Há 80 anos foi instituído o voto feminino no Brasil através do Decreto n. 21.076, em 24 de fevereiro de 1932. Tal acontecimento foi um avanço, mesmo que de forma restrita, já que somente podiam votar mulheres casadas, viúvas e solteiras com renda própria. Em 1988, através da Constituição Cidadã, essa conquista foi ampliada, demarcada especialmente pela afirmação da igualdade de direitos entre homens e mulheres (Art. 5º, I, CF/1988). Apesar desses avanços, o reconhecimento das mulheres como agentes políticos permanece como meta a ser conquistada.
Clair Ribeiro Ziebell, professora da Unisinos no curso de Serviço Social, destaca que “o direito de votar parece algo plenamente incorporado à cultura do país. Mulheres e homens exercem esse direito, podendo votar e ser votados/as. A sociedade reconhece a cidadania feminina a ponto de elegermos, já no início da segunda década, uma ‘presidenta’, que tem no alto escalão de governo algumas ministras”.
Diz ainda que “tal conquista como a expressão de nossa vontade política, já manifesta por organizações feministas anteriores a 1932, data da aprovação do novo código eleitoral, que inclui as mulheres nos pleitos. Resultante da persistência na luta, o novo direito se reveste de significado quando se percebe que as mulheres, ontem e hoje, defendem o direito de livre expressão, associado à mobilização e à organização permanente em movimentos que objetivam a transformação da cultura, negadora de nossa capacidade social. É um legado de valorosas mulheres que, lideradas por Bertha Lutz, constituíram um marco (primeira onda do feminismo) que, seguido de outras conquistas históricas, tem como indicador máximo um intenso protagonismo no século XX, considerado o século das mulheres”.
O ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, comprometido com levantamento, sistematização e análise dos indicadores socioeconômicos do Vale do Rio dos Sinos, apresenta, durante a semana de celebração do Dia Internacional da Mulher, alguns dados sobre a participação de mulheres na realidade política da região. Entende-se que essa realidade pode contribuir no processo de preparação às eleições municipais que ocorrerão em outubro próximo.
Em tal contexto, além de definir os rumos da política em âmbito municipal (prefeituras e câmaras de vereadores), esta agenda política aponta perspectivas para uma conjuntura política das eleições de 2014 (presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais).
A análise de tal cenário justifica-se ainda pelos desafios postos dos Objetivos do Milênio, instituídos pela Organização das Nações Unidas – ONU, a qual estabelece, entre outros, o objetivo de “promover a igualdade entre os sexos e a valorização da mulher”.
Quanto à participação no processo de escolha eleitoral no Vale do Sinos, dos quase 940 mil eleitores, em 2008, 52% eram mulheres. Àquela época, entre os candidatos ao cargo de prefeito, 95,5% eram homens, 4,50% mulheres. Indica-se que nas eleições de 2012 serão aproximadamente 950 mil eleitores, sendo 52,26% mulheres, conforme tabela abaixo.
A questão da representação e participação política das mulheres nos espaços públicos estatais configura-se com limites. Dos 513 deputados federais, apenas 45 são mulheres, o que significa menos de 10%. No Senado, a situação melhora um pouco, uma vez que dos 81 senadores, 12 são mulheres. Nos tribunais de justiça, a situação ainda é mais deplorável: dos 33 ministros do Supremo Tribunal de Justiça, apenas cinco são mulheres, e no Supremo Tribunal Federal, dos 11 ministros, apenas dois são mulheres.
Ziebell destaca que no Brasil, embora a participação das mulheres na política seja ainda muito pequena, ter um governo liderado por uma mulher, economista, com competência comprovada numa área antes dominada apenas por homens – o que também se observa na formação das ministras, assessoras e outras funções por elas desempenhadas –, tem implicações importantes.
O ObservaSinos, a partir das informações disponíveis nos sítios das prefeituras ou através de contato telefônico, revela a presença e a participação das mulheres no executivo municipal da região, como se pode ver a seguir.
Constata-se que entre 2010 e 2012 permanece significativamente maior o número de homens ocupando postos no secretariado municipal. Houve, no entanto, uma mobilidade no número de mulheres neste cargo. Dos 14 municípios, 50% tiveram o aumento no número de mulheres nestes postos; 28,6% dos municípios permaneceram com o mesmo número: e, 21,4%, ou seja, apenas três municípios, passaram a ter menos mulheres no secretariado municipal.
Ziebell enfatiza que “no Vale do Rio dos Sinos, observamos e assessoramos, por quase duas décadas, um processo de participação de mulheres advindas da periferia da cidade, que se constituiu em força política atuante, no início da primeira década e na atual conjuntura eleitoral. Se os números reais de ocupação de espaço no Legislativo e no Executivo ainda estão longe da paridade de gênero tão almejada, há que se levar em conta a complexidade das relações de poder historicamente forjadas numa cultura patriarcal-racista-capitalista, cujas transformações implicam continuidade na educação popular para a democracia, reforma política e partidária e... a crença na transformação social”.
A professora finaliza dizendo que, para refletir e analisar a competência e a legitimidade da ação feminina e ou feminista nesse campo, temos que pensar com Rose Marie Muraro: “não basta ser mulher…”.
Portanto, mesmo que uma democracia representativa não se meça somente pela representação proporcional dos grupos, não se pode ignorar que as mulheres constituem a maior parcela tanto do eleitorado como da população. A gritante desproporção da participação feminina na esfera e nos espaços públicos reclama um amadurecimento da democracia, uma participação mais efetiva na política, como forma de romper com os entraves de uma história de discriminação e autoritarismo.