Violências e Territórios de Paz

  • Quarta, 13 de Agosto de 2014

O “Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil” apresenta os registros de violência relacionados a homicídios, suicídios, acidentes de transporte e às taxas de ocorrência de homicídio por cor/raça. A publicação apresenta informações para todos os municípios brasileiros evidenciando os territórios onde as ocorrências de violência têm maiores taxas. A fim de evidenciar o “Mapa” e subsidiar o debate a cerca destes indicadores o Observatório da Realidade e das Políticas Publicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, publiciza os indicadores referentes aos catorze municípios do COREDE Vale do Rio dos Sinos e realiza o debate em diferentes espaços e sujeitos.

A socióloga Íris Monteiro realiza a análise dos indicadores do “Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil” a partir de diferentes territórios e apresenta informações para os municípios de Canoas e Esteio, que desde 2012 recebeu as instalações dos programas de “Território de Paz”, e sobre a população Negra.

Íris Monteiro é socióloga graduada pela Unisinos e mestranda no programa de Pós Graduação em Ciências Sociais pela mesma instituição.

Eis o artigo.

Os últimos dados divulgados pelo Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil1 denunciam novamente que, todos os dias, em média 154 pessoas perdem suas vidas, vítimas de homicídio no país, totalizando anualmente 556 mil assassinatos, o que representa um aumento de 13,4% em relação ao ano anterior.

Esses dados tornam-se ainda mais assustadores se formos analisar o perfil das vítimas, que na sua maioria são do sexo masculino, com idade entre 15 e 29 anos e negros (pardos e pretos), o que totaliza 30.072 casos e 53,4% do total dos assassinatos do país.

Waiselfisz (2012) salienta que o número de homicídios de jovens brancos cai 32,3%, enquanto dos jovens negros aumenta 32,4%. Este crescimento mostra a distância já evidenciada desde 2002, quando o índice de vitimização2 de jovens negros subiu de 79,9% para 168,6%: para cada jovem branco que morre assassinado, morrem 2,7 jovens negros.

Em Porto Alegre esta realidade não difere. Com uma população de 1.409.351 pessoas (13,2% do Estado), distribuídos em 53,61% mulheres e 46,39% homens, e com uma população jovem (15 a 29 anos) de 24,45%, possui uma população negra de 10,21%, representando apenas 5,57% da população do Estado. No período da publicação (2002-2012), a taxa de homicídios juvenis era de 19,0%, média acima da do país, de 2,7%. Em 2012, no entanto, a taxa baixou para 13,0%, enquanto o Brasil ficou com 8,5%.

Nos últimos dez anos, houve um crescimento expressivo de mulheres responsáveis por domicílios, de 38,16% para 49,85%, em 2010, com destaque para os bairros Lomba do Pinheiro, Restinga e Rubem Berta, nos quais ultrapassaram 40% dos domicílios. Coincidentemente, ou não, nestas regiões concentra-se a maior parte da população negra da cidade, além do maior número de famílias beneficiárias de programas sociais de transferência de renda3.

Iniciativas de Combate à Violência

Em 2011, os bairros citados respondiam juntos por 37% dos homicídios ocorridos em Porto Alegre e 51,6% do total dos assassinatos do Estado. Destes homicídios, a maioria é de jovens negros. Diante disso, o Governo do Estado implementou nessas regiões o projeto “Território de Paz4, que consiste na articulação das ações sociais de prevenção à violência e à criminalidade com a repressão policial qualificada. Esse projeto, em 2012, foi instalado nos Municípios de Canoas e Esteio e tem como meta contemplar todos os municípios da Região Metropolitana a fim de estancar a violência e desarticular o crime organizado.

Nesse caso, assim como nos principais programas sociais de prevenção à violência e nas políticas públicas de inclusão social, embora se identifique a problemática da juventude negra como foco central dessas ações, observa-se que, devido aos legados da escravidão na formação das periferias e/ou favelas dos grandes centros urbanos, ainda há uma forte associação entre a periferia e a questão racial. Nesse sentido, embora a maioria dos jovens assistidos por estas ações sejam negros, não é levada em consideração e tampouco discutida a questão racial.

Barros (2008, p. 135), utilizando dados do Centro Internacional de Investigação e Informação para a Paz – CIIIP, mostra que, muitas vezes, a violência está mascarada por rotinas e práticas assimiladas pela cultura, sem a devida reflexão. A visibilidade da violência é “o grau de transparência com que uma sociedade torna mais ou menos visível suas violências” (CIIIP, 2002, p. 26). O autor ainda ressalta que o racismo sofre adaptações, muda de estratégia, conforme as circunstâncias, dando a entender que está ultrapassado e moribundo. Entretanto, continua tão vivo quanto antes e muito mais perverso.

Esses tipos de racismos que se confundem com o meio e assumem discursos politicamente corretos caminham ombro a ombro com suas vítimas e precisam ser erradicados urgentemente das práticas institucionais, em especial das ligadas à segurança pública, acesso à justiça, saúde e educação. É engano pensar que um ato, para ser considerado racista, tenha que ocorrer de forma intencional. Ainda hoje, pela falta de formação e informação, muitos desses agentes agem de forma racista, fomentam e produzem violência contra a população negra, em especial os jovens, mesmo sem perceber quão agressiva e perversa é esta conduta.

Tais evidências só confirmam o que o Movimento Social Negro brasileiro, ao longo da sua existência, vem denunciando sobre o extermínio da juventude negra. Não diferente, o Fórum Nacional da Juventude Negra - FONJUNE5 aprovou como prioridade, nas conferências de 2008, 2011 e no Fórum de Cidadania e Direitos Humanos, a criação de uma política afirmativa Contra o Extermínio de Jovens Negros. Logo depois foi nomeado como Plano Nacional de Enfrentamento ao Extermínio de Jovens Negros. Atualmente, atende por Plano Juventude VIVA6, o qual visa um conjunto de ações de promoção aos valores da igualdade e da não discriminação racial, bem como o enfrentamento ao racismo e ao preconceito geracional, que contribuem também com os altos índices de mortalidade da juventude negra brasileira.

No Estado do Rio Grande do Sul, apesar dos altos índices já apontados pelo Mapa da Violência (2002-2012), apenas a cidade de Porto Alegre está “apta” a aderir ao plano, ignorando justamente o histórico de violência e opressão sofrido cotidianamente pela população negra, em especial os jovens negros, nestas regiões reconhecidas como berço de colonização dos imigrantes.

Resistência e Participação Social Negra

Quero destacar que a Juventude Negra tem buscado se colocar na sociedade brasileira de forma propositiva e protagonista. Algumas ações marcam uma trajetória que precisa ser identificada e registrada. A busca pela garantia dos direitos constitucionais é corroborada nos encaminhamentos dos principais espaços de exercício da democracia participativa. Um exemplo importante é a aprovação da constitucionalidade das cotas raciais no sistema educacional brasileiro, porém, não à toa, o mesmo Estado hoje sensível às cotas raciais e, assim, ao ingresso de jovens negros no ensino superior, é o mesmo que mantém tratamento diferenciado quando tratamos do sistema segurança pública.

Estudos realizados sobre a participação política da juventude brasileira apontam para o fato de que a Juventude Negra organizada em movimentos juvenis e grupos culturais têm sido, nos últimos anos, um dos principais agentes nesse repensar e nesse alargamento da concepção de movimento. Desse modo, o que a Juventude Negra brasileira tem feito hoje é a continuidade dessa luta, bem como o acréscimo de novas ferramentas e formas de resistência, que tem conseguido, mesmo com dificuldades, dissolver paradigmas e estabelecer novas fronteiras e formas de se pensar a juventude brasileira e sua própria concepção de identidade juvenil.

Notas:

1 – WAISELFISZ J.J. Mapa da Violência 2014. O Mapa da Violência – Os Jovens do Brasil. Rio de Janeiro. FLACSO, 2014.

2 – WAISELFISZ (2014). A vitimização negra resulta da relação entre as taxas brancas e as taxas negras. Assim, em determinado ano, se a vitimização negra foi de 73,0%, significa que, proporcionalmente, morreram 73,0% mais negros que brancos. Em valor zero indica que morrem proporcionalmente o mesmo número de bancos e de negros. Valores negativos indicam que morrem, proporcionalmente, mais brancos que negros.

3 – Bolsa Família, programa do Governo Federal que consiste na redistribuição financeira a famílias com renda mensal per capita inferior a R$ 70,00 mensais.

4 –  O Governo do Estado do Rio Grande do Sul implementou o Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania - RS na PAZ. Através da Secretaria da Segurança Pública, tem como política de governo o projeto “Territórios de Paz”, baseado no princípio do Programa Nacional de Segurança com Cidadania - PRONASCI, o qual defende que segurança pública não é sinônimo apenas de polícia. Essa política de governo reside na percepção de que o diálogo entre ações sociais e policiais é fundamental para a redução dos índices de violência e criminalidade.

5 – Encontro Nacional “da Juventude Negra – ENJUNE”, realizado em Lauro de Freitas/BA em julho de 2007. Na ocasião, a juventude negra presente representando os estados brasileiros protagonizou uma das grandes ações de juventude das Américas rumo à garantia dos direitos constitucionais.

6 – Sob a coordenação da Secretária-Geral da Presidência da República, por meio da Secretaria Nacional de Juventude e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o Plano Juventude Viva é fruto de articulação interministerial para enfrentar a violência contra a juventude brasileira, especialmente os jovens negros, principais vítimas de homicídio no Brasil.

Bibliografia:

BARROS, Geová da Silva. Racismo institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição, 2006.
________________. Filtragem Racial: a cor da seleção do suspeito. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 2, Edição 3, jul./ago. 2008, p. 134-155.

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Cotas raciais: por que sim. Organização: Cristina Lopes. 2 Ed. Ibase: Observatório da Cidadania, 2006.

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WAISELFISZ, Julio Jacobo. O Mapa da Violência 2014 – Os Jovens do Brasil. Instituto Sangari. São Paulo, 2014.