A situação de pobreza das famílias brasileiras tem sido mensurada, entre outras pesquisas, pelo Censo Demográfico. Os dados coletados durante os censos no Brasil possibilitam traçar um perfil da população desde os bairros, municípios e estados. Este quadro é, na maioria das vezes, referencial para a definição das políticas, programas e serviços nas diferentes esferas.
O Programa Bolsa família (PBF) foi formulado e vem recebendo alterações a partir desses dados. No Censo de 2010 foi apresentada a estimativa de famílias pobres perfil Bolsa Família, com “renda per capita familiar mensal de até R$ 70" e com "renda per capita familiar mensal de R$ 71 a R$ 140".
Estima-se que na região do Vale do Rio dos Sinos em 2010 havia 43.400 mil famílias nessas categorias de renda. Em janeiro de 2014, 43.339 famílias foram beneficiadas por esse programa de transferência de renda.
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O confronto entre os números estimados de famílias em situação de pobreza e os números de beneficiários atendidos pelo Programa Bolsa Família apresentam algumas problematizações. Isso porque alguns municípios do Vale não atingiram todas as famílias estimadas, enquanto outros atendem a um número maior. Essa constatação sugere algumas questões: Por que alguns municípios atingem o número de famílias perfil PBF e outros não? Houve movimentação populacional nos municípios ou empobrecimento? Quais ações desenvolvidas pelas políticas públicas e seus agentes, que possibilitam ou não o atendimento de forma universal das famílias em desproteção social?
Conhecer, analisar e debater as realidades do COREDE Vale do Rio dos Sinos se constitui em compromisso do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Na análise publicada em 08 de abril deste ano, “Programa Bolsa Família no Vale do Sinos”, foram pontualizadas considerações do PBF na realidade do município de Esteio, com as contribuições de Renato Teixeira, mestre em Serviço Social.
Dentre os destaques, Renato Teixeira relata que em Esteio, entre as famílias beneficiadas, “94,13% das responsáveis pelo recebimento são mulheres; fazem parte de famílias com renda total de até um salário mínimo; que a renda per capita predominante é de até R$ 70,00 para aproximadamente 65% das famílias, ou seja, é um limiar de sobrevivência”.
A partir destes dados e de um conjunto de informações sobre as realidades, possibilidades e limites do PBF, novos debates foram promovidos pelo ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Um deles foi realizado com Grégori Soranso, chefe do departamento de Cadastro Único de São Leopoldo. Ele indicou que além do Programa Bolsa Família, as famílias em situação de pobreza podem ser beneficiadas pelo programa Brasil Carinhoso.
No município de São Leopoldo estima-se que, em 2010, havia 8.833 famílias com Perfil Bolsa Família. Em janeiro de 2014, 78% das estimadas recebiam o benefício.
Grégori Soranso, refere que no município ainda existem famílias que estão à margem da atenção do Estado e que, consequentemente, não são atendidas por nenhum programa social ou de transferência de renda.
Grégori aponta que, para uma melhor análise, deve se levar em consideração que o município está numa região metropolitana, onde há um considerável movimento migratório de famílias com este perfil. A falta de informação também é destaque em sua avaliação, pois existe “um desconhecimento por parte destas famílias de seus direitos sociais básicos, seja pela dificuldade de acesso às unidades de atendimento ou mesmo pelo descrédito gerado por experiências anteriores negativas com o setor público, somando-se também a uma estrutura ainda insuficiente dos órgãos públicos para acessar esta parcela ‘invisível’ da população, é possível estimar que um número significativo de famílias não são contempladas pelos programas sociais atualmente. Mas essa é uma percepção que se baseia na nossa experiência de atuação na área social, e não por um diagnóstico preciso que nos forneça dados concretos da população que não está sendo atendida”.
“A qualificação da gestão dos programas sociais vem acontecendo gradualmente com a consolidação do Sistema Único de Assistência Social”, enfatiza Grégori. Para ele “a implantação do setor de Vigilância Socioassistencial é um exemplo disso, visto que entre outras atribuições é o responsável pela elaboração de diagnósticos locais que deem conta de mensurar o alcance e os efeitos causados por esses programas. Desde o final do ano passado a Secretaria de Desenvolvimento Social de São Leopoldo está planejando a implementação deste setor, e assim que estiver bem estruturado será possível diagnosticar mais confiavelmente a demanda reprimida, em que regiões está concentrada, as suas causas e, principalmente, subsidiar o direcionamento das ações que visem a máxima redução desse não atendimento”.
Programa Bolsa Família e Brasil Carinhoso
Em relação aos programas de transferência de renda direta no município de São Leopoldo, o Programa Bolsa Família e Brasil Carinhoso, Grégori Soranso destaca que estes são “um importante passo no combate imediato da situação de vulnerabilidade imposta pela falta de acesso a uma renda mínima mensal, contudo o impacto financeiro é apenas um dos pontos a se trabalhar em se tratando de efetivação das políticas públicas”.
Para Grégori os programas de transferência de renda “mesmo que de forma incipiente através de suas condicionalidades, tende a reforçar o acesso aos direitos sociais básicos, como a saúde e educação, mas penso que os governos devem encarar este mecanismo como um desafio à garantia e oferta de serviços públicos de qualidade e que levem em consideração o contexto social no qual estão inseridos”.
O Cadastro Único é uma importante ferramenta para o acesso a programas sociais, em “ São Leopoldo, o fato do atendimento às famílias se dar dentro dos Centros de Referência da Assistência Social - CRAS, já oferece subsídios que permitem conhecer melhor a realidade socioeconômica das famílias de baixa renda, o que possibilita aos gestores pensar estratégias e ações que visem a superação da pobreza para além do quesito renda, desde que haja um planejamento de atuação intersetorial consolidado. E este é exatamente o ponto que demanda mais atenção e um esforço permanente dos agentes sociais envolvidos, especialmente quando se trata de uma cidade de grande porte como a nossa, onde fica ainda mais evidente a defasagem histórica das políticas nacionais de educação, saúde e habitação, principalmente”, pontua.
Quanto ao custo dos programas, Grégori Soranso relata que é difícil mensurar separadamente, pois “uma vez que estão inseridos dentro da estrutura da secretaria responsável por executar a Política Nacional de Assistência Social em todas as suas competências”.
Grégori destaca a necessidade de se investir em estrutura física e recursos humanos qualificados e, de preferência, em quadro permanente de servidores que atuem exclusivamente no cadastramento das famílias, uma vez que São Leopoldo conta com mais de 26 mil cadastros inseridos no banco de dados do CadÚnico, de onde são selecionados os beneficiários diretos ou indiretos dos programas sociais de diversas áreas que não só a transferência de renda.
No que diz respeito ao desenvolvimento do município, Grégori Soranso “ressalta também que o PBF repassou diretamente às famílias beneficiárias quase 850 mil reais no mês de abril, o que representa uma injeção de mais de 3 milhões de reais na economia local só em 2014, de acordo com os dados dos relatórios de informações sociais disponibilizados pelo site do Ministério do Desenvolvimento Social - MDS. Além disso, a gestão municipal recebe mensalmente um auxílio financeiro para qualificação do atendimento que varia de acordo com os indicadores de qualidade da própria gestão, o chamado Índice de Gestão Descentralizada”.
Condicionalidades
Para receber a transferência de renda são assumidos compromissos pelas famílias, condicionalidades, e também pelo poder público, a fim de ampliar o acesso dessas famílias a seus direitos sociais básicos. Grégori Soranso relata que “a partir de março de 2013 o Ministério do Desenvolvimento Social e combate à fome reforçou a necessidade de um acompanhamento mais sistemático das condicionalidades do PBF no âmbito dos municípios, através de um sistema de informação próprio para este fim e orientações técnicas que norteiam este trabalho nos CRAS, onde as famílias são atendidas e acompanhadas”.
Em São Leopoldo, as equipes dos CRAS responsáveis por cada região, tem acesso às listas dos beneficiários que necessitam de maior atenção em relação ao cumprimento das condicionalidades, e a partir disso são planejadas ações para o acompanhamento, através de grupos ou atendimentos individuais, em que são trabalhados com as famílias os compromissos relacionados ao programa.
“Este acompanhamento exige uma aproximação ainda maior entre os três pilares fundamentais do Bolsa Família (Saúde/Educação/Assistência Social), cujos representantes compõem o Comitê Gestor do programa. Mas assim como a sociedade de uma maneira geral precisa entender melhor o funcionamento do programa, até para que possa exercer seu papel de controle social, as escolas e os profissionais da rede básica de saúde precisam compreender a sua importância neste processo. E neste momento os esforços estão concentrados na consolidação desta relação, pois só diante da atuação intersetorial é possível interferir positivamente nos resultados do programa”, finaliza Grégori Soranso.