11 Mai 2011
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul abriu investigação ontem contra a Grendene e a Vulcabras/Azaleia para averiguar o volume de incentivos fiscais da União usufruído pelas empresas. O procurador Celso Tres, do MPF em Novo Hamburgo, disse que outras empresas ligadas aos controladores das duas companhias também serão analisadas.
A reportagem é de Flávio Ilha e publicada pelo jornal Zero Hora, 12-05-2011.
Segundo Tres, foram identificadas mais de 10 razões sociais vinculadas aos empresários Alexandre e Pedro Grendene, que controlam os dois empreendimentos. O procurador acredita que os recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) circulavam livremente entre as empresas. Tres disse que fará uma "varredura" nas contas dos últimos 10 anos da Grendene, "que nesta semana fechou uma fábrica em Parobé".
Pelas contas de Tres, as empresas receberam pelo menos R$ 3 bilhões nos últimos anos, com juros de no máximo 3,8% ao ano. O procurador anunciou que, depois da investigação, vai ingressar com ação civil pública pedindo indenização contra valores eventualmente mal empregados.
– Os empréstimos são praticamente gratuitos. Se não reproduziram os termos dos contratos, feriram princípios constitucionais e precisam ser devolvidos – afirmou.
Além do ramo calçadista, os empresários têm participações em companhias energéticas e agrícolas, de móveis, siderúrgicas e de vestuário. O maior empréstimo informado pelo BNDES é de 2008, envolvendo a construção de duas usinas de álcool e açúcar em Mato Grosso do Sul pela Iaco Agrícola SA, que tem participação de Alexandre Grendene. O valor do crédito chegou a R$ 634 milhões.
Empresas negam vinculação societária
A Grendene divulgou uma nota alegando que não tem fábrica em Parobé nem nas cidades de São Sebastião do Caí e Portão, citadas na denúncia pelo procurador Celso Tres, do Ministério Público Federal em Novo Hamburgo. Também informa que não tem participação societária na Vulcabras/Azaleia.
Na Vulcabras, a decisão do MPF foi classificada como um procedimento "confuso" pelo presidente da empresa, Milton Cardoso. Embora reconheça a independência do órgão, o executivo disse que não entendeu o argumento de empréstimo subsidiado alegado pela promotoria – segundo Cardoso, não existe subsídio e, sim, uma política de conceder crédito a projetos de expansão de empresas privadas.
– Todos os empréstimos foram pagos. Somos empresas separadas, em alguns casos até concorrentes. Não entendo o que o Ministério Público está querendo fazer – disse Cardoso.
No final do dia, a Vulcabras/Azaleia divulgou uma nota, assinada por Cardoso, em que refuta as acusações do MPF. Segundo o texto, os incentivos usufruídos pela companhia foram aprovados por lei e têm contrapartidas. "Principalmente, estão disponíveis a qualquer empresa que se obrigue a cumprir contrapartidas equivalentes que, aliás, são centenas em praticamente todos os Estados da federação", afirmou.
A nota também lamenta as demissões em Parobé e informa que estendeu benefícios sociais aos trabalhadores dispensados por um prazo de três meses, "de maneira que possam mais facilmente se adaptar a nova relação laboral".
Quem são
O poder das duas empresas:
- A Grendene é uma sociedade dos irmãos Alexandre (55%) e Pedro Grendene Bartelle (44%), fundada em 1971 junto com o avô, Pedro Grendene. A empresa, com sede em Farroupilha, tem fábricas no Ceará e na Bahia, além de matrizaria em Carlos Barbosa e subsidiárias na Argentina e nos Estados Unidos. Em 2010, teve faturamento bruto de R$ 2 bilhões.
- A Vulcabras/Azaleia surgiu em 2007, após a Vulcabras, comprada por Alexandre e Pedro Grendene em 1988, assumir o controle da Azaleia SA, fundada por Nestor de Paula. Segundo a assessoria da empresa, o controle acionário é de Pedro. A receita bruta em 2010 chegou a R$ 2,34 bilhões.
- Como empresário, Alexandre também tem participações na Única (fabricantes de móveis modulados), na Telasul (cozinhas em aço), na Agropecuária Jacarezinho, na siderúrgica Três Lagoas e na Iaco Agrícola SA.
- Além de ser controlador da Vulcabras/Azaleia, Pedro controla a Vulcabras Nordeste, a VDA Calçados (Argentina) e a Agropecuária Grendene Ltda.
"Não temos renúncia fiscal", afirma diretor da Agência de Desenvolvimento do Ceará
Responsável por um programa de incentivo que tem mais de 300 contratos ativos, o diretor da Agência de Desenvolvimento do Ceará, Eduardo Neves, explicou em entrevista a Zero Hora como funciona o programa de benefício fiscal do Estado, que nos anos 90 se tornou o bicho-papão da indústria calçadista. O Ceará tem hoje cerca de 80 mil trabalhadores no setor em 274 indústrias que fabricam basicamente chinelos, sandálias e sapatos de plástico.
Eis a entrevista.
Por que o Ceará atrai tantas empresas, especialmente calçadistas?
Por várias razões. A principal delas é o incentivo fiscal, mas outros fatores, como localização, mão de obra mais barata e até questões culturais, como a habilidade manual da população, contam muito. Para se ter uma ideia, estamos a sete dias de navio da Europa e dos Estados Unidos e a cinco da África. E do porto de Santos também estamos a cinco dias de distância. Isso é logística.
Como é o sistema?
O Fundo de Desenvolvimento Industrial existe desde 1979. Nesse período, nenhum contrato jamais foi descumprido. Isso conta muito. Como as regras são claras, temos segurança jurídica. O modelo é similar ao de outros Estados, com compensações de ICMS que variam de 50% a 75%. O diferencial é que os incentivos são variáveis de acordo com cinco critérios: geração de emprego, compras no próprio Estado, localização, responsabilidade social e ambiental e pesquisa.
Qual a renúncia fiscal do Ceará com esse modelo?
Renúncia? Não temos renúncia fiscal. Se o empreendimento não existia, não pagava impostos. Logo, não estamos perdendo nada. E os benefícios são direcionados apenas a quem vai ampliar ou instalar uma nova unidade no Ceará.
A mão de obra barata tem peso?
Já teve. As empresas vêm para o Ceará atraídas também pelo mercado interno, que cresceu muito. Hoje são 50 milhões de habitantes na região, com poder de compra crescente. Se juntar a Região Norte, são mais 15 milhões. E nossa mão de obra tem uma característica cultural que nenhuma outra tem: a habilidade manual.
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MPF apura uso de benefício por empresa que demitiu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU