No atual contexto de insegurança sistêmica, a contração do mercado de trabalho reflete no perfil dos trabalhadores, que ainda conseguem se inserir têm maiores graus de escolaridade, submetendo-os a rendimentos médios nas faixas salariais mais baixas. Nesse sentido, o Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - Observasinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, reuniu dados do Portal da Transparência da Controladoria Geral da União – CGU e da síntese Dataprev, da Previdência Social, sobre as alternativas de renda além do trabalho existentes no Brasil.
“Durante décadas muitas pessoas acharam que chegaríamos a jornadas mais curtas. John Maynard Keynes não foi o único. Nos anos setenta, a maioria dos economistas e sociólogos estavam convencidos disso. Mas nos anos oitenta a coisa mudou, e começamos a trabalhar muito mais. Hoje estamos atolados de trabalho. Há dois motivos para isso. Primeiramente, o consumismo: compramos coisas de que não temos necessidade para impressionar pessoas das quais não gostamos. O problema dessa explicação é que a maior parte das coisas que compramos sem necessidade são produzidas por robôs e no Terceiro Mundo, o que faz com que a maioria de nós trabalhe no setor de serviços. E isso nos leva ao outro motivo, ou seja, que nos últimos 30 anos temos visto um crescimento absurdo do nível de trabalhos lixo ou aquele trabalho considerado inútil pela pessoa que o exerce”, disse o historiador Rutger Bregman em entrevista republicada pela Revista IHU On-line.
A partir desta realidade, a renda básica de cidadania constitui-se como medida garantidora de proteção social universal da população. Como preconizado por alguns, a renda básica é incondicional, ricos e pobres receberiam, significando o estágio inicial da distribuição. Não é um gasto, mas sim um investimento. A experiência mostra que é mais fácil erradicar a pobreza do que combater os sintomas que ela causa.
Com esta política de renda poderia haver a garantia à vida e, por consequência, as pessoas poderiam recusar trabalhos que não quisessem realmente fazer, aceitando-os apenas pelo salário que ele paga.
No exemplo brasileiro, as diferentes políticas de redistribuição monetária e seguridade social não foram concebidas na perspectiva da renda mínima. São identificados três dispositivos diferentes nessa tentativa de proteção social: o sistema de aposentadorias, o sistema de seguro-desemprego e os repasses monetários de assistência social, que reúnem o Benefício de Prestação Continuada – BPC e o Programa Bolsa Família.
Contudo, pela expressão do baixo valor real das transferências de renda enquanto assistencialismo aos pobres, os programas se mostram incapazes de tirá-los da miséria e a única solução de sustento é o acesso ao trabalho pelo emprego. No contraditório Brasil de hoje assistimos o poder dominante atuando na imposição de políticas que flexibilizam o trabalho, além da tentativa de equilibrar as contas públicas através do corte de gastos em todas as instâncias, inclusive na implementação de políticas sociais.
Bem se sabe que a camada mais prejudicada e privada de direitos é justamente a mais vulnerável. Tal a desigualdade do país, então é grande o desafio de reinventar os diferentes dispositivos – aposentadorias, seguro-desemprego e assistência social – numa renda básica, condicionada a uma dimensão progressista, ou seja, começando pelos mais pobres.
A concentração de renda e riqueza é uma ameaça à estabilidade social. Os ricos estão ficando cada vez mais ricos nas economias desenvolvidas, ilustrado pela renda per capita do 1% mais rico da população que cresceu três vezes mais rápido do que a renda per capita dos 99% da base da pirâmide social, segundo dados do Fiscal Monitor do Fundo Monetário Internacional – FMI em abril de 2017.
Outra pressão é estabelecida pela Quarta Revolução Industrial através do novo perfil do trabalho e dos trabalhadores, que aponta novos mecanismos e relações no mundo do trabalho, capazes de gerar outras riquezas. Se é impossível negar as transformações, uma das alternativas seria praticar impostos sobre a utilização de robôs, então tal condição poderia viabilizar a distribuição de uma renda básica universal. Tanto por meio da socialização dos rendimentos da acumulação capitalista quanto por uma estrutura tributária progressiva teríamos instrumentos mais potentes de redistribuição de renda.
Sistema de aposentadorias: o caso do Vale dos Sinos
Os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS incluem aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por invalidez, além de outros benefícios como auxílio doença, auxílio acidente, auxílio reclusão, pensão por morte, salário família e salário maternidade.
Entre 2005 e 2015 o número de benefícios cresceu 39,3% no total dos quatorze municípios, enquanto no Brasil essa taxa foi de 36,5%. Em 2005, o salário mínimo nominal era de R$300,00, passando para R$788,00 em 2015, apontando uma elevação média de 163%. Em comparação, a média mensal por benefício do Vale dos Sinos cresceu 100,6%, portanto foi inferior a taxa de crescimento do salário mínimo no período, e no último ano aproximadamente 20% habitantes eram beneficiários da Previdência Social.
Poucos municípios ficaram com a média mensal por benefício acima da média observada para o Conselho Regional de Desenvolvimento – COREDE, em ambos os anos: Esteio, seguido de Canoas, São Leopoldo e Sapucaia do Sul. Já Araricá, menor município do Vale dos Sinos, ficou com a média mais baixa, seguido de Nova Hartz.
Repasses monetários de assistência social
Os repasses monetários de assistência social incluem o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família. Assim como os outros sistemas que compõe a tentativa de renda mínima no Brasil, o rigor sobre a concessão ou renovação de benefícios aumentou nos últimos anos, ameaçando a continuidade dos programas de transferência de renda ao nível de tamanha desigualdade do país.
O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, direito garantido pela Constituição Federal de 1988, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/93 e pelas Leis nº:12.435/2011 e nº 12.470/2011, que alteram dispositivos da LOAS; e pelos Decretos nº 6.214/2007, nº 6.564/2008 e nº 7.617/2011, assegura um salário mínimo mensal ao idoso com idade de 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que comprove não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. Em ambos os casos, é necessário que a renda mensal bruta familiar per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo vigente, o que atualmente seriam R$234,25.
De 2005 a 2015 o número de beneficiários do BPC aumentou 217,4%, e, nominalmente, os recursos pagos aumentaram pelo menos seis vezes no Vale dos Sinos, sendo que no primeiro ano a média mensal recebida pelo beneficiário era de R$274,61 e no último, de R$770,92.
Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo apresentaram mais de 60% dos recursos pagos pelo programa no Vale dos Sinos em 2015, e o total dos municípios atingiu 9,07% dos recursos destinados ao estado do Rio Grande do Sul. No período, aumentou a participação de pessoas com deficiência no montante de benefícios: de 49,8% para 55,2%
Outra alternativa é o Programa Bolsa Família, implantado em 2004, como programa de transferência direta de renda direcionado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país, de modo que estas consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. O programa busca garantir a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde, mediante o cumprimento de algumas condicionalidades.
Em 2005 eram 55.848 beneficiários e, em 2015, eram 49.413, caindo o número em 11,5%, e os recursos pagos tiveram um aumento nominal de 153,8%. Repete-se a situação anterior, os três maiores municípios juntos têm 65% dos beneficiários do Vale dos Sinos. A maior média mensal por beneficiário foi observada no município de menor população do Vale dos Sinos, Araricá, com R$181,37, e a menor média em Ivoti, com R$94,86.