais fazem parte do atual modelo de desenvolvimento econômico no mundo todo. O que há de muito discutível nisso são os propalados bons efeitos sociais que esse tipo de política gera.
São muitas as vozes, especialmente dos movimentos e ONGs mais ligados aos trabalhadores e trabalhadoras pobres, que põem em dúvida essa propaganda e nem sempre por motivos ideológicos, como se procura tendenciosamente desautorizá-los. No que concerne ao controle público do território e do meio ambiente do seu país, por exemplo, do qual o povo é soberano, esse tipo de incentivo ou de renúncia fiscal compromete, inclusive, a vida da natureza e de gerações futuras.
Pelo que a mídia está divulgando, as empresas transnacionais e as pessoas que tiverem agredido criminosamente aqui no Brasil – algumas, inclusive, beneficiárias de incentivos fiscais – a nossa terra, a nossa fauna, a nossa flora, os nossos rios e lagos, ficarão isentas de qualquer responsabilidade civil ou penal, se o projeto do nosso novo Código Florestal, recentemente aprovado pela Câmara de Deputados, for transformado em lei.
A comparação, a propósito, se impõe. Será que uma absolvição massiva e indiscriminada de um crime como esse seria concedida pela Câmara às ocupações de terra protagonizadas por multidões pobres, muitas vezes motivadas, exatamente, por serem vítimas de empresas que possuem ou são donas de latifúndios, submetendo a terra à uma exploração antissocial, desmatadora, poluidora, protagonista de monocultura, contrária à biodiversidade, que assoreia rios, às vezes até se beneficiando de incentivos fiscais e usando mão de obra escrava?
IHU On-Line – A crise da social-democracia vivida na Europa pode se espalhar para o Brasil, no futuro?
Jacques Alfonsín – Também não me considero um especialista para fazer tal previsão. Permito-me levar em conta, todavia, lições de economistas e pensadores renomados do nosso país, como são os casos dos falecidos Celso Furtado e Darcy Ribeiro, bem como tudo quanto ensinam, agora, José Luís Fiori, Maria da Conceição Tavares e Bresser-Pereira, entre outros e outras.
Que a globalização dos mercados, suportada ideologicamente pelo neoliberalismo, está recebendo um contraponto bastante significativo sobre os seus efeitos, essa gente dá um testemunho inquestionável. Vista sob suas consequências jurídico-sociais, por exemplo, José Eduardo Faria já nos advertiu, ainda em 2008, em estudo sobre Pluralismo Jurídico e Regulação, que "direitos sociais e econômicos associados à regulação dos mercados perdem eficácia, na medida em que a globalização altera as condições materiais de proteção dos seus detentores formais. E quanto maior é a velocidade desse processo, mais o direito positivo e os tribunais tendem a ser atravessados no seu papel garantidor de controle da legalidade por justiças e normatividades paralelas."
IHU On-Line – Como fica a imagem do governador no estado a partir da proposta do Plano de Sustentabilidade Financeira?
Jacques Alfonsín – Parece inquestionável o fato de que o estado vive uma experiência original. Ao que eu saiba, políticas públicas de efeitos tão importantes sobre o povo somente chegavam ao seu conhecimento como fato consumado, partido às vezes de assessorias técnicas fechadas, autossuficientes e, até, hostis a reclamos populares, não raro porta-vozes cúmplices de interesses economicamente poderosos e antissociais.
Muito particularmente, acho que o simples fato de as providências previstas neste plano terem sido levadas à consideração do CDES, antes das mensagens que o Executivo enviou à Assembleia Legislativa, propondo serem promulgadas como leis, é um sinal de que o governador pretende garantir o máximo de transparência e debate às medidas propostas.
Em resposta ao relatório que o Comitê gestor do CDES lhe enviou, sintetizando as propostas das diferentes Comissões Temáticas já instaladas sobre a matéria, ele deu atenção a cada uma das questões levantadas pelas comissões temáticas, a cada uma das dúvidas, e a cada uma das objeções, deduzindo novas razões fundantes do Programa. É claro que tudo isso, hoje, ainda terá chance de ser novamente discutido no âmbito da Assembleia Legislativa.
Aí se comprova em que medida foram precipitadas aquelas críticas contrárias, primeiro, à própria criação do CDES, atribuindo-lhe um papel de mera torcida organizada a favor do governo; e depois, às próprias opiniões do Conselho, como reducionistas, repetitivas, ingênuas.
Se fossem procedentes tais críticas, estariam elas agora sem assunto, na medida em que a própria mídia vem pautando grande parte da sua atenção, seja para quem apoia, seja quem diverge do Programa governamental, dentro ou fora do Conselho, mas valorizando, precisamente, o que esse vem debatendo, tanto no Plenário como nas suas Comissões Temáticas e seu Comitê Gestor.
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Plano de Sustentabilidade Financeira. A proposta de Tarso Genro. Entrevista especial com Jacques Alfonsín - Instituto Humanitas Unisinos - IHU