O "Mapa da Violência" publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) apresenta o número de homicídios no país por população branca ou negra nos anos de 2010 até 2012, a partir das bases de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos sistematizou os dados referentes a estas populações na faixa etária de 15 a 29 anos residentes nos municípios do COREDE Vale do Sinos.
Os dados são apresentados em números absolutos e por taxa, sendo as taxas calculadas para os municípios com mais de 50 mil habitantes.
A partir dos dados é possível constatar que no município de Sapucaia do Sul há uma probabilidade maior de jovens negros serem vítimas de homicídio que jovens brancos; a taxa de homicídios no município para jovens negros é de 114,5 a cada 100mil.
Estes indicadores (raça/cor/faixa fatária/homicídios) apresentados no “Mapa da Violência” foram analisados por Renata Moura, filósofa graduada pelo IPA Metodista e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI da Unisinos, a fim de promover o debate e a reflexão sobre a realidade da região do Vale do Sinos.
Eis a análise.
Para falar sobre juventude negra e violência, sentimos a necessidade de destacar, em primeiro lugar, a questão da educação escolar na infância deste indivíduo, pois é através dessa análise que compreendemos as desvantagens com as quais este jovem negro se depara e que acaba fazendo parte da estatística dos parâmetros do Instituto Médico Legal - IML.
Sabemos que o próprio sistema é violento, pois ele é machista, homofóbico, sexista, intolerante e racista e que infelizmente o indivíduo que terá vantagens na sociedade será o não negro, se possível heterossexual, homem que cultue uma religião cristã e, claro, que esteja munido de um diploma.
O indivíduo negro vive a violência desde sua infância, se depara com o racismo dentro da sala de aula, com os apelidos pejorativos lançados pelos colegas, ouvindo piadas das religiões de matriz africana e lendo histórias distorcidas contadas nos livros didáticos. Absorve informações preconceituosas sobre suas características físicas tais como cabelo, cor, nariz, lábios, etc.
Neste cenário, o jovem negro muitas vezes se desmotiva e abandona o ensino regular, ainda nas séries iniciais. Nessa etapa da vida ele já passa a auxiliar financeiramente sua família, assumindo novas responsabilidades. Mas as exigências estéticas requisitadas pelo mercado de trabalho são cruéis, fazendo com que fique na base da pirâmide social em relação à remuneração.
Desvantagens no mercado de trabalho x Tráfico
É nessa realidade que os jovens se deparam com outra forma de aumentar significativamente seus rendimentos – o tráfico de drogas — e contribuir com sua família. Deslumbra-se com a facilidade em conquistar alguns bens, que, graças ao consumismo, passam a ser prioridade para ele, coisas que não teria condições de adquirir, que seus pais nunca teriam condições de dar, como tênis de marca, roupas da moda, entre outros produtos do momento.
O tráfico, infelizmente, convive com a realidade desse jovem, está no seu dia a dia, na comunidade desse indivíduo. As propostas para fazer parte desse mundo são tentadoras, fazendo com que ele se encante com esse meio, levando-o para um círculo de transgressões e violência, que passam a ser parte do seu cotidiano. Diante desta nova realidade que agora faz parte do seu dia a dia, passa a ser uma possível vítima que constará nas estatísticas dos parâmetros do IML, as quais apontam um número elevado de jovens negros que são exterminados, diariamente, semanalmente, mensalmente e anualmente. Infelizmente, o mundo do crime acaba interrompendo muitas vidas e muitos sonhos.
As estatísticas não deixam dúvidas da violência social pela qual passam os afrodescendentes nos dias de hoje. Nem todos vitimados por ações dos narcotraficantes, mas também violentados pelas condições sociais degradantes a que são expostos. Sobre a brutalidade social envolvendo as comunidades afro, afirma Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais: “Dados confirmam que morrem proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil. Os brancos têm morrido menos, os negros mais. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% e o dos jovens negros aumentou 32,4%”.
É importante pautarmos que muitas vezes essa violência para com os jovens negros se dá também por conta das autoridades policiais, como declara o jovem negro de São Paulo Thiago Vinícios: “Os jovens não tão tendo nem a oportunidade de ser presos, estão morrendo no caminho”.
Infelizmente, para a polícia, bandido, ladrão, estuprador, assaltante tem cor, e essa cor é negra. Se esse jovem estiver correndo nas ruas, ele será barrado, atormentado, agredido e por incrível que pareça poderá perder itens pessoais como relógio, celular e até dinheiro na ação. Infelizmente, ele não será visto como um acadêmico que está atrasado para chegar à faculdade.
Trago como exemplo o caso do professor de história André Luiz Ribeiro, que tem costume de correr em torno de sua comunidade, e foi confundido com um assaltante de bar, sendo espancado por 20 pessoas. Ele foi socorrido por bombeiros que, ainda duvidando de sua inocência, o fizeram falar sobre Robespierre.
O que na prática fica demonstrado é que morrem muito mais jovens negros proporcionalmente do que brancos, se tomarmos por base o total da população dividido pela cor da pele. Este fato merece ser estudado e compreendido pelas autoridades e órgãos competentes ligados à criminalidade e à juventude. O que leva a esses elevados índices? O que se tem feito para mudar esta realidade? Estarão os jovens negros sendo vítimas do racismo na região do Vale do Rio dos Sinos?
Eu, enquanto mulher, jovem e negra, espero uma resposta das autoridades em relação a tais fatos.