Em um espaço de urbanização e de vulnerabilidades sociais, o que uma praça, sendo um espaço público tem a oferecer? Pensar o impacto e a proteção social que uma praça pode gerar é necessário para possibilitar outros meios de acesso ao esporte e ao lazer, oportunizando outra inclusão social em um ambiente mais democrático, que promova a saúde e o bem-estar.
Ampliar a análise e o debate sobre as realidades do Vale do Rio dos Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre a partir das contribuições de acadêmicos e trabalhadores por meio de sistematizações de pesquisas e/ou experiências de intervenção é o objetivo do edital de Apresentação de trabalhos para publicação pelo ObservaSinos/Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Em 2015, o Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos, promoveu o edital a fim de dar espaço para pesquisas e/ou experiências na região dos Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre, que contou com a participação de trabalhos que analisaram diferentes realidades a partir de diferentes perspectivas.
O trabalho “Apropriação do espaço público pela comunidade frente às políticas de lazer: o caso da Praça da Juventude de Novo Hamburgo, RS, Brasil”, realizado pelos pesquisadores Alison Trindade de Vargas, graduado em Educação Física Licenciatura e graduando em Educação Física Bacharelado pela Unisinos, Cláudio Augusto Silva Gutierrez, doutor em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade de Deusto/Espanha, no programa Ócio e Potencial Humano e professor e pesquisador da Unisinos além de coordenador do curso de Bacharelado de Educação Física, e Fernando Edi Chaves, mestre em Ciências Sociais pela PUC/RS e graduado em Educação Física Licenciatura pela UFRGS, procura identificar se a Praça da Juventude em Novo Hamburgo tem sido ocupada de acordo com suas finalidades.
Eis o artigo.
O programa Praça da Juventude, criado pelo Governo Federal em 2007, é uma ação destinada a aumentar os espaços urbanos de convivência comunitária e oferecer um equipamento público e qualificado às comunidades com índices de vulnerabilidade social que possuem reduzido ou nenhum acesso a equipamentos públicos de esporte e lazer. Esse programa tem por objetivo “democratizar o acesso a equipamentos públicos de esporte e lazer, ampliando a oportunidade do desenvolvimento de práticas esportivas, atividades recreativas, educativas, culturais e sociais como instrumentos de inclusão social e de promoção da saúde” (BRASIL, 2010a, p. 03).
A Praça da Juventude é uma ação do Ministério do Esporte em parceria com o Ministério da Justiça que se realiza por intermédio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Essa ação é posta em prática e implementada pelos governos estaduais e municipais na medida em que são contemplados em editais e celebram convênios com o Ministério do Esporte. Cada Praça da Juventude custa, em média, R$ 1,7 milhão, sendo que o valor total das Praças pode ser acrescido de investimentos do próprio município. O investimento total nessa política, em 2010, foi superior a R$ 262 milhões (BRASIL, 2010b).
Nesse mesmo ano, foi conveniada pelo Ministério do Esporte a construção de 184 Praças da Juventude pelo país, sendo dez praças no estado do Rio Grande do Sul, nos municípios de Porto Alegre, Canoas, Esteio, Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha, Guaíba, Alvorada, São Leopoldo e Alegrete (BRASIL, 2010c).
Desses convênios realizados no estado, constatamos, a partir de investigação exploratória, que estão implantadas as Praças da Juventude em cinco municípios, sendo eles: Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Novo Hamburgo e Sapucaia do Sul.
Em que pese os investimentos públicos nessa política, certamente o tipo de apropriação feita pela comunidade vai influenciar nos benefícios que a praça pode oferecer. Ou seja, os objetivos dessa ação de Governo não dependem apenas da disponibilidade de recursos no orçamento da União, da iniciativa e capacidade de gestão das prefeituras, mas depende, fundamentalmente, da apropriação da comunidade em acordo com os objetivos dessa política pública. De nada adiantará todo o investimento e gestão dessa ação de governo se as comunidades não se apropriarem das Praças, ou se apropriarem em desacordo com sua finalidade.
Nesse sentido, será que a praça de Novo Hamburgo tem sido apropriada pela comunidade, ou estará ociosa? Como se dá essa apropriação: é em acordo com os objetivos dessa política pública? Existem projetos e animação na praça de modo a democratizar a oferta de práticas esportivas, atividades recreativas, educativas, culturais e sociais? A comunidade se apropria da praça como instrumento de promoção da saúde? A praça é apropriada democraticamente pela comunidade, sendo fator de inclusão social?
A partir desses questionamentos realizamos uma investigação com o objetivo de analisar se a apropriação da Praça da Juventude pela comunidade do Bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, corresponde aos objetivos dessa política pública: a democratização do acesso ao esporte e lazer, a inclusão social em um ambiente democrático e a promoção da saúde.
Os objetivos específicos foram: identificar se a Praça da Juventude tem sido utilizada pela comunidade ou se está ociosa; identificar se a apropriação pela comunidade contempla a democratização das culturas lúdicas por meio do acesso a projetos de esporte, atividades recreativas e sociais na praça; identificar se é realizada uma apropriação democrática e inclusiva da praça, tomando-se por dimensões de análise a gestão participativa, a intergeneracionalidade, a equidade de gênero e a inclusão de pessoas com deficiência; analisar se a comunidade se apropria da praça como fator de promoção da saúde.
Quanto à metodologia, a investigação de campo tomou a forma de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo, com utilização da estratégia de estudo de caso. Para a coleta de informações foram utilizadas: análise de documentos oficiais e citados pelo Ministério como referências para essa política pública; observações diretas da interação entre a comunidade e o espaço da Praça da Juventude; e entrevistas semiestruturadas com usuários e gestores. Os resultados da investigação emergiram da triangulação entre as informações de campo e documentais, tendo por dimensões de análise os objetivos dessa política, a democratização do acesso ao esporte e ao lazer, inclusão social em um ambiente democrático e promoção da saúde.
Num primeiro momento verificamos que, de fato, a Praça da Juventude de Novo Hamburgo está instituída, localizada no Bairro Santo Afonso, localidade arrolada como Território de Paz. Portanto, o fato de esse bairro, onde se localiza a Praça, ter sido incluído como Território de Paz significa que essa é uma região reconhecida pelo Governo Estadual como de vulnerabilidade social e violência. Sendo assim, é um local que atende aos objetivos do Programa Praça da Juventude, porque nesse local se verifica um escasso acesso ao direito social do esporte e do lazer.
Os resultados da investigação evidenciaram que a Praça da Juventude tem sido apropriada pela comunidade em acordo com os seus objetivos. Ao triangular as entrevistas com as observações realizadas, pudemos observar a forte frequência da comunidade às atividades que animam esse equipamento público que oferece práticas esportivas, atividades recreativas, educativas, culturais e sociais, atingindo assim a democratização do acesso ao esporte e ao lazer. Também observamos que a Praça da Juventude de Novo Hamburgo, ao oferecer atividades diversificadas, também possibilita a inclusão de gênero, pois são homens e mulheres usufruindo das atividades ofertadas e dos espaços da Praça. Da mesma forma, observou-se, quanto à intergeneracionalidade, que as atividades oferecidas contemplam a participação de crianças, jovens e adultos.
Para atingir os objetivos dessa política, alguns fatores foram determinantes: a articulação de esforços dos poderes Federal e Municipal na concretização dessa ação; o amplo leque de atividades ofertadas com orientação, o estímulo ao lazer ativo, a qualidade dos equipamentos, a gratuidade e a segurança; assim como a participação da comunidade, tanto na utilização quanto na gestão da Praça por meio da Associação de Amigos da Praça, criada pela comunidade. A fala a seguir exemplifica a percepção da comunidade sobre a Praça:
[Fatores importantes na apropriação pela comunidade são:] os projetos, ter os profissionais para auxiliar. Ter projetos como judô que muitas crianças não teriam acesso, e aqui na Praça é de graça, noutro lugar teria que gastar com mensalidade e quimono, e aqui na Praça tem toda essa estrutura. No meu tempo tinha que fazer as marcações para jogar uma bola, hoje eles têm tudo, toda estrutura para jogar. Tem as aulas que motivam, até por estarmos num tempo que está mudando essa mentalidade sobre o esporte, onde as pessoas estão buscando fazer um esporte, estão se reeducando para fazer um exercício, para fazer uma alimentação correta (Diretor de Esporte da Associação Amigos da Praça, informação oral). |
Por outro lado, dois aspectos devem ser mais bem desenvolvidos: primeiramente, há ausência de uma maior participação da juventude, principalmente em atividades dirigidas. A juventude parece ocupar espaços/tempos marginais na Praça da Juventude, aqueles não contemplados por projetos ou atividades dirigidas. Os espaços e atividades centrais da praça parecem se relacionar a um padrão normatizado e disciplinado de comportamento, que agrada a adultos e crianças, mas que não dá espaço para as necessidades de exercício de autonomia da juventude. Em segundo lugar, pessoas com deficiência ou os usuários do Centro de Atenção Psicossocial existente no bairro não se apropriam desse espaço. A comunidade acompanha calada a invisibilidade e não presença desses grupos. Parece haver um segundo nível de exclusão, para determinados grupos, dentro de uma comunidade que luta por inclusão.
Esperamos, com essa investigação, dar uma contribuição às pesquisas e projetos comprometidos com a democratização do esporte e do lazer. Ao mesmo tempo, a investigação permitirá dar um retorno à comunidade da Praça da Juventude do bairro Santo Afonso, com a finalidade de qualificar essa política pública.
Acreditamos que políticas de esporte e lazer como essa promovem a inclusão social, o enfrentamento das desigualdades e o fortalecimento da cidadania, garantindo o exercício de direitos e a construção de uma sociedade mais justa.
Referências
BRASIL (2010a). Manual de Implantação das Praças da Juventude. Brasília, DF: Ministério do Esporte. Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer. Disponível em: <.">http://www.esporte.gov.br/arquivos/publicacoes/manualImplantacaoPraca.pdf>. Acessado em: 17 abr. 2015.
BRASIL (2010b). Praça da Juventude. Brasília, DF: Ministério do Esporte. Secretaria Executiva. Disponível em: .">http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/secretaria-executiva/praca-da-juventude/sobre>. Acessado em: 17 abr. 2015.
BRASIL (2010c). Investimento dos ministérios do Esporte e da Justiça garante a construção de dez Praças da Juventude. Brasília, DF: Ministério do Esporte. Secretaria Executiva. Disponível em: <.">http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/secretaria-executiva/praca-da-juventude/noticias/122-noticias-praca-da-juventude/38582-investimento-dos-ministerios-do-esporte-e-da-justica-garante-a-construcao-de-dez-pracas-da-juventude>. Acessado em: 17 abr. 2015.
Por Alison Vargas, Cláudio Gutierrez, Fernando Chaves