A diversidade religiosa em Sapucaia do Sul - RS

  • Segunda, 9 de Setembro de 2013

O Observatório da Realidade e das Politicas Públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos realizou o acesso e sistematização das informações declaradas pela população do município de Sapucaia do Sul nos Censos dos anos 2000 e 2010 referentes à religião. Os dados coletados são objeto do artigo elaborado pelo pesquisador Inácio José Spohr, coordenador do programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo – GDIREC.

Inácio José Spohr possui graduação em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e mestrado em Ciências Sociais pelo Instituto Latino-americano de Estudios Sociales, de Santiago do Chile.

Eis o artigo.

Breve análise do resultado dos Censos Demográficos de 2000 e 2010: Dados Gerais das Amostras, IBGE.

Introdução

O município de Sapucaia do Sul, situado no Vale do Rio dos Sinos, desponta no cenário do RS, por abrigar, em seu território, o Jardim Zoológico do Estado do Rio Grande do Sul. Por isso a cidade é conhecida como a “Terra do Zoo”1. Emancipado de São Leopoldo dia 20 de maio de 1961, o município sapucaiense conta hoje com 130.957 habitantes e um amplo parque industrial alocado, sobretudo, ao longo da BR-116.

A população de Sapucaia do Sul, originalmente composta por habitantes portugueses e alemães, aos poucos, foi acrescentando descendentes de negros, árabes, libaneses e poloneses. Mas sua miscigenação não parou de agregar outras etnias, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, quando a população da cidade acolheu excedentes populacionais provindos do êxodo rural, em busca de emprego na indústria da região. Agregaram-se, então, às etnias já existentes, descendentes de italianos e japoneses.

No campo da diversidade religiosa, Sapucaia do Sul segue caminhos similares aos de outras cidades da região. Por um lado, apresenta hoje o advento de um cristianismo mais pentecostal, a emergência de um catolicismo com perdas significativas e a experiência da afirmação do espiritismo. Por outro lado, revela também algo surpreendente. O número de praticantes de religiões de matriz africana está muito aquém do esperado pela própria população do município. Do mesmo modo, surpreende que, entre os grupos religiosos mais numerosos em Sapucaia do Sul, formados por católicos e por evangélicos de missão e evangélicos pentecostais, esteja também o daqueles que se declaram sem religião (entre estes, os ateus e agnósticos).
Tendo em vista esclarecer estas e outras interrogantes acerca do desenvolvimento das religões em Sapucaia do Sul2, segue uma breve apresentação e análise dos dados dos censos demográficos do IBGE de 2000 e 2010.

Religiões Cristãs

Um dos aspectos que mais chama a atenção no estudo do desenvolvimento das religiões no Vale do Rio dos Sinos trata da diminuição de declarantes cristãos (Tabela 1). E Sapucaia do Sul não foge à regra. Fato observado desde o censo de 1980, a diminuição dos adeptos da Igreja Católica Apostólica Romana, na década 2000-2010, atinge 8,41% dos habitantes do município. Se em 2000 os católicos detinham 98.432 membros, em 2010 estes passam a somente 94.006. Já o conjunto das denominações Evangélicas, neste mesmo período, teve um incremento de 4,89%. Ou seja, se em 2000 tinham 14.281 habitantes em suas fileiras, em 2010 os evangélicos somam precisamente 21.631 habitantes.

Portanto, podemos deduzir que o total dos sapucaienses que declararam fazer parte de uma denominação religiosa cristã teve um decréscimo de 3,31% no censo de 2010 em relação ao de 2000. Vale considerar que Sapucaia do Sul, desde logo, nesta década, embora se tenha tornado menos católica e mais pentecostal, também se tornou menos cristã. O crescimento evangélico não conseguiu absorver o total das perdas da Igreja Católica e de outras religiões evangélicas.

Já a religião Católica Apostólica Brasileira, com pouquíssimos representantes em Sapucaia do Sul, teve, no entanto, um pequeno incremento de participantes (acrescentou 0,09%). A Igreja Católica Ortodoxa, por sua vez, marca alguns poucos pontos somente no censo de 2010, quando registra 145 membros (0,11%).

Religiões Evangélicas de Missão

As Religiões Evangélicas de Missão (Tabela 2), a exemplo de outras cidades da região, como Novo Hamburgo, Esteio e Canoas, também tiveram perda de adeptos entre 2000 e 2010 em Sapucaia do Sul. Diminuíram 0,43% sobre o total dos habitantes do município.

Entre as denominações que perderam adeptos estão as Igrejas Luterana, Presbiteriana e Adventista. Cresceram um pouco as Igrejas Metodista e Batista. Para “Outras Evangélicas de Missão” não há dados comparativos, tanto em 2000 como em 2010.

Religiões Evangélicas de Origem Pentecostal

Observamos acima (Tabela 1) que o conjunto das denominações Evangélicas em Sapucaia do Sul obteve, entre 2000 e 2010, um incremento de 4,89% no número de seus membros. Mas as denominações religiosas de origem pentecostal elencadas explicitamente pelos censos (Tabela 3) sinaliza que o crescimento destas alcança somente 1,26% na mesma década3. No caso, tiveram aumento de adeptos as Igrejas Assembleia de Deus e Evangelho Quadrangular. Diminuíram adeptos as Igrejas Congregação Cristã do Brasil, O Brasil para Cristo, Universal do Reino de Deus, Casa da Benção e Deus é Amor. Não há dados comparativos para as alternativas “Outras” evangélicas de origem pentecostal.

Dentre as religiões pentecostais em que diminuíram adeptos, particularmente, chama a atenção o fato de que a Igreja Universal do Reino de Deus tenha perdido mais que a metade de seus membros apesar de sua grande exposição midiática. De 1.916 adeptos, em 2000, passa a contar somente com 861, em 2010.

Na Tabela 4 temos uma série de alternativas um tanto desencontradas se compararmos os dados do censo de 2000 com o de 2010. No primeiro, há um pequeno grupo de alternativas intitulado “Evangélicas sem vínculo institucional” (“Evangélicos” e “Evangélicos de origem pentecostal”) que perfazem 0,11% dos habitantes, e um conjunto de religiões denominado “Outras religiões evangélicas” que alcançam 0,34% da população de Sapucaia do Sul. Em 2010, no entanto, o censo deixa de oferecer o termo “sem vínculo institucional” e opta por pesquisar a alternativa de adesão religiosa intitulada “Evangélica não determinada”, que recebe 4,51% dos declarantes do município. Uma alternativa bastante elevada que, certamente, “esconde” uma série de religiões evangélicas (pentecostais ou não) das quais, infelizmente, não se conhece o nome, nem o número de adeptos por denominação.

Somando as alternativas do campo evangélico, temos então os seguintes percentuais de adeptos (Tabela 5):

 

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Testemunhas de Jeová, Espiritualista e Espírita

Neste grupo de religiões (Tabela 6), embora bastante conhecidas na cidade devido a grandes esforços de divulgação corpo a corpo, os que se declararam adeptos da Igreja Testemunhas de Jeová e da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias são bem poucos. Respectivamente, contam com 0,17% e 0,79%, segundo o último censo. Ambas, porém, tiveram leve aumento de adeptos entre 2000 e 2010. A expressão religiosa “Espiritualista” registra alguns poucos adeptos (0,03%) somente em 2010.

A Doutrina Espírita, no entanto, mais que dobrou o número de seus adeptos durante o período. Se no ano de 2000 contava com 1.792 habitantes (1,46%), em 2010 passa a contar com 4.011 (3,06%).

Religiões Afro-Brasileiras

No que se refere às religiões de matriz africana (Tabela 7), vem a ser importante observar que a população afro-brasileira no município de Sapucaia do Sul corresponde, segundo o censo de 2010, a 6.240 “pretos” (4,76%) e 10.445 “pardos” (7,97%). Somados, atingem, portanto, um contingente de 16.685 habitantes (12,73%). Mas são relativamente poucos os adeptos das religiões de matriz africana, sejam eles descendentes afro-brasileiros ou oriundos de outras etnias.

Em efetivo, os autodeclarados membros da “Umbanda” e do “Candomblé” (designações usadas nos censos) somam tão somente 1,97% do total de habitantes do município. Contudo, na década aqui considerada, a Umbanda teve um aumento de 0,33% no seu número de adeptos. O Candomblé, por sua vez, já com participação muito baixa, perdeu a metade de seus participantes no mesmo período.

Uma possível explicação para o baixo desempenho das religiões de matriz africana na região (o mesmo fenômeno acontece também em outras cidades do Vale do Rio dos Sinos) pode estar relacionada ao determinante cultural e religioso que historicamente demoniza as religiões africanas, bem como pode estar ligada ao fato de que o nome “candomblé” (usado pelo censo) seja pouco conhecido no RS. Ambos os aspectos podem funcionar como determinante negativo diante do pesquisador do IBGE, fato que pode levar parte da população a declarar ser integrante de um meio religioso mais “amigável” como, por exemplo, o do catolicismo. Mais conhecidas são, sem dúvida, as denominações “religião africana”, “batuque”, “nação”, ou simplesmente se o declarante é de “religião” ou não.

Judaísmo e Islamismo

Embora muito importantes no concerto mundial das religiões, a Tabela 8 indica que o Judaísmo se faz totalmente ausente em Sapucaia do Sul em ambos os censos, enquanto o Islamismo registra, respectivamente, 9 e 17 pessoas (0,01%) como membros. Tanto o Islã quanto o Judaísmo encontram maior presença em Porto Alegre e extremo sul do Estado.

Religiões Esotéricas, Indígenas e outras religiosidades

Este pequeno grupo de religiões (Tabela 9) mais chama a atenção por ausência de declarantes do que pela presença destes. As religiões “Esotéricas”, pouco servidas em Sapucaia do Sul, conseguem apenas 0,03% de adesões e “Outras religiosidades” tão somente 0,01%. E, curiosamente, nenhum sapucaiense opta por uma forma religiosa pertencente a “tradições indígenas”. Contudo, os Censos informam que, em 2000, havia no município 439 pessoas que declararam ser de ascendência indígena, e que em 2010 estes eram 66.

Religiões Orientais

As tradições religiosas orientais, assim como em outras cidades da região do Vale do Rio dos Sinos, são extremamente diminutas em Sapucaia do Sul (Tabela 10). Entre estas, o Hinduísmo não apresenta adeptos em ambos os censos. O Budismo, com raros representantes, congrega 0,02% da população. E, as assim denominadas pelo censo, “novas religiões orientais” (Igreja Messiânica Mundial e Outras), congregam em torno de 0,03% da população em suas fileiras.
Grosso modo, as tradições religiosas orientais são de difícil assimilação em meios culturais ocidentais altamente cristianizados. Mas, aos poucos, vão firmando passos, inclusive na região da Grande Porto Alegre. No Brasil despontam com maior ênfase, sobretudo, na cidade de São Paulo.

Religião não determinada e múltiplo pertencimento

A prática disseminada de múltipla visita a locais de culto religioso é admitida por poucos declarantes do censo em Sapucaia do Sul (Tabela11). Segundo o censo de 2010, a alternativa “declaração de múltipla religiosidade” recebe somente 20 adesões sobre uma população de 130.957 habitantes. Outros itens, naturalmente ínfimos, são definidos como “religiosidade não determinada ou mal definida (0,07%) e “não sabe” (0,01%), ambos relativos ao censo de 2010. No censo de 2000 temos ainda as alternativas religiosas “não determinada” (0,19%) e “sem declaração” (0,1%).

Sem religião, ateus e agnósticos

Entre os índices mais interessantes dos censos de 2000 e 2010 está o que verifica estatísticas relativas a ateus, agnósticos e sem religião (Tabela 12)4. Em Sapucaia do Sul é relativamente baixo o índice de não crentes (4,64%). Contudo, tiveram um acréscimo de 0,88% na década. Em um meio cultural maciçamente religioso (cristão) é difícil afirmar-se ateu ou agnóstico. Mais aceitável é ser “sem religião”. Por isso, os que simplesmente afirmam ser sem religião atingem 4,22% da população. Muito menor é o número de declarantes ateus (0,36%) e o de agnósticos (0,06%)5.

Conclusão:

A título de conclusão, é possível afirmar que Sapucaia do Sul segue, no campo da diversidade religiosa, tendências similares a de outras cidades do Vale do Rio dos Sinos. A primeira destas tendências dá conta da expressiva redução de filiados na Igreja Católica Apostólica Romana. No censo de 2000, os declarantes católicos alcançam 80,19% habitantes, enquanto em 2010 estes formam somente 71,78% dos habitantes. Trata-se, pois, de uma diminuição que atinge 8,41% da população do município. Algo semelhante acontece, mas em grau menor, com as Religiões Evangélicas de Missão. Estas, neste mesmo período, tiveram uma diminuição de 0,43% em seu número de adeptos.

Um segundo aspecto que chama a atenção refere-se à ascenção das religiões evangélicas de origem pentecostal. O crescimento destas (1,26%) não cobre, porém, as perdas católicas e outras evangélicas, mesmo se aqui considerarmos incluso o grande contingente de evangélicos indeterminados (4,51%). Entre 2000 e 2010, o número de cristãos teve um declínio de 3,31% sobre o total da população do município.

Ainda em relação às religiões cristãs, cabe a observação de que algumas denominações de origem pentecostal apresentam recuo no número de adeptos, mesmo tendo ampla exposição midiática. Estre estas se encontram, por exemplo, as igrejas Universal do Reino de Deus (ligada a Rede Record), Congregação Cristã do Brasil, O Brasil para Cristo, Casa da Benção e Deus é Amor.

Em quarto lugar, convém considerar como fato importante em Sapucaia do Sul o alto índice de “evangélicos indeterminados” (4,51%). Serão estes signo de evangélicos “sem prática” (assim como existem católicos sem prática)?

Também merece ser destacado o fato de que, nos Censos de 2000 e 2010, não há declarantes para diversas religiões no município de Sapucaia do Sul, sobretudo se considerarmos a importância destas em nível nacional. Por isso, é possível que aderentes vinculados a religiões como da Igreja Mundial do Poder de Deus e da Internacional da Graça (ambas de grande alcance televisivo), entre outras tantas, estejam abrigados sob a designação “evangélica não determinada” (4,51%).

Quanto às religiões afro-brasileiras, os dados dos Censos indicam que a Umbanda teve um pequeno aumento de participantes entre 2000 e 2010 e que o Candomblé, já com pouquíssimos membros, ainda deixou para trás, na mesma década, a metade de seus participantes. Logo, se por um lado, o município conta com 16.685 declarantes afro-brasileiros (12,73% da população), por outro lado, a visibilidade da religiosidade de matriz africana (1,79%) mostra alta dificuldade de difusão e reconhecimento.

Por último, cabe observar que, entre as opções verificadas pelo censo em Sapucaia do Sul, desenha-se a perspectiva de um pequeno aumento da diversidade religiosa. Colaboram com esta assertiva os indicadores da diminuição da força do cristianismo, do aumento dos sem religião, do crescimento da Doutrina Espírita e do alto índice de evangélicos sem denominação conhecida.

Notas:

1 - Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sapucaia_do_Sul e http://www.sapucaiadosul.rs.gov.br/.
2 - Ver também Follmann, José Ivo (coord.) “O Mundo das Religiões em Sapucaia do Sul”, Cadernos IHU, ano 3, nº 10, 2005. Trata-se de levantamento cadastral dos locais de culto religioso e templos realizada no âmbito da pesquisa “Religiões na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS”, organizada pelo GDIREC – Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo. Disponível para download (ZIP) em http://www.ihu.unisinos.br/cadernos-ihu/58291-o-mundo-das-religioes-em-sapucaia-do-sul.
3 - Confira, na Tabela 4, o alto número de declarantes de religiões de “origem pentecostal não determinada”.
4 - Observe que o conceito SEM RELIGIÃO, usado pelo censo de 2010, averigua indivíduos que declaram ser “sem religião”, “ateus” e “agnósticos”.
5 - O total de declarantes “sem religião” no Brasil (ateus, agnósticos e sem religião) atinge 8% da população. Portanto, um índice bem maior que os 4,64% de Sapucaia do Sul. Mas, neste município, ateus e agnósticos somam 0,42%, um número levemente superior ao do nacional (0,4%).