O ObservaSinos, Programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, traz nesta semana, ainda dentro do contexto da Conferência Rio+20 e da Cúpula dos Povos, realizadas no Rio de Janeiro entre os dias 13 a 22 de junho. Foram reunidas aqui algumas reflexões de agentes com atuação no Vale, que tiveram participação nos processos de preparação e/ou realização destes eventos.
Kray Sadi de Mello, Marla Kuhn, Célia Maria Teixeira Severo e Ana Formoso, professores e funcionários da Unisinos contribuíram nesta análise, apontando pontualizações, desafios e possibilidades da questão ambiental para a nossa região, país e mundo.
Uma das grandes questões que está apontada desde a Eco 92 é a possibilidade de compatibilizar desenvolvimento econômico com ambiente sustentável. Hoje, sobretudo, soma-se a este debate o consumo, a realidade da oferta e do acesso aos bens de consumo. É possível considerar “país desenvolvido” um país que desordenadamente subordina sua balança comercial aos imperativos do consumo? Sobre isto, o geólogo e professor da Unisinos Kray Sadi de Mello analisa que: “considerando o modelo atual de crescimento econômico e incentivo exacerbado às práticas de aquisição de bens não duráveis e altamente poluidores não podemos enquadrar pelo menos temporariamente estes países na qualidade de desenvolvidos até que se mude o conceito do que realmente é ser desenvolvido”.
Para o professor o Brasil faz parte do grupo de países que aceitaram e se incorporaram integralmente às “tentações da facilidade de acesso ao consumo”, sendo que o aumento de renda faz aumentar ainda mais esta tendência. É desta contestação que são formuladas as perguntas: Será que o planeta irá suportar? Será que a tecnologia e o seu futuro trará a felicidade estampada nas propagandas? Questiona Kray.
A Conferência Rio + 20 demarcou um território onde, infelizmente, importantes questões não puderam ser tratadas, em nome de um consenso difícil que se buscava e que se modulava prioritariamente por interesses econômicos. Outra foi, no entanto, a realidade da Cúpula dos Povos, onde, pelos participantes, a realidade dos fatos, com suas lutas, desafios e expectativas compareceu.
A professora e mestre Ana Formoso da Unisinos participou da Cúpula dos Povos e refletindo sobre aproximação da realidade local com os desafios apontados no encontro destaca que: “na Cúpula dos Povos no Rio de Janeiro diversos movimentos sociais urbanos, ambientais provenientes de todas as partes do mundo refletiram e apontaram um “não” à mercantilização da natureza, da biodiversidade e dos bens comuns”.
A realidade do cuidado da água, dos agrotóxicos nos alimentos, dos rios poluídos que trazem inúmeras consequências para os animais e para o meio ambiente foram temáticas relevantes nas diferentes plenárias. Ana reconhece com isso que a realidade e os desafios vividos também no Vale do Sinos estiveram presentes na Cúpula dos Povos. Ela destaca que essa presença deu-se, especialmente, através dos debates e experiências do “cuidado das águas dos rios para uma cultura do bem-viver”. Destacou ainda que “um dado que se revelou foi que somente 3% dos resíduos do Rio de Janeiro são reciclados”. A partir desta informação, Ana Formoso questiona: “Qual será a percentagem no Vale do Rio dos Sinos?”
A dimensão do cuidado nos remete ainda a um outro aspecto desafiador que é a relação ou a articulação necessária entre saúde e ambiente. A Profa. MS do curso de Serviço Social da Universidade, Marla Kuhn, analisa que o atual quadro de saúde está composto por diversos cenários, todos eles condicionados por diferentes contextos socioambientais. Exemplo disso é o dado de que “as doenças cardiovasculares e neoplásicas correspondem à primeira e terceira causas de óbito e são decorrentes de condições genéticas, de vida e trabalho de populações expostas a determinados poluentes ambientais”.
O quadro das doenças é claramente determinado pelas condições socioambientais, sustenta a professora. Neste sentido: “a exploração da interface entre saúde e ambiente, sob o marco da sustentabilidade, compreende assim a instituição de uma política que expresse a multiplicidade de forças interativas geradas com uma diversidade de “olhares” e “interesses” em torno da promoção da vida do planeta e da saúde humana”.
Esta percepção nos remete ainda à percepção desta realidade como expressão da perda sistemática de direitos, produto de políticas excludentes que pretendem modelar-nos como sociedade. Assim, “consideramos que as práticas de saúde formam parte da “paisagem” onde estão as populações atingidas pela degradação ambiental, por contaminação do ar, por resíduos, ruídos intensos, contaminação dos solos, inundações, presença de vetores de doenças, perdas culturais, por várias representações que indicam a presença de injustiças ambientais”, complementa Marla Kuhn.
Para Marla, o conceito de justiça ambiental a partir da base teórica da “ecologia política”, torna-se importante, pois além de ajudar a refletir sobre os vínculos entre saúde e ambiente “aponta que mais do que nunca, políticas intersetoriais com participação popular devem ser estimuladas e construídas nos territórios para o verdadeiro enfrentamento dos impactos socioambientais e seus efeitos na vida das pessoas”.
Uma visão de conjunto faz-se necessária. E neste sentido, para Célia Maria Teixeira Severo, coordenadora do Programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários – Tecnosociais/Unisinos, presente também na Cúpula dos Povos, a participação no evento permitiu visualizar num contexto macro das discussões, muito da realidade com a qual o Programa esta envolvido na região do Vale do Sinos. Para Celia, “são temáticas que se arrastam há várias décadas sem maiores debates por parte da sociedade e que sofrem solução de continuidade a cada troca de gestores públicos nos municípios que integram o Vale do Rio dos Sinos, embora seja possível reconhecer algumas iniciativas tímidas de mudar este quadro”.
Por isso, faz-se necessário incorporar no debate a indissociabilidade da relação entre o global e o local, o macro e o micro. É indispensável a relação entre os temas locais com discussões e agendas maiores Neste sentido faz-se importante congregar “as atividades e as agendas por justiça social e ambiental, contra a mercantilização da vida e na defesa dos bens comuns, defendidas na Cúpula, aos espaços nos quais estamos inseridos/as, visando uma efetiva transformação de paradigma, para um desenvolvimento socioeconômico sustentável”, conclui Célia.
Resta, como se vê pelos depoimentos e análises, a necessidade de exercitar a responsabilidade comum e particular em relação à promoção e proteção do ambiente em suas múltiplas e diversas expressões. A forma de compreender e interagir com esta realidade e os seus agentes sinaliza também o rumo ou da manutenção ou das mudanças. Eis, portanto, a necessidade de acessar as informações, fomentar debates e participar das articulações, como ferramentas imprescindíveis para a construção de outras realidades.