A Diversidade Religiosa no Município de Campo Bom – RS

  • Terça, 22 de Abril de 2014

Com o propósito de tornar público dados coletados nos censos de 2000 e 2010 referentes a religiões e religiosidades na região do Vale do Rio dos Sinos, os programas Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos e Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo – GDIREC, do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, têm reunido e publicado estes indicadores.

O ObservaSinos já realizou a análise e a publicação dos indicadores referentes aos municípios de Canoas, Esteio, Novo Hamburgo, Portão, São Leopoldo e Sapucaia do Sul. Esta semana, a publicação apresenta os dados referentes ao município de Campo Bom.

A análise destes dados foi realizada pelo professor Inácio José Spohr, coordenador do GDIREC. Spohr possui graduação em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e mestrado em Ciências Sociais pelo Instituto Latinoamericano de Estudios Sociales, de Santiago do Chile.

Eis a análise.

Situado no Vale do Rio dos Sinos, às margens da RS-239, a 56 km de Porto Alegre, de acordo com o censo de 2010, o município de Campo Bom conta com 60.074 habitantes. Destes, 88,57% declararam ser da cor branca, 8,32% da cor parda e 2,82% afirmaram ser da cor preta. Pretos e pardos somam, portanto, 11,14% da população. Outros 0,23% declararam ser de ascendência amarela e 0,07% da indígena.

Município emancipado de São Leopoldo em 1959, Campo Bom apresenta uma economia caracterizada, entre outras, pelo setor industrial coureiro-calçadista e pela produção oleira, química e metalúrgica.

Tendo em vista conhecer a Diversidade Religiosa no Município de Campo Bom, o presente trabalho apresenta uma breve análise dos dados das amostras dos censos de 2000 e 2010 enfocando o desempenho das religiões presentes naquela cidade1. Região originariamente ocupada por uma maioria de imigrantes alemães luteranos, o hoje município de Campo Bom ostenta uma invejável diversidade religiosa composta por Católicos, Evangélicos de Missão, Evangélicos Pentecostais, Evangélicos sem vínculo institucional, Espíritas, Testemunhas de Jeová, Umbandistas, Tradições Indígenas, Hinduístas, Budistas, Ateus e Sem Religião, entre tantas outras formas de crer ou não crer, como veremos a seguir.

Religiões Cristãs

O desenvolvimento das religiões cristãs em Campo Bom segue itinerário similar ao de outras cidades da região do Vale do Rio dos Sinos. Se, por um lado, sinaliza a continuidade do processo de encolhimento do catolicismo (tabela 01), que registra perdas de 7,7% sobre o total da população do município entre 2000 e 2010, por outro lado, reafirma o crescimento do movimento evangélico (tabelas 01 e 03), que teve um incremento de 5,26% em seu número de adeptos. As religiões “Católica Apostólica Brasileira” e “Católica Ortodoxa”, ausentes no Censo de 2000, somam, em 2010, respectivamente 0,08% e 0,05% da população. Já a alternativa “outras religiosidades cristãs”, embora com diminuta representatividade no cenário religioso do município, teve, na década, um bom acréscimo de participantes: passa de 0,02% (09 declarantes) para 0,16% (107 declarantes).

Não obstante, o que mais chama a atenção no desenvolvimento das religiões em Campo Bom trata do fato de que o cristianismo, como um todo, teve uma redução de 2,15% na década 2000-2010, apesar do crescimento pentecostal, como veremos um pouco mais adiante.

Evangélicas de Missão

O conjunto das religiões “Evangélicas de Missão”, assim como a Igreja Católica, passou a década cedendo razoável número de adeptos para outras formas de crer. A tabela 02 informa que a Luterana perdeu 4,82 pontos percentuais, a Batista 0,21 e a Congregacional 0,18. A exceção coube a Evangélica Adventista, que teve um crescimento de 0,15% no número de adeptos.

Somadas as perdas e ganhos, temos, portanto, uma diminuição no número de declarantes “Evangélicos de Missão” equivalente a 5,06% da população do município. Se no ano de 2000 as evangélicas detinham 14,56% da população, em 2010 esta opção cai para 9,5%.
As religiões evangélicas Presbiteriana e Metodista (ambas listadas pelo IBGE) foram retiradas da tabela 02 por não apresentarem adeptos tanto no Censo de 2000 como no de 2010.

Evangélicas de origem pentecostal

As religiões “Evangélicas de origem pentecostal” (tabela 03), ao contrário da Católica e das “evangélicas de missão”, obtiveram, nesta década, um aumento considerável de adeptos que alcança 5,16% sobre a população do município. Colaboraram com este avanço as evangélicas Assembleia de Deus (3,84%), Evangelho Quadrangular (0,21%), Deus é Amor (0,08%) e um conjunto de “Outras evangélicas de origem pentecostal” com 1,96% de novos adeptos.

Contudo, entre as evangélicas de origem pentecostal há credos em recuo no número de adeptos. Este vem a ser o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, que passou de 0,83% para 0,33% da população do município, e da “Deus é Amor”, que em 2000 contava com 0,16% da população e em 2010 passou a contar com tão somente 0,08%.

Somados os índices temos, portanto, no Censo de 2000, um total de 5,76% de evangélicos de origem pentecostal, enquanto no Censo de 2010 estes alcançam 10,92%. Os pentecostais obtiveram, portanto, um acréscimo de 5,16% da população em suas fileiras.

As igrejas Brasil para Cristo, Casa da Bênção, Maranata, Igreja Nova Vida, Evangélica Renovada não determinada e Comunidade Evangélica, embora listadas pelo IBGE, foram retiradas da tabela 03 por não apresentarem adeptos em ambos os Censos aqui considerados.

Evangélicos sem vínculo institucional, evangélica não determinada e outras cristãs

A tabela 04 aponta um fato que, de certo modo, surpreende o cenário evangélico de Campo Bom. O Censo de 2000 identifica 0,42% de evangélicos2 sem vínculo institucional e outros 0,12% de evangélicos de origem pentecostal sem vínculo institucional, que perfaz um total de 0,54% da população. Mas no Censo de 2010 a opção por identificar destituídos de vínculo (permanente?) com sua organização religiosa troca de linguagem. Desta vez procura questionar quantos indivíduos do município seriam membros de uma igreja “evangélica não determinada”. E o número destes vem a ser agora bastante alto, pois ascende a 5,75% da população em vez dos 0,54% no Censo de 2000.

Como entender a diferenciação? Provavelmente os identificados com a opção “evangélica não determinada” pode agregar, por um lado, os “evangélicos sem vínculo”, como se definia no Censo de 2000, mas também pode agregar, segundo o Censo de 2010, adeptos “evangélicos culturais” e/ou “sem prática religiosa”.

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Testemunhas de Jeová e Espírita

Este grupo de religiões, embora bastante diminuto, pois conta com somente 1,99% da população, vem firmando passos no município. Tiveram um incremento que triplicou o número de aderentes no grupo. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias passou de 0,02% da população para 0,09%, os Testemunhas de Jeová passaram de 0,07% para 0,8% e os Espíritas, que em 2000 contavam 0,37% de aderentes, em 2010 passaram a contar com 1,1% dos moradores de Campo Bom.

Religiões de Matriz Africana

Enquadrados em um cenário tradicionalmente católico e luterano, e que nesta última década primou pela expansão do evangelismo pentecostal, as religiões de matriz africana em Campo Bom cumprem um rol, em termos numéricos, absolutamente secundário (tabela 06). Em 2010 somente 0,06% da população do município se identifica com esta forma de crer: a Umbanda soma 0,04% de aderentes, e o Candomblé outros 0,02%.

Mas se confrontamos os números de praticantes das religiões de matriz africana anotados pelo Censo de 2010 com o de 2000, os números deste último apresentam certo otimismo. A rigor, religiões de matriz africana, embora ainda com poucos adeptos, triplicaram sua participação. Passaram de 0,02% para 0,06%, um índice superior ao aumento da população “preta” e “parda” residente durante a década3.

Religiões Orientais

Os declarantes membros das religiões orientais (tabela 07), presentes apenas no Censo de 2010, formam um diminuto grupo que alcança apenas 0,16% da população do município de Campo Bom. Dos que se identificam como integrantes de religiões orientais, 89 pessoas (0,15%) declararam ser membros do budismo e outros 07 indivíduos (0,01%) professam ser hinduístas.

Embora o Censo de 2010 não apresente detalhes sobre os “budistas” residentes em Campo Bom, é possível inferir que sejam participantes do Budismo Tibetano (Budismo Vajrayana) ou do Zen-Budismo (japonês), visto que ambos os grupos estão presentes em outras cidades da região.

Cabe também observar que as formas religiosas vindas da Ásia, como no caso do Hinduísmo e do Budismo, encontram no Rio Grande do Sul, como em todo o País, altas dificuldades de inserção em nosso meio cultural eminentemente cristianizado. Aderir a um credo oriental significa, no caso, além de uma troca de religião, uma profunda mudança cultural. Contudo, aos poucos, a região do Vale do Rio dos Sinos, e com ela Campo Bom, vai integrando as religiosidades orientais em seu meio. Em 2000 nenhuma delas aparecia no cenário religioso do município. Já em 2010, estas alcançam, portanto, 0,16% da população.

Religiões indígenas

A presença indígena em Campo Bom (tabela 08) registra 62 moradores (0,11%) no Censo de 2000 e 39 (0,06%) no Censo de 2010. Como indica a tabela abaixo, em ambos os Censos não há registros sobre religiosidades indígenas.

No primeiro Censo os ascendentes indígenas identificam-se preferencialmente com a religiosidade Católica (50) e, em menor grau, com a Igreja Testemunhas de Jeová (12). No Censo de 2010 a presença indígena na cidade diminui para somente 39 pessoas, das quais 32 se afirmam católicas e 08 sem religião.

Religiosidade não determinada ou mal definida e não sabe

Numericamente pouco significativa, a alternativa “religiosidade não determinada ou mal definida” registra, em 2010, 0,08% dos habitantes do município. Outros 0,01% (08 indivíduos) não souberam informar sobre o tema religião.

Sem religião, ateu e agnóstico

Entre os habitantes de Campo Bom, o registro de pessoas identificadas com a opção “sem religião” (tabela 10) encontra índices bastante abaixo dos registrados no Estado e no País4. Alcança somente 2,7% da população. Destes, 2,6% declaram ser “sem religião” e 0,1% (61 declarantes) assinalam a opção “ateu”.  A opção “sem religião – agnóstico” não teve adeptos em ambos os censos.

Conclusões

A título de conclusão, é possível observar que o desenvolvimento da religiosidade cristã no Município de Campo Bom aponta dois aspectos relevantes que merecem destaque. O primeiro diz respeito à continuidade do elevado índice de praticantes membros de igrejas cristãs (cf. tabela 01). Embora o número de adeptos do cristianismo tenha diminuído 2,15% entre 2000 e 2010, este continua praticamente absoluto: 94,94% da população se insere no contexto religioso cristão (católico, evangélico de missão, evangélico pentecostal, evangélico sem vínculo institucional, entre outros).

O segundo dado que chama a atenção do observador informa sobre a ampliação do trânsito religioso entre as denominações cristãs deste município. A história da cidade relata que sua população era inicialmente composta por ampla maioria evangélica5, mas que, com o ingresso de novas migrações, foi cedendo espaços significativos para o catolicismo. No período 2000-2010, não obstante, tanto o Catolicismo quanto as denominações Evangélicas de Missão (tabela 11) estão diminuindo o número de seus adeptos, enquanto os participantes das Igrejas Evangélicas Pentecostais estão em ascensão. Sob este ponto de vista, portanto, grande parte do trânsito religioso em Campo Bom aponta na direção de um movimento de transferência de praticantes restrito a um mesmo paradigma religioso, o do cristianismo.

Contudo, uma parcela de adeptos de religiões opta por credos fora do contexto estritamente cristão. Pois expressões religiosas como a do Espiritismo, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Testemunhas de Jeová, Budismo e religiões de Matriz Africana, todas mais ou menos distantes de um contexto tipicamente cristão, andam firmando passos no município.
Por último, cabe ainda destacar que o crescimento da diversidade religiosa em Campo Bom não pode descurar do aumento do número (mesmo modesto) dos que se professam “sem religião” e “ateus”, o que, em 2010, perfaz 2,7% sobre uma população de 60.074 habitantes6. Mormente em um ambiente cultural cristão Católico, Evangélico de Missão e Pentecostal, como o desta cidade, a manifestação pública do ateísmo ou agnosticismo sofre restrições. Talvez, por isso, 2,6% da população da cidade declararam ser “sem religião” (cf. tabela 10) e somente 0,1% da população confessa ser ateia.

Notas:

1 - Para facilitar a compreensão dos dados, cabem as observações: (a) o estudo procura preservar, na medida do possível, a ordem, a similitude e a nomenclatura das instituições religiosas existentes no município comumente usadas pelo IBGE, fonte única deste trabalho; (b) os cálculos percentuais aqui efetuados tomam como referência o total da população do município; (c) todos os cálculos são da lavra do IBGE, exceto os das colunas intituladas “variação %”; (d) nem sempre as somas parciais das amostras dos censos correspondem exatamente aos números dos dados gerais dos respectivos censos. Estas diferenças, no entanto, que oscilam entre 0,01 e 0,03%, por serem bastante diminutas, não invalidam a análise emanada dos dados das amostras.

2 - O termo “evangélicos” refere o grupo de religiões também denominado “Evangélicos de Missão” (tabela 02).

3 - Conforme o Censo de 2000, pretos (1,61%) e pardos (5,75%) somam 7,36% da população total do município. Já no Censo de 2010, pretos (2,82%) e pardos (8,32%) formam 11,14%. A designação “pretos” e “pardos” integra a nomenclatura usada pelo IBGE em ambos os Censos.

4 - O índice dos sem religião, ateus e agnósticos no RS alcança 5,9% da população. No Brasil atinge 8%.

5 - O povoamento de Campo Bom iniciou em 1824 com a chegada de imigrantes (colonos) alemães. A maioria destes eram, então, membros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana.
6 - Religiões como a do Judaísmo, Hinduísmo e Islamismo, entre muitas outras, não registraram adeptos em Campo Bom tanto no Censo de 2000 como no de 2010.